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Clima pesado
PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, O URBANISTA MIKE DAVIS DEFENDE A REDISTRIBUIÇÃO DO PODER GLOBAL PARA COMBATER OS EFEITOS AMBIENTAIS DA CRISE ECONÔMICA
Obama comprometeu seu programa ambiental ao demonstrar entusiasmo pelo "carvão limpo"
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É preciso uma estratégia mundial para o aquecimento global
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COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pelos menos duas
grandes crises assustam as previsões para
o decorrer deste ano
-e, possivelmente,
dos próximos também.
Uma delas, já bastante difundida e prontamente socorrida
pelos governos, diz respeito ao
estado de incertezas que recobre a economia global.
A outra, a crise climática e
ambiental, ainda parece, no entanto, coisa de um futuro distante -embora já esteja ocorrendo agora, como alerta, em
entrevista à Folha, o urbanista
Mike Davis.
Professor na Universidade
da Califórnia, Davis lembra que
"o clima está mudando mais rápido do que a capacidade de
adaptação de plantas e animais". Cita como exemplos as
nevascas que vêm atingindo a
Inglaterra nas últimas semanas ou as alterações climáticas
no sudoeste dos EUA, no norte
do México e no leste da região
banhada pelo mar Mediterrâneo, locais que têm se tornado
mais secos e quentes.
Crítico das implicações ambientais do capitalismo, Davis é
autor de obras como "Planeta
Favela" (Boitempo) e "Cidades
Mortas" (Record). Para ele, "a
mudança climática ainda não
assumiu um papel central na
geração de um colapso econômico, embora tal conjuntura
seja obviamente previsível".
Ele aponta, por exemplo, que
o aumento no preço dos grãos,
em 2008, foi resultado, em parte, dos desastres climáticos dos
últimos dez anos.
Na entrevista abaixo, Davis
defende que "as mudanças para salvar o planeta devem envolver a redistribução do poder
econômico e a redefinição dos
padrões de consumo em níveis
sociais e globais".
(ESM)
FOLHA - Qual é a relação entre as
mudanças climáticas das últimas
décadas e a atual crise econômica?
MIKE DAVIS - Os desastres climáticos da última década quase
destruíram a indústria global
de seguradoras e contribuíram
para a perigosa e recente inflação nos preços de grãos.
Mas a mudança climática
ainda não assumiu um papel
central na geração de um colapso econômico, embora tal conjuntura seja previsível.
Por outro lado, graças à crise
e à campanha de Barack Obama, o "keynesianismo verde"
emergiu como uma ideia poderosa que poderia reagrupar o
movimento ambiental e os sindicatos em torno do investimento público no emprego, gerando investimentos públicos
em infra-estrutura verde.
Corporações lobistas, naturalmente, aceitam o slogan de
que uma infra-estrutura verde
está tão distante quanto a possibilidade de transformar uma
política para indústrias de alta
tecnologia e riscos capitalistas.
Entretanto a simples introdução da ideia no discurso público é um progresso e oferece
uma nova ligação entre verdes
e trabalho.
FOLHA - O sr. acredita que o governo Obama irá tratar com mais responsabilidade que o governo George W. Bush os impactos da crise ambiental e climática?
DAVIS - Sim, e Obama não somente cooperará com a União
Europeia e outros países que
assinaram o Protocolo de Kyoto [tratado internacional que
prevê a redução na emissão de
gases poluentes na atmosfera],
mas provavelmente abrirá um
novo canal para negociações
climáticas com os chineses.
Contudo, é uma outra questão prever se as negociações
produzirão resultados sérios.
Os países europeus que tomaram a direção das negociações sobre o clima estão agora
divididos internamente e indecisos, logo há expectativas fantasiosas -como sobre a economia e a capacidade de Obama
de se tornar líder mundial.
Mesmo nos EUA prometeu
mais do que poderia, pois sua
agenda de trabalho será moldada pelo Congresso.
Além disso, ele comprometeu seu próprio programa ambiental ao demonstrar entusiasmo pelo "carvão limpo".
Pois os carros elétricos terão
pouco impacto na redução do
aquecimento global se a eletricidade continuar a ser produzida com carvão.
FOLHA - Diante da crise ambiental,
que novo clima está a caminho?
DAVIS - Estamos vivendo em
uma nova Terra. No próximo
século, o sistema climático global será governado por níveis
de acumulação de gases sem
precedentes nos últimos 3 milhões de anos.
A maior retenção da energia
solar conduzirá a mais eventos
climáticos extremos; contudo,
e mais importante, reorganizará padrões de chuvas regionais
e temperaturas, com grandes
implicações para a agricultura
irrigada e a qualidade da água
consumida nas cidades.
O papel de massas polares
marítimas, produtividade agrícola, poluição urbana etc. complicará enormemente a constituição de climas futuros.
Mas duas tendências estão
claras: o aquecimento acelerado das altas latitudes do hemisfério Norte, com o consequente
derretimento do gelo marinho,
e a dramática expansão de regiões semiáridas nas latitudes
médias.
De acordo com os estudos de
ponta de Richard Seager e sua
equipe no Lamont-Doherty (laboratório da Terra da Universidade Columbia, nos EUA), as
condições climáticas no sudoeste americano, no norte do
México e, possivelmente, no
leste do Mediterrâneo já estão
mudando, com estações mais
quentes e mais secas.
Em muitos casos, o clima está mudando mais rápido do que
a capacidade de adaptação de
plantas e animais, provocando,
desse modo, a extinção de espécies e simplificações ecológicas.
É mais fácil, claro, visualizar
os rápidos processos e as singularidades catastróficas -gigantescos furacões, secas épicas
etc.- do que ver os aspectos
mais lentos, porém ainda mais
poderosos, da mudança do clima -diminuição gradual da
produção agrícola, desertificação crescente etc.
FOLHA - A nevasca que caiu no Reino Unido no início deste mês foi a
pior dos últimos 18 anos no país, paralisando aeroportos, o sistema de
transportes e acarretando enormes
prejuízos econômicos. As metrópoles serão os espaços que mais sofrerão com as mudanças climáticas?
DAVIS - Bem, clima atípico é
clima. Os indícios científicos ligados ao aquecimento global
não são visíveis apenas em algum caso particular.
Por essa razão, um observador prudente hesitaria em atribuir a nevasca em Londres e
mesmo o furacão Katrina [que
destruiu a cidade de Nova Orleans, no sul dos EUA, em
2005] a uma mudança climática antropogênica.
Por outro lado, a incidência
de colapso dos sistemas urbanos por eventos climáticos extremos tem aumentado. Serão
necessários trilhões de dólares
para adaptar as cidades, mesmo as ricas, ao clima novo e
"normal" que está chegando.
FOLHA - Na sua opinião, os programas de combate ao aquecimento
global têm sido eficientes?
DAVIS - Não, falharam até em
relação a expectativas modestas. Kyoto teve impacto insignificante, e as emissões de gases
de 2000 a 2007 aumentaram
mais rapidamente do que era
previsto nos piores cenários.
E há um otimismo público
pequeno, em meio à crise econômica mundial, de que a conferência do clima de Copenhague [na Dinamarca, onde se discutirá, em dezembro, um acordo substituto para o Protocolo
de Kyoto, que expira em 2012],
produzirá uma continuação séria de Kyoto.
Alguns países europeus, incluindo Alemanha e Itália, estão indo agressivamente atrás
de carvão -o combustível fóssil
mais sujo e mais barato.
Precisamos de uma estratégia mundial para a adaptação
ao aquecimento global, assim
como a redução nas emissões
de gases de efeito estufa.
Mas, graças ao fracasso dos
países ricos em reduzir as emissões, a maioria dos impactos
ruins cairá sobre países mais
pobres, com menos meios para
adaptar seus sistemas agrícolas, recursos hídricos e ambientes construídos.
Por isso é que devemos lutar
para ganhar o reconhecimento
da "dívida ecológica" que o
Norte tem com o Sul: somente
grandes transferências de renda podem permitir que os países mais pobres invistam em
adaptações significativas (colheitas novas e irrigação de gotejamento, conservação da
água urbana, energia solar etc.)
FOLHA - A defesa do ambiente exige a atuação conjunta de mudanças
individuais de atitude e políticas públicas que alterem hábitos coletivos
de consumo. Como implementar de
maneira eficaz tais processos?
DAVIS - Promover uma ética
verde em nível individual é importante, e nós deveríamos ser
responsáveis pelos nossos impactos ecológicos.
Não tenho nenhuma simpatia por ecologistas que querem
salvar a Terra reduzindo a população humana a níveis pré-industriais, mas entendo a confusão sobre como traçar o círculo da sustentabilidade com a
urgência do fim da pobreza.
Como todos sabemos, diversas Terras adicionais seriam
exigidas para permitir que toda
a humanidade viva em uma casa suburbana com um estilo de
vida norte-americano, com
dois carros e um gramado.
Minha própria solução abstrata para esse enigma, que será
o assunto de meu próximo livro, é substituir, tanto quanto
possível, o consumo público
pelo privado. Acredito que a pedra angular da cidade do baixo-carvão, mais do que qualquer
desenho verde ou tecnologia
em particular, é a prioridade
dada à afluência pública sobre a
riqueza privada.
A maioria das cidades contemporâneas, em países ricos
ou pobres, contém capacidades
ambientais potenciais inerentes aos densos assentamentos
humanos. O gênio ecológico da
cidade permanece um poder
vasto, quase sempre escondido.
Mas não há nenhuma deficiência planetária da sua "capacidade de carga" se nós estamos
dispostos a fazer do espaço público democrático o motor da
igualdade sustentável.
A afluência pública -representada por grandes parques
urbanos, por museus livres, por
bibliotecas e possibilidades infinitas para a interação humana- representa uma rota alternativa para um rico padrão de
vida personificado em uma carnavalesca sociabilidade.
O Brasil, apesar de suas gigantescas desigualdades, tem
sido um laboratório avançado
para as experiências que unem
democracia popular, economia
verde e espaço público.
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