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+(L)ivros
Mundo aquecido
"Seis Graus" adverte que ações contra
o aquecimento global são urgentes
e necessitam
de medidas
sérias
de governos
e sociedade
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se compulsassem os
documentos que existem sobre o estado físico do Brasil no tempo de sua descoberta
(...) e nas diversas épocas da sua
história (...), poder-se-ia provar
a influência que exerce a ação
do homem sobre o clima das
terras que habita e demonstrar
a verdade desse princípio
enunciado há 40 anos por Fourier, que a atmosfera é um campo suscetível de cultura."
Essas palavras foram escritas
em 1860 por uma voz quase esquecida na história da inteligência do país, o geógrafo cearense Tomás Pompeu Brasil.
Apesar de voltadas para o fenômeno das secas nordestinas,
elas vêm à mente quando da
leitura de "Seis Graus", de
Mark Lynas, uma análise
abrangente e atualizada do tema que está se tornando a mais
perfeita tradução do imaginário e dos dilemas políticos da
globalização: o aquecimento
planetário.
Para entender a dimensão
histórica do atual debate climático, é preciso destacar algumas consequências marcantes
do processo de expansão mundial do experimento moderno.
A construção de uma poderosa máquina institucional de
produção de conhecimento é
uma delas.
O método de elaboração de
"Seis Graus" é ilustrativo.
O autor assumiu a tarefa de
processar de maneira organizada, em benefício do debate
público, os dados contidos em
numerosos artigos técnicos publicados em periódicos como
"Geophysical Research Letters". Quem acha que o aquecimento global não é "ciência dura" ignora as fontes que o fundamentam.
Desde o século 19, por outro
lado, tem ocorrido uma expansão revolucionária nas escalas
cronológicas de entendimento
do mundo.
No final do século 18, um naturalista renomado como Buffon especulava que a idade da
Terra poderia ser maior que 70
mil anos.
Hoje se trabalha com a visão
de um planeta de 4,5 bilhões de
anos, dotado de uma história
imensamente antiga e em permanente transformação.
A ideia de uma natureza estável e acabada, ameaçada apenas pela ação humana, não corresponde em nada à sofisticação das análises ecológicas que
hoje se expressam em diferentes disciplinas científicas.
O que se observa são interações complexas, envolvendo
inúmeras variáveis, que constroem estados de equilíbrio
instável produzidos por uma
complicada dança entre ordem
e caos, agregação e desagregação. A Terra já passou por vários processos naturais de
aquecimento e resfriamento.
É dentro desse quadro maior
que o impacto da ação humana,
no período recente em que ela
passa a existir, deve ser reconhecido e criticamente avaliado.
Desafios políticos inéditos
Poucos observam que o que
chamamos de "civilização" surgiu, nos últimos 10 mil anos, no
contexto de uma configuração
da natureza planetária excepcionalmente propícia ao desenvolvimento humano.
Nós não temos a capacidade
de destruir a vida na Terra, mas
sim de afetar alguns aspectos
essenciais dessa configuração.
A atmosfera, essa camada de
ar que se estende acima das
nossas cabeças, é um meio especialmente vulnerável, pois
pequenas variações podem significar uma diferença brutal
para a vida humana, mais do
que para o planeta.
Basta lembrar que, na última
grande glaciação, entre 80 mil e
12 mil anos atrás, a temperatura média era apenas 6 ºC menor
do que hoje.
O Homo sapiens já existia,
mas se expressando por meio
de estruturas materiais simples de caça e coleta, por mais
que as comunidades humanas
sempre sejam culturalmente
complexas.
As estruturas pesadas que
surgiram depois, alcançando
uma escala desmedida com o
uso contemporâneo dos combustíveis fósseis, conseguiriam
sobreviver no contexto de um
aquecimento que pode chegar
a mais seis graus em 2100?
Segundo os dados obtidos
por Lynas, o aumento no teor
de gases-estufa (como o gás
carbônico e o metano) elevou a
temperatura média em 0,8
grau nos últimos 150 anos, uma
mudança que já se manifesta
em fenômenos como o aparecimento inédito de furacões no
Atlântico Sul.
Um aumento de mais dois
graus seria quase inevitável.
Em algum lugar acima desse
nível, segundo várias projeções, se encontra o ponto de
equilíbrio cuja ultrapassagem
começaria a acionar "gatilhos"
ecológicos nos sistemas planetários, como a liberação para a
atmosfera dos gigantescos estoques de metano do fundo dos
oceanos, que poderiam catapultar o aumento para até seis
graus.
Para manter o aquecimento
abaixo dos riscos mais devastadores, seria necessário estabilizar o teor de carbono em 400
ppm (partes por milhão), pouco mais do que os atuais 382
ppm. A economia mundial teria que passar por um processo
de "descarbonização".
O dilema do aquecimento
apresenta uma imbricação fascinante entre ciência e política
nos quadros da chamada "modernidade reflexiva".
O debate político global, cada
vez mais informado e socialmente inclusivo, precisa conviver ao mesmo tempo com a absoluta relevância ética e as incertezas estruturais das previsões científicas diante do tema.
A dimensão temporal do debate, por outro lado, apresenta
uma inovação política radical.
É preciso discutir o enfrentamento de uma crise que encontrará seu epicentro em 2100,
apesar de suas manifestações
poderem começar agora ou em
qualquer momento indefinido.
Economia do futuro
É próprio da economia de
mercado ser uma alocadora de
recursos no presente. As gerações futuras não fazem parte de
sua lógica.
A política, que em sua essência teórica deveria ser capaz de
priorizar a segurança da comunidade como um todo, também
sofre na prática de fortes lacunas institucionais para ir além
do futuro próximo.
O debate internacional sobre
as armas nucleares, que não
afetava o conjunto da humanidade de uma maneira tão objetiva, teve que se concentrar na
redução dos riscos no curto
prazo. Pela primeira vez a longa
duração tornou-se uma questão política central.
As complicadas negociações
que o aquecimento global demanda, envolvendo sacrifícios
socioeconômicos consideráveis, deverão ser feitas por políticos e atores sociais que provavelmente não estarão vivos para conhecer as consequências
plenas de suas decisões!
Um desafio que poderá representar um verdadeiro salto
de qualidade para a consciência
autorreflexiva da espécie humana em um contexto histórico e político de globalização. O
que os historiadores do futuro,
caso eles existam, terão a dizer
sobre semelhante imbróglio?
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA é professor no departamento de história da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e autor de "Um Sopro de Destruição" (ed. Jorge Zahar).
SEIS GRAUS
Autor: Mark Lynas
Tradução: Roberto Franco Valente
Editora: Jorge Zahar (tel.0/ xx/21/2108-0808)
Quanto: R$ 44 (304 págs.)
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