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Dentro do compasso
TRÊS OBRAS SE DEBRUÇAM SOBRE A MÚSICA BRASILEIRA DESDE SUAS ORIGENS ATÉ O SÉCULO 21
CARLOS SANDRONI
ESPECIAL PARA A FOLHA
José Ramos Tinhorão é
um verdadeiro "caso"
nos estudos sobre música popular brasileira e,
de certa forma, personagem dela, mais significativo
que muitos compositores e intérpretes. Disse dele Caetano
Veloso, em 1965: "Infelizmente, o único a colocar o assunto
música popular brasileira em
discussão".
Desde então, felizmente ou
infelizmente, muitos outros o
fizeram -e poucos com embasamento documental comparável. Fiz para o "Jornal do
Brasil" uma resenha da primeira edição de "Os Sons dos Negros no Brasil", em 1988.
Nesse meio tempo devo tê-lo
relido pelo menos duas vezes,
nos primeiros dez anos para
minhas pesquisas sobre samba
e, nos dez anos seguintes, ao
preparar aulas sobre MPB.
Afirmava ali: "Não precisamos ter vergonha de ler o Tinhorão". Naquele tempo, então, ainda podia parecer aos
menos informados que a xenofobia era o ponto alto da sua
obra. Hoje, citado à farta por
todos os autores acadêmicos
que se debruçam sobre os mesmos temas e, de quebra, portador de um mestrado em história pela USP, a riqueza de suas
pesquisas é valorizada até por
desafetos.
O que não significa que os
mesmos desafetos, ou outros
afetos, adiram por isso ao simplismo sociologizante de muitas de suas interpretações, nem
muito menos à sua incompreensão da bossa nova e de
muito do que se passou depois.
Em 1988, "Os Sons dos Negros no Brasil" era uma novidade quase completa e, hoje, continua sendo uma leitura saborosa e informativa, sem equivalente em língua portuguesa.
A lamentar apenas que o autor não tenha procurado incorporar a esta nova edição parte
dos dados provenientes dos últimos 20 anos de pesquisas
universitárias sobre o escravismo no Atlântico Sul (particularmente ricas em informações
sobre cultura, sobretudo em
comparação com os 20 anos
anteriores).
Embora tais pesquisas ainda
não tenham dado à música todo o lugar que mereceria, elas
trazem com freqüência, dispersas entre capítulos e entre linhas, informações sobre o tema (daquelas que Tinhorão tão
bem sabe garimpar).
Comparação instrutiva
"Uma História da Música Popular Brasileira - Das Origens à
Modernidade", de Jairo Severiano, teve como principal predecessor no ramo (embora de
menor tamanho) justamente a
"Pequena História da Música
Popular", de Tinhorão (primeira edição em 1974), e a comparação é instrutiva.
Esta última era organizada
em capítulos, por gênero ("Modinha", "Choro", "Samba" etc.),
e dava bastante espaço para as
interpretações e juízos críticos
do autor. Severiano, ao contrário, faz um esforço (bem-sucedido) para ater-se ao estritamente factual (embora não
consiga esconder alguma antipatia por certos aspectos do
tropicalismo e, num dos raros
arroubos do livro, chame o pagode romântico, de grupos como Só para Contrariar, de
"contrafação").
Os 55 pequenos capítulos, organizados sobretudo em torno
das biografias dos protagonistas, são agrupados em quatro
grandes "tempos".
O primeiro ("A Formação
-1770-1928") começa nos marcos clássicos constituídos pela
modinha e pelo lundu e vai até
o último ano de vigência do sistema de gravação dito "mecânico". O segundo ("A Consolidação - 1929-1945") é o mais
rico do livro e trata da chamada
"época de ouro" da MPB. O terceiro tempo, o mais curto dos
quatro, trata de "A Transição
-1946-1957", período geralmente considerado como mera
ponte entre a geração de Noel
Rosa/Ary Barroso e a de Tom
Jobim/João Gilberto e que recebe aqui tratamento mais
equânime (apesar do título).
O quarto e último tempo ("A
Modernização - 1958-") procura tratar de tudo o que aconteceu desde a eclosão da bossa
nova, incluindo as tendências
mais recentes, já no século 21.
Mesmo contando uma história cujas linhas gerais são bastante conhecidas, o livro é riquíssimo em detalhes inéditos.
Numa prosa de leitura agradável (embora algumas repetições pudessem ter sido evitadas), Severiano reúne e sintetiza também informações dispersas em diversas fontes. Justamente por isso, teria sido desejável indicar essas fontes de
maneira mais precisa.
Com isso, ganhariam os outros pesquisadores (que desde
já têm aqui um verdadeiro manancial de novos dados e sugestões), mas sobretudo ganhariam os leitores comuns e sua
capacidade de situar e avaliar
criticamente as informações
apresentadas.
Já o livro de Vasco Mariz ("A
Música no Rio de Janeiro no
Tempo de D. João 6º") trata da
música erudita no Rio de Janeiro, com foco entre 1808 e 1821,
período da presença da corte
portuguesa na cidade.
Foi uma época muito especial (também) para a música,
tanto no que se refere a seu uso
nas cerimônias religiosas (onde
se sobressai a figura do compositor e, durante alguns anos,
mestre-de-capela José Maurício Nunes Garcia) quanto no
que se refere à ópera, com a
construção do Real Teatro de
São João e a presença de muitos cantores excelentes, atraídos pelo momento propício.
Idioma clássico
Quanto aos compositores estrangeiros então presentes no
Rio, Mariz dedica capítulos ao
português Marcos Portugal e
ao austríaco Sigismund Neukomm -aluno de Joseph
Haydn e o primeiro a usar música afro-brasileira (no caso,
um lundu) como inspiração de
uma peça em idioma "clássico"
para piano.
O livro "A Música no Rio de
Janeiro no Tempo de D. João
6º" disponibiliza informações
preciosas sobre aspectos e personagens da história da música
brasileira menos conhecidos
do grande público, em comparação com os temas de Severiano e Tinhorão.
Imprecisões
Por isso também é uma pena
que deixe escapar muitas imprecisões, como atribuir lundus a Antonio José da Silva ou
afirmar que Francisco Manuel
da Silva seria hoje mais conhecido que Sigismund Neukomm
(a autoria do hino nacional pelo
primeiro não é um argumento
convincente).
Outros erros factuais estão
nas "orelhas" dos livros de Mariz e Tinhorão. A primeira atribui a Joaquim Manoel da Câmara, modinheiro e instrumentista do século 19, a invenção do cavaquinho.
A segunda confunde um "berimbau" quinhentista (tocado,
numa crônica jesuíta, por certo
irmão Barnabé) -que certamente seria o idiofone de lâmina única, também conhecido
como "berimbau-de-boca" ou
"guimbarda"- com o arco musical de proveniência africana
hoje usado na capoeira.
CARLOS SANDRONI é professor no núcleo de
etnomusicologia da Universidade Federal de
Pernambuco.
OS SONS DOS NEGROS
NO BRASIL - CANTOS, DANÇAS,
FOLGUEDOS - ORIGENS
Autor: José Ramos Tinhorão
Editora: 34 (tel. 0/xx/11/ 3032-7106)
Quanto: R$ 30 (152 págs.)
UMA HISTÓRIA DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA -
DAS ORIGENS À MODERNIDADE
Autor: Jairo Severiano
Editora: 34
Quanto: R$ 64 (504 págs.)
A MÚSICA NO RIO DE JANEIRO
NO TEMPO DE D. JOÃO 6º
Autor: Vasco Mariz
Editora: Casa da Palavra (tel. 0/xx/
21/ 2222-3167)
Quanto: R$ 31 (112 págs.)
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