São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007 |
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Cristo salva
MARIA CAROLINA ABE
A retomada da missa tradicional, com partes rezadas em latim e o padre de costas para o público, atrairá mais fiéis para a Igreja Católica. Ao menos é o que afirma o padre francês Philippe Laguérie, que conversou com a Folha na quarta-feira, em São Paulo. FOLHA - A retomada da missa tradicional causou grande repercussão devido a um trecho em que cita os judeus. Como avalia a polêmica? PHILIPPE LAGUÉRIE - Na missa propriamente dita, essa que é celebrada todos os dias, não há nada, nenhuma referência aos judeus. Existia uma referência aos judeus na liturgia da Sexta-feira Santa, que não é uma missa. Reclamava-se de um texto que falava dos "pérfidos judeus", mas ele foi suprimido pelo papa João 23, justamente a missa que o papa acaba de ressuscitar. Então, essa é uma falsa questão. FOLHA - Mas a liturgia da Sexta-feira Santa ainda mantém a afirmação de que os judeus necessitam ser esclarecidos sobre Jesus Cristo ["Oremos pelos judeus, para que Deus retire o véu que cobre seus corações e lhes faça conhecer nosso senhor Jesus Cristo"]. LAGUÉRIE - Certamente, eles têm de ser esclarecidos sobre a divindade de Jesus Cristo. Pede-se que os judeus, os muçulmanos, os infiéis de maneira geral sejam esclarecidos sobre Jesus Cristo. Fala-se de 15 categorias de pessoas -os catecúmenos, os hereges, os cismáticos, os pagãos-, pede-se a todos que conheçam a luz de Cristo. Pede-se até que sejam esclarecidos o papa, os bispos e todo o clero a respeito da divindade de Cristo, que conheçam a luz de Cristo. Então, não há nenhuma referência especial aos judeus. FOLHA - Na terça passada, o Vaticano publicou outro documento, que traz a idéia de superioridade da Igreja Católica sobre as demais igrejas cristãs, ao afirmar que a igreja de Cristo é a Igreja Católica. O sr. pode esclarecer esse ponto? LAGUÉRIE - O que o papa diz no documento é que a afirmação do Concílio de que "a Igreja Católica subsiste na igreja de Cristo" significa "a Igreja Católica é a igreja de Cristo" ainda com mais força. Não só diz que a Igreja Católica é a igreja de Cristo atualmente mas que sempre o foi, desde o início. Além disso, o papa define quem a Igreja Católica reconhece como igreja. Ele admite que se chamem de igrejas as ortodoxas, porque elas conservaram o sacerdócio, a sucessão apostólica [o fato de os padres serem ordenados uns pelos outros] e a missa católica. Embora possam ser chamadas de igreja, não são igrejas de Cristo, porque não têm a comunhão com Roma, condição essencial para ser igreja de Cristo. Porém o papa não reconhece o nome de igreja a todos os movimentos surgidos da Reforma protestante, porque eles não têm a doutrina católica. Não é o objetivo do documento estabelecer um "hit parade" das igrejas, dizer qual é a melhor, mas definir quem é igreja ou não segundo o Vaticano. FOLHA - Como será tomada a decisão de rezar a missa tradicional? LAGUÉRIE - Existe a liberdade de qualquer padre decidir rezar a missa antiga. Ele pode receber fiéis para assistir à missa, mas continua sendo uma missa privada [missa que o padre reza por iniciativa própria e que não pertence à programação oficial da igreja, mesmo tendo público]. Para que haja uma missa na paróquia, uma missa pública, é preciso que um grupo de fiéis estável faça o pedido. Se o pároco não atender a esse pedido dos fiéis, eles devem procurar o bispo, que deve fazer todo o possível para atender aos fiéis. Caso isso não ocorra, então se deve recorrer à Comissão Ecclesia Dei, em Roma. FOLHA - Quais as principais diferenças entre a missa tradicional e a missa rezada hoje? LAGUÉRIE - Há muita, muita, muita diferença. Em primeiro lugar, na missa antiga, todos rezam voltados para Deus e voltados para o Oriente, onde nasce o sol, que simboliza a luz de Cristo e o surgimento da verdade. Somente na explicação do Evangelho, nas leituras e no sermão, o padre se volta para o povo, pois está se dirigindo a ele. Na missa nova, o padre reza sempre voltado para o povo. A segunda diferença é a língua sagrada, o latim. Nós não nos dirigimos a Deus na mesma língua que usamos nas compras, nos negócios, no dia-a-dia. Sempre houve na igreja, mesmo no Oriente, uma língua sagrada para falar com Deus. Na Síria, rezava-se a missa em aramaico; na Judéia, rezava-se a missa em siríaco. Em terceiro lugar, os próprios textos da missa são diferentes: na missa nova não se fala mais do sacrifício nem do pecado nem da vida eterna nem da redenção. FOLHA - Essa volta à missa antiga pode ser vista como exemplo de um retorno da Igreja Católica, sob Bento 16, ao conservadorismo? LAGUÉRIE - A nova missa corresponde à teologia dos anos 1960. A missa antiga, a uma teologia que foi eterna na Igreja Católica. FOLHA - Existe alguma estimativa do número de católicos adeptos desse rito antigo? LAGUÉRIE - Duas pesquisas feitas na França em maio, por institutos não-católicos, constataram que 68% dos franceses, mesmo não-católicos, se diziam adeptos da missa tradicional. FOLHA - A idéia que se tem é justamente a inversa: que a missa rezada em latim pode afastar os fiéis. Como o sr. explica isso? LAGUÉRIE - O papa disse que, de fato, recuou muito o conhecimento do latim e que isso pode diminuir a demanda pela missa tradicional. Mas não é preciso conhecer latim para apreciar a missa antiga. Além disso, o papa nota que, quando se suprimiu a missa tradicional, acreditava-se que as pessoas que seguiam ligadas a ela eram velhos, nostálgicos. Mas o que se vê é justamente o contrário: há uma preponderância de jovens pedindo a volta da missa antiga. FOLHA - Hoje, no Brasil, as missas tradicionais acontecem somente com autorização dos bispos? LAGUÉRIE - Sim, existem algumas missas privadas. Sempre há missas em Campos (RJ), onde há um instituto de padres que rezam a missa antiga. O Instituto Bom Pastor está justamente procurando igrejas para transformar em paróquias pessoais [paróquias que têm controle sobre um grupo de pessoas, e não sobre uma área geográfica, como ocorre com as paróquias convencionais]. FOLHA - Nesse contexto de mudanças na Igreja Católica, qual o papel do Instituto Bom Pastor, ao qual o sr. pertence? LAGUÉRIE - O instituto é um balão de ensaio do "Motu Proprio" e também uma chamada para a reaproximação com a fraternidade de são Pio 10ø, dado que todos os membros iniciais do instituto vieram desse grupo. Texto Anterior: Em busca das ovelhas Próximo Texto: + Livros: O pensador tecnocético Índice |
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