São Paulo, Domingo, 15 de Agosto de 1999
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José Serra critica política cambial em livro que reúne depoimentos de 12 economistas
Anatomias de um desastre

João Wainer/Folha Imagem
Na foto maior, o ministro da Saúde, José Serra, que, no livro 'Conversas com Economistas Brasileiros 2', critica a política cambial desenvolvida por Gustavo Franco (dir), durante o 1º mandato de FHC


CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local

A política cambial do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso foi um desastre gratuito e total. Foi resultado de pouca reflexão analítica dos seus condutores. Suas consequências foram devastadoras em muitas áreas da economia, inclusive comprometendo as metas fixadas no programa de privatização.
Essas críticas, talvez das mais severas feitas por um economista que participou do primeiro governo FHC (e participa do segundo), estão se tornando públicas nesta semana.
José Serra, ministro do Planejamento na época em que se traçou o rumo da política cambial e ministro da Saúde desde março do ano passado, tem sido excepcionalmente discreto nos seus comentários sobre a política econômica dos primeiros anos FHC. Essa reserva foi deixada de lado, porém, na longa entrevista que Serra concedeu a dois professores da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, em dezembro de 1997. Talvez Serra tenha voltado à sua habitual franqueza porque estava, na época, fora do governo, tendo reassumido por quase dois anos sua cadeira no Senado.
Certamente contribuiu para a desenvoltura de Serra o fato de estar sendo entrevistado por colegas de profissão, Guido Mantega e José Marcio Rego. A mesma disposição para falar sobre temas econômicos mais complexos ou sobre disputas com colegas pode ser encontrada na maioria das outras 11 entrevistas que compõem o livro "Conversas com Economistas Brasileiros 2", que a Editora 34 lança nesta semana.
O livro faz parte de um projeto sobre o pensamento econômico e a ação dos economistas brasileiros desenvolvido na FGV que já resultou, entre outros, no "Conversas com Economistas Brasileiros", de 1996, em que o próprio Rego e os então doutorandos Ciro Biderman e Luis Felipe Cozac entrevistaram Mário Henrique Simonsen, Roberto Campos, Celso Furtado e Maria Conceição Tavares, entre outros.
Nesta segunda rodada de entrevistas, o grupo é mais eclético e com uma contribuição à teoria e à prática da economia menos brilhante -inclusive porque os economistas do novo livro são mais jovens, em média. O que talvez tenha se perdido em reflexão ganhou-se, no entanto, na diversidade de opiniões.
A nova obra reúne Paul Singer, Francisco de Oliveira, José Serra, Antônio Barros de Castro, João Manuel Cardoso de Mello, João Sayad, Yoshiaki Nakano, José Alexandre Sheinkman, Fernando Holanda Barbosa, Francisco Lopes, Aloízio Mercadante e Gustavo Franco (leia mais na pág. 5-5).
Eles foram entrevistados pelos dois autores entre setembro e dezembro de 1997, geralmente em conversas que duraram horas. Aos economistas, foi dado o direito de ler o texto resultante das gravações e corrigir eventuais falhas.
Como ressalta Guido Mantega na apresentação do livro, "às vezes como heróis, outras como vilões, os economistas são profissionais polêmicos, que ocupam um espaço importante na vida pública brasileira. Afinal, eles costumam ter em suas mãos as chaves do cofre do Tesouro e são convocados para elaborar planos mirabolantes, geralmente para corrigir os problemas deixados pelos economistas que os precederam".
Chama a atenção de imediato na lista dos economistas entrevistados a ausência do ministro da Fazenda Pedro Malan, até porque dois de seus comandados durante os quatro primeiros anos da era FHC (Gustavo Franco e Chico Lopes) estão no livro. Malan foi, sim, entrevistado, mas depois que recebeu os originais para sua revisão não autorizou a publicação da sua longa conversa que teve com Mantega e Rego. As opiniões de Malan certamente teriam contribuído para o debate sobre os desacertos da política cambial do governo FHC, da qual ele foi e é o principal responsável, abaixo do próprio presidente.
Tanto Gustavo Franco e Chico Lopes dão depoimentos inéditos -pela profusão de detalhes e de comentários que expressam a opinião pessoal deles e não a do governo- sobre câmbio.
Chico Lopes, por exemplo, discute inclusive até onde poderia ir o governo na condução da política cambial e de uma eventual desvalorização do real. Ele defende a proposta de desvalorizações cambiais graduais, num ritmo muito mais determinado pelo mercado do que propriamente pelos economistas do governo.
Embora não tenha sido esse o seu objetivo principal, a obra também pode ser lida como uma reconstituição e uma crítica do papel de Fernando Henrique Cardoso em dois pontos da sua carreira: como um dos organizadores do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e condutor da política econômica durante sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no governo Itamar Franco, e já como presidente.
Recheado de histórias pouco conhecidas sobre o Cebrap e sobre outros episódios importantes do passado recente da economia e da política brasileira, como a criação do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), como conta Cardoso de Mello, o livro traz informações curiosas e opiniões às vezes surpreendentes sobre FHC (leia na pág. 5-6).
Não faltam alfinetadas entre os economistas entrevistados neste livro ou críticas, às vezes duras, a outros colegas de economia.
Gustavo Franco não poupa, por exemplo, os autores da chamada teoria da inflação inercial (base do Cruzado e do Real), entre os quais Pérsio Arida, André Lara Resende e Francisco Lopes, que foram seus professores ou colegas de governo. Franco acha que não se poderia nem sequer dizer que existe uma teoria da inflação inercial e concorda com o ex-ministro Delfim Netto na sua afirmação de que "se isso é teoria, minha avó é um bonde elétrico...".
Outra estocada é dada nos críticos da política cambial, que muitos consideram ser obra principalmente do próprio Gustavo Franco. Ele comenta: "Sempre trabalhamos em equipe, de modo que todas as minhas decisões foram parte de um todo consistente e, portanto, são de responsabilidade coletiva. Nada foi feito individualmente. Ainda assim, para muita gente, tudo o que o Real tinha de ruim era invenção minha, e o resto, a parte boa, foram os outros membros da equipe que fizeram e tiveram seu pensamento desvirtuado...".


LANÇAMENTO
"Conversas com Economistas Brasileiros 2", de Guido Mantega e José Marcio Rego (Ed. 34, tel. 0/xx/11/816-6777, R$ 35,00, 424 págs.), será lançado amanhã, em São Paulo, às 19h30, na Ráscal Pizza & Cozinha (al. Joaquim Eugênio de Lima com al. Santos).


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