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Entrevistados relembram as discussões no Cebrap, instituto criado há 30 anos pelo grupo do presidente
O laboratório de FHC
da Reportagem Local
Sem lugar nas universidades
públicas e muito menos no governo, perseguidos pelos militares,
censurados, intelectuais de esquerda criaram há exatos 30 anos
um instituto que acabou desempenhando um papel fundamental
nas discussões de teoria econômica e política e na formação de quadros para vários partidos políticos
-do PT e do PSDB, principalmente- e para vários governos.
Parte da história do Cebrap, o
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, é reconstituída no livro "Conversas com Economistas
Brasileiros 2".
Praticamente todos os 12 entrevistados fazem referências diretas
ao Cebrap ou ao resultado de pesquisas feitas por economistas que
trabalharam no instituto. Mas
dois economistas, que viveram de
forma mais intensa o início do Cebrap, são mais detalhistas ao remontar o passado: Paul Singer e
Francisco de Oliveira.
Singer relembra que a aposentadoria compulsória de um grupo
de professores da USP (Universidade de São Paulo), em abril de
1969, foi uma espécie de "morte
anunciada". "Nós sabíamos, logo
que o AI-5 saiu, que não teríamos
futuro na universidade, que seríamos expulsos. Mas o Cebrap foi
planejado antes da aposentadoria
por um grupo de amigos". Entre
esses amigos, estavam Fernando
Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Elza Berquó, Juarez Brandão
Lopes, Cândido Procópio e José
Arthur Giannotti.
Alguns desses professores tinham participado, durante anos,
de um grupo que se reunia quinzenalmente, cada vez na casa de
um, para estudar "O Capital", de
Karl Marx. Na prática, esse grupo
foi a semente do Cebrap.
O Cebrap foi financiado, no seu
início, praticamente por uma única instituição, americana: a Fundação Ford, criada pela mesma
família que fundou a montadora
de carros.
O instituto funcionou, sobretudo nos primeiros anos, como um
laboratório de projetos e pesquisas que eram apresentados e debatidos pelos participantes e convidados.
"Nos mesões, havia uma discussão geral de textos ainda não inteiramente prontos, que poderiam ser modificados. Havia muita franqueza entre nós, o que era
diferente da cultura brasileira acadêmica, que cultiva a idéia do homem cordial ou cortês", conta
Singer.
Talvez por causa dessa franqueza, Singer seja capaz de lembrar
de pelo menos dois casos de intelectuais que saíram do Cebrap, o
do sociólogo Francisco Weffort e
do cientista político Bolívar Lamounier, que hoje continuam
muito próximos de FHC -diferentemente do que ocorreu com
outros participantes do Cebrap.
Para Francisco de Oliveira, os
eventuais choques nas discussões
nos mesões -"o pau quebrava"- funcionaram como incentivos para novas pesquisas e a publicação de livros. Ele próprio
acabou escrevendo um texto que
se transformou, posteriormente,
em livro, como uma resposta a
um artigo de FHC.
Nos primeiros anos do Cebrap,
diz Oliveira, também "não havia
choques de estrelas, porque, a rigor, ninguém era estrela, ainda.
Havia alguns mais notáveis. Fernando Henrique já tinha livros
publicados. Mas ninguém era
propriamente notável".
Essas discussões acabavam
atraindo economistas e sociólogos que não eram do Cebrap. Entre os economistas, participavam
com assiduidade dos debates Maria da Conceição Tavares, Pedro
Malan e Luciano Coutinho, por
exemplo. Só não eram convidados os economistas que trabalhavam para o governo militar.
Um das principais preocupações de pesquisas e de livros era
como avaliar a constatação de que
o governo militar, com a supressão das reformas de base, não resultara em estagnação da economia, como muitos economistas
de esquerda previam anteriormente.
Cortejado por políticos
O Cebrap não era apenas um local de debates teóricos sobre economia ou política, mas acabou
sendo cortejado por políticos de
vários partidos.
Singer conta com detalhes a primeira vez em que o instituto foi
procurado por Ulysses Guimarães, então candidato "virtual" a
presidente da República pelo então MDB (a eleição era indireta e
quem ganharia seria a Arena).
Ulysses queria a contribuição
dos intelectuais do Cebrap para a
formulação de um programa de
governo. Singer foi procurado em
primeiro lugar. "Fiz a ligação do
Ulysses e do João Pacheco Chaves
(outro político do MDB, muito
próximo de Ulysses) com o Fernando Henrique, o Weffort e com
o Chico de Oliveira", conta.
A militância política do Cebrap
custou a vários de seus participantes a prisão, a tortura ou, no
mínimo, a convocação para prestar esclarecimentos à temida
Oban (Operação Bandeirante).
Em 1974, os membros do instituto
foram chamados a depor na
Oban.
"Todos os membros, desde os
mais importantes até os estagiários. Fomos encapuçados para
sermos levados até a sala de interrogatório. A ordem era hierárquica, começou com o Fernando
Henrique", conta Singer.
Gradualmente, com a abertura
política e com a anistia aos professores expulsos da USP, o Cebrap
perdeu sua importância relativa.
Hoje, outros centros de pesquisa,
principalmente universidades, se
destacam no debate e produção
de teses na área de economia.
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