São Paulo, Domingo, 15 de Agosto de 1999
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Entrevistados relembram as discussões no Cebrap, instituto criado há 30 anos pelo grupo do presidente
O laboratório de FHC

da Reportagem Local

Sem lugar nas universidades públicas e muito menos no governo, perseguidos pelos militares, censurados, intelectuais de esquerda criaram há exatos 30 anos um instituto que acabou desempenhando um papel fundamental nas discussões de teoria econômica e política e na formação de quadros para vários partidos políticos -do PT e do PSDB, principalmente- e para vários governos.
Parte da história do Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, é reconstituída no livro "Conversas com Economistas Brasileiros 2".
Praticamente todos os 12 entrevistados fazem referências diretas ao Cebrap ou ao resultado de pesquisas feitas por economistas que trabalharam no instituto. Mas dois economistas, que viveram de forma mais intensa o início do Cebrap, são mais detalhistas ao remontar o passado: Paul Singer e Francisco de Oliveira.
Singer relembra que a aposentadoria compulsória de um grupo de professores da USP (Universidade de São Paulo), em abril de 1969, foi uma espécie de "morte anunciada". "Nós sabíamos, logo que o AI-5 saiu, que não teríamos futuro na universidade, que seríamos expulsos. Mas o Cebrap foi planejado antes da aposentadoria por um grupo de amigos". Entre esses amigos, estavam Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Elza Berquó, Juarez Brandão Lopes, Cândido Procópio e José Arthur Giannotti.
Alguns desses professores tinham participado, durante anos, de um grupo que se reunia quinzenalmente, cada vez na casa de um, para estudar "O Capital", de Karl Marx. Na prática, esse grupo foi a semente do Cebrap.
O Cebrap foi financiado, no seu início, praticamente por uma única instituição, americana: a Fundação Ford, criada pela mesma família que fundou a montadora de carros.
O instituto funcionou, sobretudo nos primeiros anos, como um laboratório de projetos e pesquisas que eram apresentados e debatidos pelos participantes e convidados.
"Nos mesões, havia uma discussão geral de textos ainda não inteiramente prontos, que poderiam ser modificados. Havia muita franqueza entre nós, o que era diferente da cultura brasileira acadêmica, que cultiva a idéia do homem cordial ou cortês", conta Singer.
Talvez por causa dessa franqueza, Singer seja capaz de lembrar de pelo menos dois casos de intelectuais que saíram do Cebrap, o do sociólogo Francisco Weffort e do cientista político Bolívar Lamounier, que hoje continuam muito próximos de FHC -diferentemente do que ocorreu com outros participantes do Cebrap.
Para Francisco de Oliveira, os eventuais choques nas discussões nos mesões -"o pau quebrava"- funcionaram como incentivos para novas pesquisas e a publicação de livros. Ele próprio acabou escrevendo um texto que se transformou, posteriormente, em livro, como uma resposta a um artigo de FHC.
Nos primeiros anos do Cebrap, diz Oliveira, também "não havia choques de estrelas, porque, a rigor, ninguém era estrela, ainda. Havia alguns mais notáveis. Fernando Henrique já tinha livros publicados. Mas ninguém era propriamente notável".
Essas discussões acabavam atraindo economistas e sociólogos que não eram do Cebrap. Entre os economistas, participavam com assiduidade dos debates Maria da Conceição Tavares, Pedro Malan e Luciano Coutinho, por exemplo. Só não eram convidados os economistas que trabalhavam para o governo militar.
Um das principais preocupações de pesquisas e de livros era como avaliar a constatação de que o governo militar, com a supressão das reformas de base, não resultara em estagnação da economia, como muitos economistas de esquerda previam anteriormente.

Cortejado por políticos
O Cebrap não era apenas um local de debates teóricos sobre economia ou política, mas acabou sendo cortejado por políticos de vários partidos.
Singer conta com detalhes a primeira vez em que o instituto foi procurado por Ulysses Guimarães, então candidato "virtual" a presidente da República pelo então MDB (a eleição era indireta e quem ganharia seria a Arena).
Ulysses queria a contribuição dos intelectuais do Cebrap para a formulação de um programa de governo. Singer foi procurado em primeiro lugar. "Fiz a ligação do Ulysses e do João Pacheco Chaves (outro político do MDB, muito próximo de Ulysses) com o Fernando Henrique, o Weffort e com o Chico de Oliveira", conta.
A militância política do Cebrap custou a vários de seus participantes a prisão, a tortura ou, no mínimo, a convocação para prestar esclarecimentos à temida Oban (Operação Bandeirante). Em 1974, os membros do instituto foram chamados a depor na Oban.
"Todos os membros, desde os mais importantes até os estagiários. Fomos encapuçados para sermos levados até a sala de interrogatório. A ordem era hierárquica, começou com o Fernando Henrique", conta Singer.
Gradualmente, com a abertura política e com a anistia aos professores expulsos da USP, o Cebrap perdeu sua importância relativa. Hoje, outros centros de pesquisa, principalmente universidades, se destacam no debate e produção de teses na área de economia.


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