São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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LIVROS

A subversão do conformismo

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Após meia-revolução na poesia e meia-revolução na prosa (e antes de fazer o mesmo no cinema), o poeta, ensaísta e tradutor Décio Pignatari lança as armas para um embate em bases ideológicas com seu novo livro, "Cultura Pós-Nacionalista".
Com poemas coligidos em "Poesia pois É Poesia", contos e romances contidos em "O Rosto da Memória" e "Panteros", o autor reuniu nesta antologia 15 textos "sobre um sonhado Brasil internacionalista", publicados entre 1976 e 1998 em congressos, revistas e jornais (no Mais! e no extinto "Folhetim" da Folha).
Com uma leitura que enfoca parâmetros de formação da identidade e situação no mundo sob "o processo da industrialização brasileira errático e predatório", a obra pode arrepiar os compartimentados departamentos das ciências sociais.
A questão (querela?) do "nacional" (às vezes hifenizado ao aposto "popular") esteve muito em voga em rodas intelectuais nos anos 50 e 60, numa época em que expressões culturais de vigor viviam momentos de agitação e debate.
"Habitué" de polêmicas de ponta, Pignatari, introdutor do pensamento semiótico no país (e de outras formas avessas à simplória lógica linear-discursiva), leva vantagem ao voltar ao tema surrado (mas pronto para viagem no mercado neoliberal), graças à verve de suas idéias e à sofisticação de seu repertório.
O autor aciona as munições metalinguísticas da arte e da história para subverter os sintagmas estagnados da reflexão conformista globalizada. Busca a reforma do formato agrário da mentalidade nacional que grassa na re/produção cultural.
Pedagogia de poeta (e não doutrina de acadêmicos ou panfletários), o pensar relaciona os signos que formam e condicionam a realidade e moldam uma visão de mundo. Abre os canais da infra-estrutura e traz os desvios da superestrutura. Interessa a "passagem da idéia de "nacional' para a idéia de "brasileiro', que corresponde à transferência da idéia de "nação' para a idéia de "povo'".
A obra marca posição, na abordagem em diagramas diacrônicos de estruturas decisivas. Na amostragem de pontos de ruptura e substância ("o que chamamos de "Arte' não é senão um capítulo de nostalgia e um preconceito cultural"), o autor releva a corrosão necessária que o "signo novo estrutural" provoca nos sistemas caquéticos.
Neste país sem secessões, com apenas as sucessões de castas e arrochos de praxe ("A vida vale pelos seus extremos, mas a humanidade só caminha pelos meios", Valéry via Pignatari), espera-se que, apesar das penas, ainda possa resistir a medula tesa na Geléia Geral Brasileira.


Carlos Adriano é diretor de cinema, realizador dos filmes "A Voz e o Vazio: A Vez de Vassourinha" e "Remanescências"; com Bernardo Vorobow, organizou o livro "Julio Bressane: CinePoética".



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