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ENTRADAS SEM FIM
LEIA, A SEGUIR, DEZ CONTOS DE AUTORES BRASILEIROS INSPIRADOS NA OBRA E VIDA DO ESCRITOR TCHECO
Adriano Schwartz
Editor do Mais!
Sonhei com dentes o tempo todo; não eram
dentes ordenados num maxilar, mas dentes
engrenados." Assim, abruptamente, o leitor é
atirado em um ambiente muito especial, o
dos sonhos em Franz Kafka (1883-1924), tratado de dois
modos bem distintos por esta edição do Mais!.
Por um lado, dez escritores foram convidados a criar
"contos oníricos" baseados na obra ou na vida do autor
tcheco. Por outro, o caderno publica com exclusividade
um texto inédito de 1985 de Félix Guattari: um ensaio
que acompanharia uma antologia de sonhos narrados
por Kafka em suas cartas e diários, projeto a que a morte do filósofo francês em 1992 pôs fim.
Um olhar um pouco mais detido talvez indique, no
entanto, que os dois modos -os contos e o ensaio-
não são tão distintos assim. As reflexões de Guattari sobre o criador de "O Processo" já vinham ao menos dos
anos 70, quando lançou, com Gilles Deleuze, "Kafka
-Por Uma Literatura Menor" (Ed. Imago, esgotado).
Basta pensar nas primeiras linhas do livro para que surjam vínculos: "Como entrar na obra de Kafka? Trata-se
de um rizoma, de uma toca. O Castelo tem "entradas
múltiplas", cujas leis de uso e distribuição não são bem
conhecidas. O hotel da América tem inúmeras portas,
principais e auxiliares, vigiadas por outro tanto de porteiros, e mesmo entradas e saídas sem portas".
O jogo consiste, então, em inventar novas entradas,
quem sabe enganar alguns vigias -mesmo que sob o
risco de chegar a lugar nenhum-, radicalizando, se
possível, a "desterritorialização" já presente no texto de
Kafka (de acordo com os autores franceses), que seria
uma das marcas da "literatura menor" (entre as outras
características desse conceito, que não é de modo nenhum negativo, estão a onipresença do "político" e de
um necessário "valor coletivo"). Além disso, ao de certa
forma "brincar" com a matriz ficcional, esses "contos
oníricos" se colocam em sintonia com a perspectiva
menos pesada, às vezes até cômica, apreendida por Deleuze e Guattari no escritor tcheco.
Alguém poderia, contudo, questionar a opção pelo
"sonho". A resposta mais adequada fica evidente pela
leitura do ensaio publicado a partir da página 10, que
mostra como o autor insistentemente discutia seus sonhos e como isso permeia sua produção literária. Mas
há outra, bem mais sintética: porque o pesadelo já virou
lugar-comum.
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