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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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ENTRADAS SEM FIM


LEIA, A SEGUIR, DEZ CONTOS DE AUTORES BRASILEIROS INSPIRADOS NA OBRA E VIDA DO ESCRITOR TCHECO

Adriano Schwartz
Editor do Mais!

Sonhei com dentes o tempo todo; não eram dentes ordenados num maxilar, mas dentes engrenados." Assim, abruptamente, o leitor é atirado em um ambiente muito especial, o dos sonhos em Franz Kafka (1883-1924), tratado de dois modos bem distintos por esta edição do Mais!.
Por um lado, dez escritores foram convidados a criar "contos oníricos" baseados na obra ou na vida do autor tcheco. Por outro, o caderno publica com exclusividade um texto inédito de 1985 de Félix Guattari: um ensaio que acompanharia uma antologia de sonhos narrados por Kafka em suas cartas e diários, projeto a que a morte do filósofo francês em 1992 pôs fim.
Um olhar um pouco mais detido talvez indique, no entanto, que os dois modos -os contos e o ensaio- não são tão distintos assim. As reflexões de Guattari sobre o criador de "O Processo" já vinham ao menos dos anos 70, quando lançou, com Gilles Deleuze, "Kafka -Por Uma Literatura Menor" (Ed. Imago, esgotado). Basta pensar nas primeiras linhas do livro para que surjam vínculos: "Como entrar na obra de Kafka? Trata-se de um rizoma, de uma toca. O Castelo tem "entradas múltiplas", cujas leis de uso e distribuição não são bem conhecidas. O hotel da América tem inúmeras portas, principais e auxiliares, vigiadas por outro tanto de porteiros, e mesmo entradas e saídas sem portas".
O jogo consiste, então, em inventar novas entradas, quem sabe enganar alguns vigias -mesmo que sob o risco de chegar a lugar nenhum-, radicalizando, se possível, a "desterritorialização" já presente no texto de Kafka (de acordo com os autores franceses), que seria uma das marcas da "literatura menor" (entre as outras características desse conceito, que não é de modo nenhum negativo, estão a onipresença do "político" e de um necessário "valor coletivo"). Além disso, ao de certa forma "brincar" com a matriz ficcional, esses "contos oníricos" se colocam em sintonia com a perspectiva menos pesada, às vezes até cômica, apreendida por Deleuze e Guattari no escritor tcheco.
Alguém poderia, contudo, questionar a opção pelo "sonho". A resposta mais adequada fica evidente pela leitura do ensaio publicado a partir da página 10, que mostra como o autor insistentemente discutia seus sonhos e como isso permeia sua produção literária. Mas há outra, bem mais sintética: porque o pesadelo já virou lugar-comum.


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