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Vade retro, Roma!
COM MAIS DE 300 MILHÕES DE ÁLBUNS VENDIDOS
EM TODO O MUNDO, ALBERT UDERZO RELEMBRA A PARCERIA
COM GOSCINNY, QUE MORREU EM 1977, FALA DA
INFLUÊNCIA DE WALT DISNEY E DA INVASÃO DOS MANGÁS
Divulgação
| Gérard Dépardieu como Obelix em cena de "Asterix nos Jogos Olímpicos", que custou 78 milhões euros (R$ 206 milhões) e ainda sem data de estréia no Brasil |
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
O mundo inteiro conhece Asterix e o
punhado de gauleses da pequena aldeia que resistiu à
invasão das tropas romanas de
Júlio César. Isso, na história
em quadrinhos. Na história
real, a que se aprende nos livros, os gauleses foram dominados pelos romanos, apesar
da resistência do corajoso chefe Vercingétorix.
As aventuras desses heróis
gauleses de quadrinhos começaram a ser publicadas em 1959
e renderam fama, fortuna e
aventuras reais aos autores, o
desenhista Albert Uderzo e o
roteirista René Goscinny.
Depois de vender 330 milhões de exemplares em cem
línguas, ter inspirado 33 álbuns, três filmes com atores,
oito desenhos animados, jogos,
brinquedos e um parque temático perto de Paris, um dos pais
de Asterix, Albert Uderzo
(1927) resolveu contar essa história de sucesso em sua autobiografia, que acaba de ser lançada em Paris, "Albert Uderzo
Se Raconte..." (Albert Uderzo
Fala de Si Mesmo, ed. Stock,
286 págs., 19,50, R$ 51).
Ele rememora o difícil começo da dupla, às voltas com outros personagens que não decolaram, até o dia em que tiveram a brilhante idéia de criar
uma aldeia de empedernidos
gauleses que resistem ao invasor romano, graças à poção mágica do druida Panoramix.
Nesta entrevista exclusiva à
Folha, Uderzo diz que uma das
maiores tristezas de sua vida foi
a perda de Goscinny, em 1977,
vítima de um ataque cardíaco.
Em 1979, Uderzo resolveu lançar o primeiro álbum solo. Em
pouco tempo, foram vendidos
mais de 2 milhões de exemplares. Depois, escreveu e desenhou sozinho mais oito álbuns.
"Ainda vemos alguns críticos
dizerem que o humor de Goscinny era insubstituível. É verdade, sou o primeiro a reconhecer, mas, pelas tiragens dos meus álbuns realizados sozinho, só posso me parabenizar
por minha decisão, que parecia
totalmente absurda, mas foi incentivada pelos leitores que
continuaram fiéis", diz.
FOLHA - Na sua autobiografia,
uma extraordinária "succes story",
o senhor diz que nasceu com seis dedos em cada mão. Além do mais, é
daltônico. Era uma predestinação?
ALBERT UDERZO - A predestinação que a pergunta supõe poderia dar a entender que os 12 dedos que eu tinha ao nascer só
poderiam ser benéficos para o
que se tornou minha vocação.
Ora, conheço desenhistas
que provaram que o talento não
se conta pelo número de dedos
e que a única predisposição que
se poderia ver aí seria ser exibido num circo como um exemplar excêntrico. Graças a Deus,
meus pais não fizeram isso!
Quanto ao daltonismo que
me distingue dos meus colegas,
foi sempre um problema, pois,
depois de ter colorido de verde
a crina de um cavalo que eu
queria fazer marrom, tive que
me associar a um colorista.
FOLHA - Antes de vir morar em Paris com seus pais, o senhor habitava
em Clichy-sous-Bois, um bairro da
periferia de Paris que pegou fogo
-sobretudo os automóveis- nos
distúrbios de novembro de 2005.
Como acompanhou a escalada de
violência e os choques entre a polícia e os jovens dessa região?
UDERZO - Dificilmente eu poderia expressar meu espanto e
tristeza vendo e lendo o que se
passava nessa "banlieue" que
conheci tão calma.
Ela se tornou "agitada" e hoje
serve de contra-exemplo, enquanto no meu tempo as pessoas não sabiam nem localizá-la geograficamente.
FOLHA - Seus ancestrais eram os
romanos, já que seus pais vieram da
Itália para a França em 1923. Isso é
engraçado, pois o sr. e René Goscinny imaginaram uma aldeia que é
o último bastião da resistência gaulesa aos romanos. Essa resistência
aos romanos era uma metáfora da
resistência à dominação de Disney
nos desenhos animados e nas histórias em quadrinhos para crianças?
UDERZO - Pode parecer estranho que os dois criadores de
um personagem que se pretende ser o protótipo dos franceses
sejam ambos, apesar de nascidos na França, de origem estrangeira. Goscinny tinha pais
russo-poloneses, e os meus
eram italianos.
Nada disso! Meu pai era do
Vêneto, região do norte da Itália ocupada antes dos romanos
por tribos celtas vênetas, logo
gaulesas, e das quais uma veio
ocupar o oeste da Bretanha
criando Darioritum (hoje Vannes). Quanto à resistência gaulesa ser uma metáfora à dominação de Disney, seríamos muito ingratos se tivéssemos
pensado nisso pois entramos
nessa profissão graças a Walt
Disney... Que, aliás, nunca soube disso.
FOLHA - No seu livro, o senhor
compara sua dupla com Goscinny a
Laurel e Hardy (o gordo e o magro), a
dupla genial do cinema mudo. O senhor fala do entendimento perfeito
na criação dos personagens e sua
tristeza quando seu amigo morreu.
Quais eram as principais qualidades
de Goscinny?
UDERZO - Nunca me cansarei
de falar da formidável osmose
que existiu entre nós nos 26
anos da nossa colaboração.
René [Goscinny] possuía um
humor fora de série no início de
nosso trabalho, e eu desenhava
narizes fora de série de tão
grandes, daí uma certa dificuldade em impor nosso estilo.
Sua morte foi uma das grandes
tristezas da minha vida. Seu talento e sua amizade me fazem
muita falta.
FOLHA - Em seu livro, o sr. faz uma
vibrante defesa das histórias em
quadrinhos. Diz que ela era acusada
de todos os pecados do mundo: incitação à violência, principal causa da
delinqüência dos jovens etc. Os pais
a vêm de forma diferente hoje? Na
França, Tintin [de Hergé] e Asterix
teriam sido os responsáveis por essa
mudança?
UDERZO - Eis a grande questão :
o sucesso de Tintin e de Asterix
foi o que trouxe o reconhecimento que se esperava há muito tempo para a história em
quadrinho de maneira geral?
Se foi assim, me dou parabéns e desejo que isso continue,
mesmo se a invasão dos mangas japoneses, ao contrário das
séries norte-americanas, perturbe o clima atual.
FOLHA - Asterix é conhecido no
mundo inteiro, vocês criaram um
personagem que representa a resistência a todos os imperialismos. A
empatia que ele desperta vem do
fato de representar o oprimido contra o opressor, uma espécie de Davi
contra Golias?
UDERZO - Davi contra Golias seria Asterix contra Roma? Pode
ser, mas a comparação é sua.
Quando o criamos, não podíamos imaginar o interesse
que ele despertaria e que suscitaria exegeses para explicar esse sucesso, enquanto seus pobres autores ignorantes só sabiam de uma coisa: as legiões
romanas de Júlio César tinham
invadido toda a Gália. Os humoristas não têm nenhum pudor, isso todo mundo sabe.
FOLHA - Quando Goscinny morreu,
em 1977, a imprensa escreveu que
"o pai de Asterix havia morrido".
Com o entusiasmo dos leitores, o sr.
enfrentou o desafio e escreveu e desenhou o primeiro álbum sozinho,
em 1979. Por que era importante
continuar essa aventura?
UDERZO - Asterix foi, tanto para
René quanto para mim, o sucesso de nossas vidas profissionais. Devemos muito a ele e a
morte de meu amigo anunciava
para mim, além da tristeza, o
fim dessa bela aventura. Então,
por que resolvi mudar de idéia e
me arriscar à zombaria de alguns? Orgulho, sem dúvida.
FOLHA - O primeiro álbum das
aventuras de Asterix, em 1959, teve
uma tiragem de 5.500 exemplares.
Depois do sucesso, o senhor atingiu
tiragens de mais de 1 milhão na
França. Até hoje, já foram vendidos
330 milhões dos 33 álbuns, os primeiros feitos com Goscinny e os nove últimos assinados somente pelo
senhor. Além disso, o senhor criou o
Parque Asterix, em 1989. O senhor
se considera o Walt Disney francês?
UDERZO - Nunca tive a pretensão de ser o Walt Disney francês! Alguns que conheço poderiam pretender, não eu. Sei a
enorme distância que nos separa, nós, pequenos franceses,
desse colosso americano.
Mas há uma coisa da qual fiquei orgulhoso e que é uma diferença em relação ao grande
Walt e que vou lhe contar. Eu
tinha um amigo francês que conhecia o pai de Mickey, que
adorava Paris.
Esse amigo o recebia com sua
mulher e sua filha e, quando
passeavam por Paris, os passantes reconheciam Walt Disney e lhe pediam para desenhar
um Mickey. Ele, modestamente, lhes dizia que não sabia desenhá-lo, e isso era motivo de
surpresa para as pessoas que
quase não acreditavam.
Pois bem, quando acontece
de me reconhecerem na rua -e
confesso que isso é muito raro-, posso desenhar um Asterix! É isso.
FOLHA - José Bové, o líder camponês que usa um bigode do tipo gaulês e luta contra os transgênicos, é
um herdeiro de Asterix na França
atual?
UDERZO - Não tenho opinião
sobre as afinidades que possa
haver entre Asterix e José Bové, mas li na imprensa que alguém lhe fez essa pergunta, e
ele disse que não via nenhuma
relação.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
francês podem ser encomendados
pelo site www.alapage.com
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