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O cara-metade
NOME CENTRAL DA LITERATURA AMERICANA, RUSSELL BANKS FALA DA DISPUTA ELEITORAL NOS EUA E DO PRÉ-CANDIDATO DEMOCRATA BARACK OBAMA, QUE PODE SE TORNAR O PRIMEIRO PRESIDENTE NEGRO DO PAÍS
DA REDAÇÃO
Considerado o grande
escritor da esquerda
em seu país, o norte-americano Russell
Banks (1940) analisa
na entrevista abaixo, concedida
à revista francesa "Nouvel Observateur", o que está em jogo
na campanha presidencial dos
Estados Unidos.
Ele vê em Barack Obama,
que disputa com Hillary Clinton a indicação do Partido Democrata para concorrer à Presidência [leia texto nesta pág.],
um novo Robert Kennedy. Irmão de John, o senador Robert
Kennedy foi assassinado em
junho de 1968 após ter vencido
as eleições primárias dos democratas na Califórnia.
Nascido em Massachusetts e
criado na Nova Inglaterra em
um meio operário, Banks escreveu poemas, ensaios e romances, como "O Divisor de
Nuvens", "Temporada de Caça" e "O Doce Amanhã" (todos
publicados pela ed. Record).
Este último já foi transposto
para o cinema, e seu "American
Darling" está sendo filmado
por Martin Scorsese.
Banks fala também de seu
novo romance, "The Reserve"
(A Reserva, ed. Harper, 304
págs., US$ 24,95, R$ 42,50).
Passado no período da depressão por que passou os EUA
após o crack de 1929, faz referência a grandes nomes da literatura norte-americana, como
Hemingway e John dos Passos.
PERGUNTA - Dezoito meses atrás, o
sr. declarou que a eleição para a Casa Branca seria disputada por John
McCain [republicano] e Barack Obama. Quem irá vencê-la, então?
RUSSELL BANKS - Isso é bem mais
difícil prever. Embora Hillary
Clinton ainda seja uma candidata poderosa, apoiada pela
máquina democrata e por recursos financeiros colossais,
Barack Obama soube reconciliar com a política toda uma geração de jovens americanos, a
qual, até então, inspirava neles
apenas repulsa e cinismo.
Eles estavam convencidos de
que seu voto não poderia mudar nada.
Não vejo um político americano suscitar tamanho entusiasmo entre os jovens desde
Robert Kennedy, em 1968, antes de seu assassinato.
Ninguém, desde Bobby Kennedy, conseguiu motivar de tal
maneira ricos e pobres, brancos, negros e hispânicos, numa
coalizão inédita desde Franklin
Roosevelt.
Portanto, acredito, sim, numa vitória possível de Obama.
Mas não me esqueço de que, há
exatamente 40 anos, Robert
Kennedy foi assassinado, no
mesmo ano que Martin Luther
King, e isso me inquieta.
Obama tem quase um excesso de carisma, de visibilidade,
de capacidade de mobilizar
pessoas.
Acontece que os EUA detêm
o recorde mundial de número
de armas por habitante e manifestam uma propensão pela
violência sem igual no mundo
ocidental. Há tantos loucos em
liberdade que estariam dispostos a sacrificar suas vidas para
atingir a imortalidade!
Apenas em fevereiro, assistimos a nada menos do que seis
massacres em escolas e universidades, massacres sistematicamente concluídos por um
suicídio. Há pessoas que se dispõem a se matar ou a se fazer
matar, apenas para poder matar a outros. Os EUA possuem
sua variedade própria de kamikazes, e isso me apavora.
Embora eu não compartilhe
de todas as idéias de Obama,
como fenômeno ele me fascina.
Em muitas questões eu o considero moderado demais.
Mas é justamente seu centrismo que lhe permite amealhar apoio de vários lados. Mesmo minha mãe, cristã evangélica de 94 anos que sempre votou
no Partido Republicano, está se
perguntando em quem vai votar desta vez. Ela, que nunca teve amigos negros, nunca teve
contato com negros, exceto por
meus amigos, não sente medo
de Obama.
Pela lógica, ela deveria votar
em McCain, porque ele é republicano e lhe parece ser honesto, mas, para minha grande surpresa, ela se sente atraída por
Obama.
PERGUNTA - E a imagem dos EUA
mudaria radicalmente aos olhos do
mundo?
BANKS - Certamente. Os jovens
americanos têm consciência de
que nosso país virou um monstro aos olhos do mundo e deploram o fato.
Querem aproveitar essa
chance de voltar a sentir orgulho de seu país. Eles passaram
suas vidas se sentindo na defensiva: os que têm menos de
30 anos praticamente não conheceram de fato senão a Presidência de George W. Bush.
Mesmo Bill Clinton, para eles,
não passa de uma recordação
vaga. Portanto, vivemos um
momento de exaltação.
Estamos numa encruzilhada:
se Obama for escolhido candidato democrata, isso vai devolver a esperança a uma juventude americana desesperançada e
pessimista; mas, se ele for derrotado por McCain ou assassinado, a desilusão será ainda
pior, na medida das esperanças
suscitadas.
Os EUA mergulharão no desespero e na negatividade. Isso
seria um retorno à situação
atual, sem ideal, que provocaria
apenas distanciamento e resignação, e na qual a oposição seria acompanhada por um sentimento de impotência.
E, se for Hillary Clinton a
vencedora no Partido Democrata, a coalizão popular formada em torno de Obama não tardará a se desfazer.
PERGUNTA - O sr. enxerga diferenças entre os programas de Hillary e
de Obama?
BANKS - É uma questão de
nuanças. Seus programas se assemelham muito. A força de
Obama consiste no fato de se
opor à guerra no Iraque. Mas
seu programa para pôr fim a ela
não parece ser diferente do de
Hillary.
A pressão da opinião pública
para que se acabe com essa
guerra é tão forte que, não importa quem seja o próximo presidente, ele será obrigado a retirar as tropas americanas do
Iraque. Deverá variar apenas o
prazo em que isso será feito. O
próximo presidente terá que
redefinir completamente a política externa americana.
Mesmo McCain tem consciência disso. Apesar de ter declarado que as tropas americanas podem ser chamadas a permanecer no Iraque por um século, ele não demorará a rever
sua posição se for eleito presidente, pois a economia americana não possui meios para
sustentar o esforço de guerra
por tanto tempo. Já se começa
a fazer a ligação entre a guerra e
o declínio econômico do país.
A recessão é tão brutal que
provoca uma tomada de consciência, apesar de nenhum dos
três principais candidatos ter
ousado, até agora, traçar publicamente uma ligação de causa e
efeito entre esses fenômenos.
PERGUNTA - Excetuando a guerra,
quais são os temas mais importantes dessa campanha?
BANKS - O sistema de saúde
constitui a primeira preocupação dos americanos. E os políticos, pelo menos os democratas,
são obrigados a reagir a essas
preocupações.
Depois, na ordem, vêm a situação econômica e o Iraque. A
política de segurança do governo Bush e as violações dos direitos civis decorrentes dela
vêm em posição bastante inferior na lista.
Isso porque a maior parte dos
americanos não sente os efeitos
em sua vida pessoal, enquanto
a crise do sistema de saúde e a
recessão econômica os tocam
diretamente.
Vão perder seus empregos,
suas casas, suas aposentadorias, seu poder de compra. Suas
receitas vêm caindo, enquanto
os preços sobem, quer se trate
dos alimentos ou da gasolina
nos postos de combustíveis. As
pessoas reagem politicamente
ao que sofrem pessoalmente
em seu dia-a-dia. O momento
eleitoral lhes permite pouco a
pouco ir associando a crise às
questões de política externa.
Essa tomada de consciência
começou há apenas dois meses:
a idéia de que é impossível mudar a situação econômica sem
mudar a política externa.
PERGUNTA - O sr. acha que Obama
é mais facilmente elegível porque
sua trajetória o aproxima do imigrante clássico e pelo fato de não ser
descendente de escravos?
BANKS - Ele tem pele clara, tem
"traços europeus", fala com sotaque americano "standard"
impecável, estudou em Harvard, escreve bem -é o único
candidato a ter escrito sua autobiografia-, é brilhante, carismático, cristão, casado com
uma mulher fantástica.
Entretanto, no sentido estrito do termo, é um afro-americano autêntico!
Mas há algo muito importante: quando o vêem, os brancos
não se sentem culpados, porque Obama não encarna a memória da escravidão. Ele próprio tem plena consciência dessa percepção e joga com ela de
modo muito inteligente.
Ao mesmo tempo, porém, ele
não pode ser eleito sem o voto
negro. Precisa conciliar os dois
eleitorados. É divertido rever
suas fotos de juventude, quanto
usava penteado afro!
Na época, tenho certeza de
que ele se definia como afro-americano, pois foi vítima do
mesmo racismo que os descendentes de escravos. É tudo uma
questão de percepção.
Acho que foi em Harvard que
ele compreendeu que a cor de
sua pele não o vinculava obrigatoriamente a essa história, pois
sua história pessoal lembra
muito mais o percurso arquetípico de um filho de imigrante.
PERGUNTA - Em seu novo romance,
cuja história se passa pouco após a
Grande Depressão, o sr. evoca Hemingway, Steinbeck, Dos Passos. É
uma homenagem a seus mestres?
BANKS - Se situei a trama nesse
período foi porque, desde os
anos 1930, o abismo entre ricos
e pobres nunca esteve tão grande nos EUA.
No início dos anos 1960, Hemingway, Steinbeck e Faulkner
ainda estavam vivos, e sua presença era muito concreta.
Na época, eu tinha consciência de escrever à sombra desses
gigantes. Mas, se os evoco neste
livro, é por outras razões: eu estava interessado no dilema desses escritores americanos de
esquerda que se sentiam solidários com os pobres e oprimidos, mas cujo meio social, seus
mecenas, sua celebridade, sua
fortuna e sua própria base de
leitores vinculavam à classe dirigente que queriam derrubar.
Os EUA acreditam no mito
de que um artista pode pertencer a qualquer classe, mas eu,
cada vez mais, creio que um artista não pode pertencer a classe nenhuma. Para tentar dizer a
verdade, ele não pode dever fidelidade a ninguém.
Copyright: "Le Nouvel Observateur".
Tradução de Clara Allain .
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