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Ponto de Fuga
Camafeu antigo e raro
A arte de
Bidu Sayão repousa no domínio técnico e da musicalidade a serviço da emoção; sua voz era delicada e alcançava o espectador mesmo
no mais longínquo poleiro do teatro
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
A marca Cembal d'Amour, bastante confidencial, especializou-se
em "never-before-published
and rare live recordings" (gravações ao vivo, raras e nunca
antes publicadas), como eles
próprios se apresentam. Publicaram recentemente três CDs
reunindo diamantes ignotos:
interpretações inéditas de Bidu
Sayão [1902-99] em programas
de rádio.
Talvez nunca se tenha ouvido tão bem a arte da grande
cantora. As boas condições técnicas em que foram captadas,
associadas ao clima caloroso,
com presença de público, em
programas de auditório, favoreceram a percepção de seu
timbre e sensibilidade incomparáveis.
Algumas árias fazem parte
de seus personagens mais conhecidos: Juliette, Susanna,
Mimi. Outras, porém, são novidades absolutas: "Come Serenamente", de "Lo Schiavo", de
Carlos Gomes, sentida por ela
em modo elegíaco, com maravilhosos pianíssimos, sem a
truculência que certos sopranos imprimiram ao papel; o
"Lundu da Marquesa de Santos" e "Nhapopê", de Villa-Lobos; "I Hate Music" e "I Just
Found Out", de Leonard
Bernstein; "O Rouxinol e a Rosa", de Rimsky-Korsakov.
A voz de Bidu Sayão era delicada. Não se caracterizou pelo
volume extraordinário. Todos
os testemunhos, porém, concordam: alcançava o espectador mesmo no mais longínquo
poleiro do teatro. Basta um
desses trechos do CD para perceber que a voz se impõe e envolve o ouvinte; o canto "toma
o comando", como disse um
crítico, e exige a atenção. O
timbre sempre foi maravilhosamente homogêneo, a pronúncia sempre clara e perfeita;
a inflexão, seja musical, seja
dramática, sempre justa.
Lustro
Bidu Sayão começou a estudar com Elena Theodorini,
uma cantora de primeira grandeza, romena de nascimento.
Depois de brilhante carreira
nas grandes salas internacionais, retirou-se no Rio de Janeiro, onde se tornou professora de canto.
Soube ensinar à
discípula a técnica impecável
que lhe permitiu uma longa
carreira sem declínio na voz.
Depois, Bidu Sayão aperfeiçoou-se na França, em Nice,
com Jean de Reszke, tenor lendário pela elegância do estilo,
pela inteligência do fraseado,
mítico predecessor de Caruso
no Metropolitan. Estava pronta para enfrentar os teatros
mais importantes.
A primeira parte de sua carreira transcorreu sobretudo na
Europa. Os papéis que assumiu, como Lucia ou Lakmé, indicam que a voz devia ser leve,
ágil, brilhante, com agudos fáceis. Depois de sua estreia no
Metropolitan Opera de Nova
York, em 1937, tornou-se ali
uma grande estrela.
A emissão amadureceu, assentando-se num registro médio mais pleno, de uma beleza
que permaneceu intacta. É essa
a Bidu Sayão que conhecemos
hoje, por meio de gravações em
estúdio, ou captadas de apresentações ao vivo.
Excelência
A arte de Bidu Sayão repousa
no domínio técnico e da musicalidade a serviço da emoção.
Como era incapaz de errar, ela
gravava sempre de uma tacada
só, dizendo: "Se você não consegue fazer direito da primeira
vez, ao repetir, só piora".
Benemérito
A marca Cembal d'Amour
pertence ao pianista Mordecai
Shehori. Foi ele quem redigiu o
livreto no CD sobre Bidu Sayão.
Escreve: "Ao ouvir estas interpretações ao vivo, admira-se o
domínio técnico, a perfeita entonação, a dicção clara e a estrutura das frases musicais, cunhadas com sofisticação e bom
gosto. Mas, acima de tudo, o
que comove até as lágrimas é a
força veemente com que Bidu
Sayão nos comunica as emoções essenciais da música".
Mais informações em www.
cembaldamour.com.
jorgecoli@uol.com.br
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