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O que fazer com um texto?
TRÊS PROFESSORES DE OFICINAS LITERÁRIAS CHAMAM
A ATENÇÃO PARA REGRAS BÁSICAS DE LEITURA E ESCRITA
"Use em abundância o ponto final"
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
ESPECIAL PARA A FOLHA
PARA LER
1. Ignorar os best-sellers, por maior que seja
a tentação. Deixe passar cinco anos.
Se o livro ainda respirar bem, pode investir.
2. Ler com desconfiança o que lê. Se o livro
resistir a essa leitura, é porque é bom.
3. Ler com um lápis na mão. E usá-lo.
4. Conhecer pessoalmente o escritor só
depois de ler o livro; caso contrário, a figura
do escritor ficará colada ao texto, como um
fantasma.
5. Ler edições que tenham bom gosto.
Uma edição amadora piora dramaticamente
o livro.
PARA ESCREVER
1. Dedicar mais tempo à leitura do que à
escrita.
2. Usar em abundância o ponto final, especialmente quando a frase resiste a qualquer
conserto.
3. Usar material de primeira qualidade: bom
computador, bom papel de impressão, bons
cadernos (sugiro o Moleskine), boas canetas, bons lápis.
4. Não levar o laptop para a cozinha ou para a
sala de visitas. Se não tiver um gabinete exclusivo, o quarto é uma boa escolha.
5. Escrever apenas sobre o que conhece
perfeitamente, mesmo que seja um romance passado no futuro.
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autor de "Ensaios Íntimos e Imperfeitos" (L&PM), entre outros livros.
"Desconfie das dicas que lhe dão"
MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
PARA LER
1. Quanto mais um livro fizer mal, melhor.
2. Confortável precisa ser a cama, não a
literatura.
3. Evitar lista dos mais vendidos.
4. Livro não é para ser entendido, é para ser
sentido.
5. Desconfiar das dicas que te dão.
PARA ESCREVER
1. Cortar palavras.
2. Não usar gravata na hora de escrever.
3. Ouvir, mesmo que baixinho, a própria voz.
4. Desconfiar daquele texto que sua mãe
gostou.
5. Ler e beber muito. E, no mais: viver.
MARCELINO FREIRE é autor, entre outros livros, de "Contos
Negreiros" (ed. Record) e organizador de "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).
"Leia como se fosse o psicanalista que ouve um paciente"
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
PARA LER
1. Se você estiver diante de um um clássico
provado pelos tempos -Shakespeare, Voltaire, Machado de Assis- e acontecer alguma dificuldade na leitura, pode ter certeza
de que o problema é seu, não do texto. Bons
textos muitas vezes exigem mais de uma
tentativa de leitura.
2. No concreto de uma leitura, pode acontecer que a fruição fique embaçada. Antes de
entrar em pânico, tente localizar o foco do
impasse: se for uma palavra específica que
seja desconhecida, para isso existe o dicionário; se não, volte a atenção para os "que",
para os nexos entre as partes da frase.
3. Um texto literário, obra de arte que é (ou
aspira a ser), tem direito de ser como é, em
sua integridade. Isso alerta para a necessidade de a leitura ser respeitosa: o leitor deve dispor-se a receber as informações e as
formas do texto tal como o autor as concebeu. Mas isso não impede que o leitor comum pule fora ao perceber que seu honesto
empenho de leitura não está sendo recompensado.
4. Um texto literário merece ser lido em pelo
menos duas dimensões, uma linear e a outra
enviesada. A segunda é menos perceptível,
mas muitas vezes é decisiva, e tem sua carnadura num plano alusivo, nas chamadas
entrelinhas, num patamar figurado ou alegórico. A boa leitura não pode contentar-se
com a decifração daquela primeira dimensão, necessitando uma atenção mais difusa,
próxima da atenção que os psicanalistas
praticam ao ouvir o paciente.
5. Em narrativas, um detalhe radicalmente
importante, em especial nos romances e
contos escritos a partir do final do século 19
(no Brasil, o marco é Machado de Assis, mas
você pode pensar em Dostoiévski, em Poe,
em Flaubert), é o jeito de ser do narrador. O
bom leitor sempre mantém em vista que o
narrador pode ser parte interessada no
enredo, pode ser parcial na avaliação dos fatos e das pessoas que menciona, pode saber
mais ou menos do que aparenta.
PARA ESCREVER
1. Tenha sempre em conta que do outro lado
de seu texto há, na melhor hipótese, um leitor; e que essa figura, preciosa e fugidia, pode abandonar o barco a qualquer momento.
O autor tem todo o direito de radicalizar sua
escrita, ser inventivo e ousado, mas também o leitor tem o direito de radicalizar por
sua parte, caindo fora.
2. Uma das escolhas básicas para quem escreve um relato diz respeito à distância que
o texto vai colocar entre a voz narrativa e
o(s) personagem(ns), entre as palavras que
o leitor vai ler e a vida íntima do personagem, dentro do enredo. Mesmo um narrador
de terceira pessoa pode ser muito próximo
dos fatos e das pessoas envolvidas, pode
acompanhar as ações muito de perto, assim
como um narrador de primeira pessoa pode
manter uma distância relativamente serena
a respeito dos fatos.
3. Embora no sentido trivial o leitor é quem
escolhe o texto que vai ler, num sentido
muito profundo é o texto que escolhe seu
leitor: suas escolhas vão delimitando o
universo potencial dos leitores, que serão
mais ou menos sofisticados ou numerosos
conforme as opções do autor. Confrontar ou
agradar o leitor, eis uma questão que é bom
ter em mente, para fazer a escolha que
interessa (nisso os grandes revolucionários
têm muito a ensinar; veja como Miguel de
Cervantes, Honoré de Balzac, Machado de
Assis e outros tratam o leitor).
4. Escrever é, em grande medida, administrar entre conhecido e desconhecido, redundância e informação. Um dos riscos sempre
implicados nesse campo é o de depender do
"background" do leitor, das informações que
ele traz (ou não) consigo. Muitas vezes um
relato sucumbe porque espera que o leitor
aporte conteúdos para compor o sentido de
alusões, entreditos, sugestões que o enredo
contém.
5. Quem inventa uma ficção está mentindo e
espera que o leitor aceite a mentira. Mas sobre essa base há uma outra camada de indispensável verdade: o escritor nunca deve trapacear, nunca fazer pose ou jogar para a torcida. Se começar a contar uma história, tem
que assumir o compromisso de contar tudo
que importa para que ela aconteça.
LUÍS AUGUSTO FISCHER é crítico literário, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros.
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