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ELEIÇÕES
Clinton na China e a sucessão brasileira
WALDER DE GÓES
especial para a Folha
Desde Richard Nixon, as visitas
dos presidentes norte-americanos
à China constituem matéria de reflexão sobre os destinos do Ocidente. Não há como negar que a
visita de Nixon representou um
ponto de inflexão da Guerra Fria,
cujo fim há pouco celebramos.
Sob esta perspectiva, a visita de
Clinton não teve o mesmo caráter
dramático, mas sua significação
certamente não será muito menor.
É na fixação da agenda comercial
que a visita de Bill Clinton à China
adquire um significado mais direto para a política brasileira em
tempos de globalização. A visita
prestou reconhecimento ao êxito
econômico da China, mas Clinton
deixou claro que, caso a China
queira manter sua posição na economia mundial, deve se submeter
às regras da Organização Mundial
do Comércio e abrir seus mercados à competição estrangeira. O
tamanho da economia chinesa e
seu impacto global não permitem
mais uma postura de outsider. Ou,
pelo menos, os Estados Unidos
não estão mais dispostos a tolerá-la. O preço inicial do fim dos
subsídios ao setor estatal e das reformas econômicas é conhecido:
desemprego. Naturalmente, cabe
ainda à China decidir se aceita os
termos desta negociação e meditar
sobre seus custos internos, mas o
pronunciamento de Clinton nunca foi tão claro sobre o compromisso de Washington em enfrentar os desafios da globalização
econômica. Também nunca foi
tão enfática a resposta de Jiang Zemin quanto aos compromissos
chineses com o princípio da autodeterminação dos povos, como a
dizer que o Estado-Nação não
morreu.
Vista de Pequim, a eleição no
Brasil examina os mesmos temas.
Vitimada pela globalizada crise
asiática, a economia brasileira vai
sobrevivendo aos juros altos e ao
baixo crescimento. Submetido ao
transe da reeleição, o presidente
Cardoso terá de responder ao problema do desemprego, sem o que
não conseguirá força política para
prosseguir com as reformas. No
campo da oposição, a questão é
saber se o combate aos efeitos da
globalização pode ser transformado em alternativa econômica concreta. Viverá os meses de campanha prometendo evitar os males e
garantir as vantagens do mundo
globalizado no qual o Brasil já entrou.
A abertura comercial e econômica iniciada pelo presidente Collor,
em 1990, se tornou, com o lançamento do Plano Real, em 1994, peça fundamental do programa de
estabilização e símbolo da modernização do país. O roteiro traçado
ficou, porém, incompleto em vários trechos. As reformas internas
não caminharam com a rapidez
necessária e a situação externa experimentou rápida piora. A disponibilidade dos capitais externos foi
duramente atingida pela crise econômica na Ásia. No momento
mais grave da crise, em novembro
de 1997, não restou ao governo senão o duro remédio da alta dos juros internos. A redução do ritmo
do crescimento econômico, no
início de 1998, se transformou em
taxas recordes de desemprego.
O desgaste gerado pelas medidas
econômicas foi respondido pelo
governo em várias dimensões. Primeiro, tratar-se com remédio
amargo, mas temporário, para
uma hora de crise internacional.
Depois, com o prolongamento das
dificuldades, procurou-se mostrar
que as taxas brasileiras de desemprego eram até inferiores a de outros países, também atingidos pelas dores do parto da nova ordem
internacional. Tudo mudou, contudo, após a queda da candidatura
de Cardoso nas pesquisas de intenção de voto, verificada em
meados de maio.
Em pouco tempo, a geração de
empregos passou ao centro das
iniciativas do governo. Os recursos para a agricultura familiar foram aumentados, lançou-se um
programa habitacional voltado
para populações de baixa renda e
anunciou-se a criação de um fundo de aval para facilitar a vida das
pequenas e médias empresas,
grandes geradoras de empregos
no país. O governo insiste em que
as medidas têm estado na linha de
continuidade da administração,
mas seu impacto quase imediato
sobre as pesquisas de opinião, que
mostraram a recuperação de Cardoso, revelam claramente o objetivo pretendido.
Mesmo ganhando as eleições de
outubro, o risco político representado pelas altas taxas de desemprego e pela crise social foi registrado pelas forças que apóiam o
presidente. A necessidade de uma
política de emprego poderá ser defendida pelos próprios aliados do
governo como contrapartida a
uma segunda geração de reformas
que, acredita-se, serão ainda mais
impopulares. A ameaça representada por novos desequilíbrios externos também não deixará de ser
incorporada ao horizonte dos riscos políticos do governo. A manutenção de uma postura apenas liberal em matéria comercial ou a
demora de uma política industrial
mínima perde progressivamente
seu sentido.
O governo já elabora um projeto
mínimo de política industrial associada à promoção de exportações. Segundo as linhas inicialmente divulgadas, setores considerados estratégicos para a exportação e, também, para a geração
de empregos, receberiam tratamento tributário especial, incentivos creditícios consideráveis e
eventualmente até proteção tarifária. Colocadas em discussão no
Congresso ou, simplesmente, na
agenda pública, seria difícil conter
o assunto em margens absolutamente técnicas. Com respeito,
portanto, aos caminhos da abertura da economia brasileira, a continuidade das privatizações não seria, certamente, colocada em risco
em um segundo governo Cardoso.
Existem, no entanto, indícios de
que imperativos de uma provável
política industrial e comercial poderão agregar algo novo à agenda
de discussões com os parceiros do
Mercosul e, sobretudo, com os
parceiros da Alca.
Os sinais de uma campanha globalizada também foram captados
de imediato pela chapa de oposição. Com a subida nas pesquisas,
registrada em fins de maio último,
a candidatura de Luís Inácio Lula
da Silva deixou de ser apenas uma
hipótese e as idéias econômicas de
seus assessores se tornaram imediatamente objeto de maior debate público. A moderação inicial
das declarações de assessores econômicos sobre câmbio estavam
ainda sendo digeridas pela imprensa quando dois movimentos
adicionais se produziram.
Primeiro, Lula e Brizola, tratando da privatização da Telebrás,
voltaram a assumir um tom ideológico e radical em declarações sobre o tratamento do capital estrangeiro e o respeito aos direitos de
propriedade. Segundo, o presidente argentino, Carlos Menem,
reagindo a noticiário local, declarou que a vitória de Lula poderia
representar o fim do Mercosul. A
repercussão negativa das declarações sobre privatizações foi respondida com um recuo, sob o pretexto de que era necessário ainda
promover reuniões para acertar as
posições comuns dos partidos
aliados na frente de esquerda.
Quanto às declarações do presidente argentino, a reação da frente
de esquerda foi, naturalmente,
protestar contra interferências externas na campanha presidencial
brasileira.
Essas primeiras reações, contudo, não mudam a percepção de
que a plataforma da esquerda
apresenta graus de liberdade cada
vez menores no tratamento a ser
dado aos dilemas da globalização.
Não é razoável supor que possam
promover qualquer alteração mais
profunda nas relações com os demais parceiros, mesmo porque isso implicaria em quebra de acordos internacionais firmados pelo
Brasil. Isso seria inevitável, sobretudo caso as mudanças já sugeridas pelo comando econômico da
campanha de Lula venham a implicar, materializada sua eleição, a
reativação de vários mecanismos
de política econômica experimentados ao longo dos governos militares, como os incentivos fiscais
setoriais, a proteção tarifária e o
crédito seletivo. Mas são apenas
idéias gerais.
O consenso de Pequim, sem dúvida, reforça o sentido do compromisso norte-americano com a
globalização. A China será chamada a decidir sobre seus rumos e esse horizonte de opções reduzidas
será sentido no Brasil e merece
discussão de campanha e reflexão
acadêmica. A esquerda brasileira
no poder, afastado o cenário de
caos descrito por seus adversários,
sofrerá o enorme peso das circunstâncias e verá que o caminho
percorrido pelo Brasil até agora é,
em larga medida, irreversível. Para o conjunto de forças que sustenta o presidente Cardoso, o preço será recuar em algumas linhas e
enfrentar corajosamente, para
permanecer no poder, o perfil liberal seguido até aqui, ao mesmo
tempo em que deverá forçar passagem para políticas sociais mais
rápidas e abrangentes. O consenso
de Pequim tornará as eleições brasileiras muito mais convergentes
do que desejariam os seus atuais
contendores. São efeitos da globalização.
Walder de Góes é professor titular de ciência
política da Universidade de Brasília e diretor-presidente do Ibep (Instituto Brasileiro de
Estudos Políticos). O artigo acima é a versão resumida de um artigo maior sobre o tema.
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