São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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Cultura

Mercados do prazer

Tachados de "capitalismo do estupro" quando surgiram nos anos 1970, os sex shops são objeto de amplo estudo sociológico na França

Os sex shops, ao difundir filmes que não tinham licença de exibição, se tornaram locais de masturbação mas também lugares de dimensão comunitária

VINCENT COCQUEBERT

Em "Sex-shops - Une Histoire Française" [Sex Shops - Uma História Francesa, ed. Dilecta, 18, R$ 49], o sociólogo Baptiste Coulmont segue a história dessas mercearias pornôs com uma seriedade sociológica que o faz evitar a licenciosidade.
Ficamos sabendo que esses estabelecimentos com fachadas em luzes piscantes não sofreram realmente uma revolução desde os anos 1970, mas a legislação [francesa] que as enquadra tem sido cada vez mais restritiva. A questão é: o falo de látex ainda teria alguma coisa de subversivo?

 

PERGUNTA - O que lhe interessou desde o início nos sex shops?
BAPTISTE COULMONT -
O fato de que, assim que se pronuncia a expressão "sex shop", as pessoas têm uma representação mental muito precisa, pensam imediatamente nas vitrinas pintadas, nos néons. Mas poucas pessoas se lembram de como esse pequeno comércio se estruturou na paisagem francesa, qual foi sua história e como evoluiu ao longo dos anos.
No entanto o desenvolvimento dos sex shops fala da história da legislação sobre o sexo e a pornografia e, portanto, de forma mais geral, de nossa relação com os valores morais.

PERGUNTA - Quando os sex shops apareceram na paisagem urbana?
COULMONT -
Bem antes de seu aparecimento, existiam as "livrarias libertinas" -desde os anos 1930-, mas a palavra "sex shop" só foi utilizada a partir do outono de 1970. Era preciso se diferenciar das livrarias, e o termo "libertino" era de certa maneira muito conservador, mas também não se devia utilizar a expressão "pornoshop", que ainda podia ser chocante no quadro moral da época.

PERGUNTA - Quando eles se desenvolveram de modo exponencial?
COULMONT -
Observamos uma explosão no número de sex shops a partir de 1968.
Em 1971, contavam-se mais ou menos 35, mas a oferta ainda não era realmente diferente da que se podia encontrar nas livrarias libertinas.
No início, no imaginário coletivo, esses lugares foram as antenas comerciais da liberalização sexual, e algumas pessoas, como Joseph Folliet, cronista do [jornal católico] "La Croix", falaram em "capitalismo do estupro".
Mas esses sex shops ainda não se pareciam com os que conhecemos hoje: na época o público era bastante jovem e misto, e só se vendia pornografia. E os vendedores eram sobretudo mulheres.

PERGUNTA - Como eles se tornaram os lugares que vemos hoje?
COULMONT -
O que é importante compreender é que sua história foi modelada em razão dos textos legislativos que vieram enquadrar sua existência.
Esses estabelecimentos jamais tiveram verdadeira autonomia de decisão.
Também havia pessoas que tinham origem livreira e que acabaram dirigindo um sex shop sem se dar conta de que passavam de uma etapa a outra.
Podemos notar, contudo, uma primeira diferenciação em 1971, com o aparecimento das cabines de visualização, depois em 1973, com a obrigação, por decreto municipal, de tornar opacas as vitrinas dos sex shops. Esses vidros pintados tornaram-se um sinal da estigmatização. Os estabelecimentos são obrigados a se fazer notar de outra maneira, com néons, placas luminosas etc.
O que é característico do desenvolvimento dos sex shops na França são os regulamentos muito específicos de que são objeto. As livrarias libertinas, por exemplo, não eram proibidas para menores. Ali se vendiam produtos proibidos para essa categoria, mas sua entrada era autorizada.

PERGUNTA - A partir de que momento os sex shops modificam sua oferta e se tornam lojas exclusivamente dedicadas à pornografia?
COULMONT -
A partir de 1971, com o surgimento das cabines, os sex shops vêem sua clientela mas também seus funcionários se masculinizarem. O lugar muda, o pessoal muda, pois é preciso administrar a masturbação e os contatos sexuais entre os clientes.
Em 1975, depois da lei de taxação sobre obras pornográficas, os sex shops captam a clientela dos cinemas pornográficos. Em 1974 eram aproximadamente 3.000 e, em 1976, só restavam 300.
No início, os filmes eram difundidos em super-8.; depois chegou o videocassete e se massificou esse movimento. Os sex shops, ao difundir filmes que não tinham licença de exibição, se tornaram assim rapidamente locais de masturbação mas também lugares de dimensão comunitária, pela difusão de pequenos anúncios visando encontros sexuais.
É também nesse momento que esse locais passam às mãos da máfia e do banditismo, de pessoas que não se interessam obrigatoriamente pela reputação de seus estabelecimentos.

PERGUNTA - É a partir desse momento que se tornam lugares incômodos para o cidadão comum?
COULMONT -
O que incomodava em Paris é que os sex shops tinham fachadas voltadas para a rua em locais muito turísticos, como Saint-Denis, La Madeleine etc. Nos anos 1970 havia um até na avenida Champs-Élysées. Hoje vários sex shops fecharam em Saint-Denis, mas, em escala maior, observamos uma redistribuição dos deslocamentos.
Diversas lojas estão sendo abertas nas periferias ou no interior. Quando se busca descentralizá-los, é evidentemente para responder a uma demanda moral e urbanística de parte de certas populações.

PERGUNTA - Observa-se uma evolução do público dos sex shops?
COULMONT -
Nunca houve realmente pesquisas científicas sobre isso. Da centena de sex shops que existem em Paris nos interessamos principalmente pelos que se situam na faixa média.
Mas não pudemos construir uma amostragem sobre uma base científica, pois nem todos os vendedores aceitaram falar.
Ou se exprimem mal em francês -são imigrantes, que às vezes podem ser clandestinos- ou desconfiam, pois não sabem o que será feito de suas declarações. Temem, por exemplo, reações por parte da prefeitura ou da polícia.

PERGUNTA - O sr. comenta em sua obra que a cenografia dos sex shops responde a uma espécie de padrão de organização que não é assumido, mas que varia muito pouco de uma loja para outra.
COULMONT -
Sim. O que é muitas vezes divertido na sociologia é que percebemos que as coisas se organizam sem que haja grandes organizadores.
Quanto mais mergulhamos nos sex shops, mais os produtos que nos oferecem são extremos. Por exemplo, os vibradores não estarão necessariamente visíveis na entrada.
Mas deve-se saber que a polícia também tem seu papel nessa organização. Às vezes ela faz visitas de cortesia, se considerarem a vitrine ou a entrada impudica demais, comentando com o vendedor: "Veja, isso ficaria melhor em outro lugar".
Mas também é uma classificação que parte do senso comum. Em casa, se tivermos esse tipo de objeto, vamos guardá-lo no armário, e não colocá-lo em evidência sobre a mesa da sala. É uma reprodução acentuada da moral coletiva. Além disso, também há classificações propriamente profissionais, sobretudo a dos vídeos e DVDs.

PERGUNTA - Muitas vezes temos a impressão de que os sex shops ficaram ligados ao imaginário dos anos 80, como se nada houvesse mudado em suas vitrinas.
COULMONT -
O principal motivo é que essas lojas são geralmente de tamanho modesto, mas sobretudo estão num mercado onde há muito pouca concorrência. Evoluíram por muito tempo numa espécie de inércia comercial e não tiveram necessidade de se modernizar.

PERGUNTA - Os sex shops viram sua freqüência baixar drasticamente com o surgimento da internet e da facilidade de acesso a conteúdos pornográficos que ela permite?
COULMONT -
Não creio. A internet é um concorrente sem sê-lo de fato. As pessoas que freqüentam as cabines geralmente não podem consumir pornografia em casa por diversos motivos: filhos, companheira que não aceita essa prática... Ver pornografia em casa exige uma gestão do espaço privado que pode ser bastante complexa.
E os vídeos que se encontram nos sex shops não são os mesmos que se podem alugar nos videoclubes. As cabines também são lugares onde os homens podem ter contatos sexuais entre si, como masturbações mútuas ou felações, sem necessariamente vivê-las como relações homossexuais.

PERGUNTA - Observamos há alguns anos uma democratização dos "sex toys"; é algo que prejudicou as sex shops?
COULMONT -
Aí também não há uma verdadeira canibalização do mercado. Os falos que se podem comprar nas lojas de lingerie são brinquedos fabricados por algumas companhias que formam um mercado quase oligopolista. Seu preço de venda é em geral elevado e sua margem bastante pequena. Os sex shops se abastecem em atacadistas que produzem esses objetos em quantidades industriais.

PERGUNTA - Como explicar o fato de que o modelo dos sex shops americanos, que propõem produtos pornográficos menos voltados para homens heterossexuais, não consiga se implantar na França?
COULMONT -
Nos EUA, ao contrário da França, o feminismo se institucionalizou em parte por meio de um acompanhamento ideológico do capitalismo liberal, da pornografia e do orgasmo em particular. O feminismo francês se construiu pela política, com uma certa rejeição a tudo o que estivesse ligado à pornografia.


A íntegra desta entrevista saiu na "Technikart". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves



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