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+ (t)réplica
Com textos de Maria Lúcia Pallares-Burke e Peter Burke, de um lado, e Enrique Larreta e Guillermo
Fontes e dívidas
MARIA LÚCIA PALLARES-BURKE
PETER BURKE
ESPECIAL PARA A FOLHA
É pesaroso verificar que
Larreta e Giucci, em
sua réplica no Mais!
de 9/12, escolheram
se evadir a nossas críticas, oferecendo autocongratulações e acusações em vez de
sólidas respostas às questões
de princípio que levantamos. O
que está em debate aqui não é a
interpretação de Freyre, mas a
ética da "scholarship".
Os dois pontos que consideramos nosso dever apontar na
resenha são o tratamento que
deram a suas fontes e dívidas
intelectuais. No primeiro caso,
pareceu-nos questionável o
uso acrítico que os autores fizeram dos escritos autobiográficos de Freyre. É verdade que
dedicaram algumas palavras às
"distorções da memória", mas,
como se isso fosse suficiente
para eximi-los de maiores cuidados, incorporaram textos de
Freyre em seu próprio texto,
parafraseando ou citando suas
palavras, muitas vezes não deixando isso claro e não usando
aspas, como requer a boa prática acadêmica.
Como um exemplo dentre
muitos, os autores se referem a
um frustrado encontro de
Freyre com Joyce, afirmando
que um amigo de A. Lowell se
encontrou com ele em Paris e
"levou-lhe cartas de apresentação para Ezra Pound e James
Joyce" (pág. 162). Não revelam
que extraíram essa informação
da autobiografia "Tempo Morto" (pág. 83), em que Freyre,
ciente das "ficções da memória", diz com cautela que seu
amigo "S. trouxe de Miss L. cartas de apresentação para vários
amigos dela de Paris e de Londres. Creio que cartas para
Ezra Pound e até para Joyce".
Quanto aos muitos estudos
anteriores sobre Freyre, nós
não esperávamos uma discussão dessas várias interpretações numa simples biografia.
O que certamente esperávamos -e o que altos padrões de
trabalho intelectual exigem- é
que, quando os autores usem
material descoberto por outros
ou adotem ou desenvolvam
suas interpretações (como os
autores freqüentemente fazem), reconheçam o fato no
texto ou em notas (o que freqüentemente deixam de fazer).
Dentre as muitas inovações
que reivindicam, citam suas interpretações sobre a questão
da modernidade, da sexualidade, a relação de Freyre com
Hearn e Boas -temas esses
tratados antes e inovadoramente por outros estudiosos.
Provavelmente, a fim de enfatizar uma originalidade ilusória, os autores não mencionam esses estudiosos, perdendo assim a oportunidade de explicitar a novidade que reivindicam sem argumentar. Discorrer sobre modernidade e sexualidade em Freyre sem se referir, por exemplo, ao seminal
artigo de Needell ou sobre a
centralidade da noção de
"equilíbrio de antagonismos"
sem fazer referência à clássica
interpretação de Benzaquem
não é modo de contribuir para
o avanço do conhecimento.
Predecessores
Quanto às acusações que os
autores nos fazem -de que recorremos a "argumentos sectários"-, mesmo se fosse nosso
estilo, não haveria motivo para
sermos sectários a propósito de
um livro que não tem uma tese
com a qual se pode concordar
ou discordar.
Quanto à acusação do "arbitrário método" utilizado por
um dos autores da resenha em
"Gilberto Freyre - Um Vitoriano dos Trópicos" [ed. Unesp],
só podemos dizer que é difícil
acreditar que um leitor inteligente possa interpretar esse
trabalho como argumentando
que "os predecessores são mais
importantes que o autor", pois
o que aí se insiste é que, para
compreender Freyre, a atenção
ao diálogo que ele travou com
seus predecessores é crucial.
Enfim, só nos resta lamentar
que os autores, recorrendo a
tais subterfúgios, se furtem a
confrontar as sérias questões
de princípio que seu trabalho
suscita. Com tal atitude, nenhum debate intelectual sadio
é possível.
MARIA LÚCIA PALLARES-BURKE é professora
aposentada da USP e pesquisadora associada do
Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge.
PETER BURKE é professor de história cultural
em Cambridge. Escreve na seção "Autores".
NA INTERNET - Leia texto dos autores, publicado no Mais! de 2/12, em
www.folha.com.br/073473
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