São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Pesquisador traça perfil do êxodo

PARANAENSES LIDERAM DEBANDADA DE BRASILEIROS PARA A ESPANHA, QUE TÊM BOM NÍVEL ESCOLAR; 11 DE SETEMBRO ALTEROU ROTA DE EMIGRAÇÃO

DO ENVIADO A DUEÑAS

O imigrante brasileiro na Espanha tem em média menos de 40 anos, segundo grau completo e ganha 1.000 por mês; os homens trabalham no setor de construção, e as mulheres, em serviços domésticos.
O perfil é resultado de um ano de pesquisa de campo realizada pelo geógrafo Duval Fernandes, da PUC-MG, em Belo Horizonte, que deve ser publicada em maio.
Durante quatro meses, Fernandes madrugou na fila do consulado brasileiro em Madri, percorreu bares, cabeleireiros, lojas e igrejas em busca de depoimentos que o ajudassem a montar o perfil do imigrante brasileiro na Espanha. Entrevistou 404 pessoas, entre legais e ilegais, e chegou a resultados que desmentiram algumas noções preconcebidas.
A formação foi uma delas. "Ao contrário do que se pensa, o nível de escolaridade dos imigrantes brasileiros na Espanha é bom, a maioria tem segundo grau e muitos tem formação universitária", diz Fernandes.
O geógrafo mineiro também percebeu que seu Estado, conhecido como exportador de mão-de-obra para os EUA, não é o que lidera a imigração brasileira na Espanha.

Máfia
"A maioria é do Paraná, mais especificamente da cidade de Maringá, de onde são cerca de 25% dos entrevistados", diz o pesquisador. "Depois vem São Paulo, e só em terceiro lugar está Minas. A surpresa foi constatar um grande número de pessoas de Rondônia, que não tem tradição de emigração."
A pesquisa comprovou a mudança da rota migratória a partir dos atentados do 11 de Setembro, quando aumentaram os problemas para entrar nos Estados Unidos. O acesso ficou ainda mais difícil quando o México passou a exigir visto de entrada dos brasileiros.
"A indústria que existia para levar brasileiros para os EUA, que é uma máfia, voltou-se para a Europa", diz Fernandes.
"Entrevistei um rapaz que decidiu ir para a Inglaterra depois de ser expulso duas vezes ao tentar entrar nos EUA pelo México. Os ingleses o devolveram a Madri, que havia sido sua última escala, e ele resolveu ficar na Espanha."
A ambição do insistente imigrante é comum. "O grande sonho é Londres, onde todos acreditam ser possível trabalhar e ganhar mais", conta o geógrafo. Segundo ele, ao lado de Espanha, Portugal e Reino Unido são os países europeus com o maior número de brasileiros, cerca de 100 mil cada.
Depois de recorrer a uma máfia para chegar à Espanha, o imigrante precisa de outra para ficar. A indústria da falsificação de identidades funciona a todo vapor, com os preços variando de acordo com o nível de sofisticação. "Uma carteira falsa geralmente custa entre 170 e 200", diz Fernandes.
O volume de dinheiro enviado pelos imigrantes ao Brasil é significativo. Em média, as remessas de cada trabalhador ficam entre 300 e 400 por mês. Há situações excepcionais em que essa quantia pode se multiplicar até por dez. É o caso das prostitutas brasileiras. Segundo o governo espanhol, há no país cerca de 5.000 brasileiras exercendo a mais antiga das profissões.

Prostituição rende mais
"Uma hora com uma prostituta custa em média 120. Metade fica com elas. Ouvi histórias de meninas que enviavam até 1.000 por dia para o Brasil", conta Fernandes. Recentemente, porém, as autoridades espanholas limitaram em 3.000 o limite mensal de remessas permitido.
Tamanha prosperidade na Espanha cria problemas no Brasil.
"Algumas famílias se tornam dependentes desse dinheiro, pais e irmãos param de trabalhar e se cria um círculo vicioso. O resultado é que muitas meninas não podem largar a prostituição simplesmente porque sustentam a família inteira", diz.
A maioria dos entrevistados reclamou de discriminação, mas o geógrafo percebeu que o problema diminui à medida que o imigrante vai se integrando à sociedade espanhola. Um ilegal sofre mais discriminação e ganha menos, o que aumenta a tentação de comprar um documento falsificado.
"Uma carteira de identidade, mesmo falsa, muitas vezes evita a exploração. Muitos empregadores aproveitam a ilegalidade dos trabalhadores para pagar menos e até para não pagar. Quem reclama é ameaçado de denúncia às autoridades."
Mesmo ganhando em euros e com boas perspectivas de conquistar o status de residente legal, pois a Espanha permite a regularização de quem está há três anos trabalhando no país, a maioria dos brasileiros não abandona o sonho de voltar.
"Isso é uma coisa comum entre quase todos. Eles dizem que estão na Espanha para trabalhar, mas que o lugar para viver é o Brasil", diz Fernandes.
"Muitos afirmam não querer voltar, mas se traem quando revelam para onde vai o dinheiro que conseguem economizar: para a compra ou construção de uma casa no Brasil." (MARCELO NINIO)


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