São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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+Cinema

Mike Tyson na lona


Em documentário, um dos maiores pugilistas da história fala de suas frustrações e de sua fragilidade


SCOTT RAAB
Uma parte essencial em cada homem coloca em dúvida a essência de sua masculinidade.
Em centímetros, quilos e salários, nós nos avaliamos -avaliamos o poder que exercemos sobre outros homens e mulheres e o poder que eles exercem sobre nós. Somos fortes o bastante? Suficientemente ricos?
Suficientemente homens?
A questão é a resposta: não. Se ainda precisamos fazer a pergunta, é porque a resposta é não. Um exemplo é Mike Tyson, tema do novo documentário de James Toback.
"Tyson" é o autorretrato espantoso de um homem que parece estar espantado por ainda estar vivo.
Toback literalmente colocou Tyson sentado num sofá em uma casa alugada em Hollywood Hills e, com duas câmeras gravando, o deixou falar, sussurrando deixas para incentivá-lo quando Tyson silenciava. Durante quase todo o filme, Tyson está sozinho na tela, em "close-up".

Tela dividida
Quando não, ele é visível na tela dividida, enquanto se desenrolam clipes de sua vida. Com a exceção dessas outras imagens, ninguém mais é visto ou ouvido -nenhum amigo, nenhum parente, ninguém.
Toback, cuja relação com Tyson data de anos, descreve o processo de criação do documentário como psicanalítico.
O resultado -Tyson debulhado em lágrimas, sufocando de raiva e de autopiedade; Tyson vilipendiando a mulher que foi condenado por estuprar, chamando-a de "porca maldita"; sobretudo, Tyson confuso, atolado numa infância e adolescência dominadas pelo medo, a vergonha e a humilhação- é estarrecedor.
Ver Mike Tyson no ringue novamente, quando jovem, é lindo; seu misto de força e ferocidade só era igualado pelo de Jack Dempsey.
Diferentemente de Dempsey, porém, Tyson era um peso pesado massudo, de pescoço enorme; suas costas e ombros eram uma massa única de músculos, atirando blocos de concreto com as duas mãos. Ele caminhava até seus adversários com suas luvas erguidas ao alto, no estilo "esconde-esconde" que Cus d'Amato lhe ensinou.
Só que ele não caminhava: Tyson corria até o centro do ringue, disposto a derrubar o adversário e, depois de ganhar a fama de demolidor já no início de sua carreira, outros pugilistas, nem todos sacos de pancadas, tendiam a fugir. Intimidava-os com o olhar antes mesmo de as lutas começarem, os perseguia quando recuavam e os derrubava.
Vê-lo agora sentado num sofá, de alma exausta, farto de si mesmo, com seus olhos para sempre marcados por carne inchada e cheia de cicatrizes, é -como o próprio boxe- uma coisa de beleza nua e cruel.
Tyson fala inúmeras vezes do medo. "Eu tinha tanto medo", diz ele. "Eu estava totalmente intimidado." "Simplesmente tinha medo."
Não está falando apenas de sua infância, mas dos anos que passou na prisão, do que sentia por dentro e do que está sentindo agora. "Eu só quero ser um ser humano decente", diz ele, perto do final do filme, naquela voz aguda, balbuciante.
Nesse ponto já ficou claro para quem assiste que aquilo que Mike Tyson perdeu -US$ 300 milhões ou US$ 400 milhões, duas mulheres, seis filhos, o título mundial dos pesos pesados- significa menos para ele do que aquilo que ele só possuía a aparência: a verdadeira masculinidade.
Para James Toback, "Tyson" se encaixa perfeitamente em um dos conjuntos de trabalho mais inteligentes e honestos da cultura popular americana.

Transcendência
Antes dele, houve Jim Brown, grande nome da Liga Nacional de Futebol Americano; Toback escreveu um livro sobre sua amizade com Brown e como ele o convocou para atuar em "Fingers", seu primeiro longa-metragem.
Eternamente tentando provar seu valor, imerso numa teia confusa de virilidade, sexo e raça -Toback é um rapaz judeu simpático de 64 anos, formado em Harvard-, ele vê sua atração por afro-americanos como Brown e Tyson como "minha própria maneira de enfrentar meus medos".
"Se você se coloca num relacionamento estreito com essas figuras e sai dele com respeito e amizade mútuos, isso lhe confere transcendência."
Toback gosta de trabalhar sem roteiro e vê o ato de fazer cinema como "uma forma de revelação da personalidade".
Quando isso funciona (vale assistir ao monólogo de Downey diante de um espelho em "Uma Paixão para Duas", de Toback), é perturbador. E mágico.


A íntegra deste texto saiu na "Esquire".
Tradução de Clara Allain.


Veja trailer na internet

DA REDAÇÃO

O trailer de "Tyson" está disponível no site da Sony Pictures, http://tinyurl.com/c52owv


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