São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997.



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TECNOLOGIA
O mundo ao alcance da mão

Leia entrevista exclusiva com Robert Adler, 86, o inventor do controle remoto


CLÁUDIA TREVISAN
em Nova York

Robert Adler, 86, tem meio século de história ligada à televisão. Em 1955, ele teve a idéia genial de usar som de alta frequência para transmitir comandos de um aparelho sem fio para a TV.
O resultado foi o primeiro controle remoto realmente prático da história. Chamado de "Space Command", o aparelho não usava baterias e serviu de modelo para todos os controles remotos vendidos no mundo até o início dos anos 80.
Finalmente, ele acabou sendo substituído por aparelhos movidos a raios infravermelhos, consideravelmente mais simples e baratos. Só então o controle remoto se tornou realmente popular.
Austríaco, Adler começou a trabalhar em 1941 na empresa norte-americana Zenith Electronics, onde está até hoje, na função de consultor.
O inventor do controle remoto raramente assiste TV. Adler tem um aparelho de aproximadamente 20 anos, com um controle remoto que ainda usa a tecnologia desenvolvida por ele.
Folha - Como foi a invenção do controle remoto?
Robert Adler -
A Zenith já tinha desenvolvido dois tipos de controle remoto. O primeiro era conectado à TV por meio de um cabo, mas o público não gostou do produto. As pessoas reclamavam que tropeçavam no cabo e que ele não era bonito em uma sala de estar.
A Zenith fabricou então um outro aparelho, chamado de Flashmatic. Era um flash de luz que saía de uma espécie de "revólver" e acionava fotocélulas que ficavam nos quatro cantos da tela de TV.
Cada fotocélula era relacionada a uma função: uma levava para os canais superiores, outra para os inferiores, uma aumentava o volume e a outra diminuía.
Mas muitas pessoas reclamavam que tinham de lembrar qual canto mudava o canal, qual aumentava o volume e qual diminuía.
Além disso, as fotocélulas não usavam códigos. Por isso, se a TV era exposta a muita claridade, as fotocélulas eram ativadas sozinhas. Você pode imaginar que isso não era muito bom...
Folha - Como foi que o sr. se envolveu nesse processo?
Adler -
Um dia, nosso engenheiro-chefe chamou todos os integrantes da área de engenharia em seu escritório. Eu lembro muito bem desse dia, ainda que isso tenha ocorrido há 42 anos. Éramos cerca de 15 a 20 pessoas na sala. E ele disse: "Eu tenho ordens diretas do comandante para que façamos alguma coisa em relação ao controle remoto que não use cabos e não provoque a confusão do Flashmatic".
O comandante Eugene F. McDonald Jr. era o grande chefe da Zenith e, quando ele dizia alguma coisa, todo mundo pulava. Ele era uma pessoa realmente autoritária.
Nós tivemos uma longa discussão e, em determinado momento, apresentei a sugestão: por que nós não usamos o ultra-som, que é uma frequência de som tão alta que o ouvido humano não capta? Houve algumas objeções técnicas e o encontro terminou sem qualquer decisão.
Mas eu e pessoas jovens que trabalhavam comigo decidimos fazer alguns experimentos. E, como você sabe, o experimento deu certo.
Folha - Quanto tempo foi necessário para desenvolvimento do aparelho?
Adler -
Não demorou muito. Começamos em 1955 e terminamos cerca de um ano depois.
Nosso pessoal de vendas considerava fundamental que o controle remoto não tivesse baterias. Hoje isso parece absurdo, mas naqueles dias, só duas coisas usavam baterias: lanternas e aparelhos para auxiliar a audição.
Eles diziam: "Em uma lanterna, você vê quando a bateria acabou porque a luz fica fraca". Mas o controle remoto pararia de funcionar e as pessoas pensariam que ele quebrara. E sabemos que o som pode ser produzido sem bateria.
Nós fizemos um controle remoto que usava uma peça cilíndrica de alumínio cuidadosamente desenhada, ligada a um pequeno martelo na ponta que produzia vibração. Era muito parecido com um sino, mas a peça de alumínio era tão pequena e vibrava tão rápido que ninguém podia ouvir.
Folha - Que dificuldades os srs. encontraram?
Adler -
Nós passamos algum tempo desenhando microfones e começamos nosso experimento com um som um pouco mais alto do que o que pode ser captado pelo ouvido humano.
Mas uma coisa inesperada aconteceu. Trabalhava conosco no laboratório uma mulher jovem, uma ótima profissional. Quando nós produzimos o som, e ninguém ouviu, ela deu um pulo.
Nós pesquisamos e achamos um parágrafo em um livro científico segundo o qual o limite de audição de mulheres jovens é consideravelmente superior ao de outras pessoas. Por isso, fomos para uma frequência ainda mais alta, que ninguém podia realmente ouvir.
Folha - Qual foi sua motivação para inventar o controle remoto: permitir que as pessoas evitassem comerciais ou simplesmente facilitar a mudança de canais?
Adler -
Para mim parecia muito lógico. Se você quer desligar a luz em sua sala, você não tem de subir em uma escada e tirar a lâmpada do bocal. Você tem um botão na parede que faz essa função.
Para mim parecia muito lógico que as pessoas pudessem mudar de canal e de volume de onde elas normalmente assistem TV, ao invés de ter de se levantar.
Folha - Quando o sr. inventou o controle remoto o sr. imaginava que ele se tornaria algo tão essencial no cotidiano das pessoas?
Adler -
Eu realmente não pensei sobre isso. E estava muito consciente de que qualquer nova invenção exige um longo tempo para se tornar popular. E algumas vezes se torna popular, outras não.
Eu desejava, claro, que o controle remoto se tornasse popular.
Folha - O sr. se surpreendeu com a popularidade que ele conquistou?
Adler -
Foi um desenvolvimento muito lento. Nós introduzimos esse tipo particular de controle remoto, que foi o primeiro controle remoto sem fio realmente prático.
E isso foi em 1956. Por quase 25 anos, todos os controles remotos usavam o mesmo princípio. Mas eles encareciam o preço da TV e, por isso, não se tornaram populares como os de hoje.
Em 1981 ou 82, surgiu um novo aparelho, que substituiu o som de alta frequência por luz infravermelha, que é uma luz invisível.
Esse aparelho era muito mais simples e permitiu que o controle remoto ficasse consideravelmente mais barato.
Folha - O sr. assiste TV?
Adler -
Muito pouco.
Folha - Que tipo de TV e de controle remoto o sr. tem?
Adler - Uma TV Zenith que tem provavelmente 20 anos e ainda usa o modelo antigo de controle remoto. Uso tão pouco que não vejo razão para comprar uma nova.
Folha - O que o sr. faz em seu tempo livre?
Adler -
Viajo -às vezes para conferências, mas faço muitas viagens de lazer.
Folha - O sr. tem pelo menos 179 invenções patenteadas. Quais são as mais importantes e de quais o sr. se orgulha mais?
Adler -
Bem, são duas questões completamente diferentes. Normalmente, você é orgulhoso de conquistas intelectuais. E o valor comercial de uma patente tem muito pouco a ver com a quantidade de sabedoria investida nela. Eu realmente não sei qual de minhas patentes são as mais importantes do ponto de vista comercial. Lembre-se que elas expiram depois de 17 anos. E grande parte das minhas patentes já estão com o prazo expirado.
Eu acredito que as patentes de que eu mais me orgulho são aquelas que tem relação com tipos muito sofisticados de ferramentas eletrônicas que foram usadas apenas em um pequenos período nos anos 60, principalmente para longo alcance e também por astrônomos.
Do ponto de vista técnico, elas são de longe o mais interessante. Mas tinham valor comercial zero.
Folha - Ainda inventa coisas?
Adler -
Uma vez a cada grande período de tempo. Nos últimos anos, o número de patentes que têm o meu nome é consideravelmente pequeno. Talvez eu esteja ficando muito velho.
Mas eu sou frequentemente consultado quando alguém está desenvolvendo uma nova tecnologia. Esse é o meu título: consultor.
Folha - Toda a sua vida profissional é relacionada ao desenvolvimento da televisão. Quais as inovações técnicas desse processo que o sr. considera mais importantes?
Adler -
O sistema de transmissão de TV que hoje é usado em todo o mundo foi originalmente definido nesse país (EUA), nos anos 40. O sistema era em preto-e-branco e ninguém sabia como a imagem poderia ser colorida.
Havia uma consenso, partilhado por todos os especialistas, que para se ter uma imagem colorida, cada emissora deveria ter três canais: um para o vermelho, um para o azul e outro para o verde. Ninguém achava que seria possível transmitir em cor em um único canal -que era o padrão existente.
Então, no início dos anos 50, algumas pessoas muito espertas da RCA (Radio Corporation of America) constataram que havia pontos vazios no sistema de transmissão em preto-e-branco que poderiam ser usados para as cores.
Nenhum de nós acreditava nisso. Mas eles provaram que estavam certos. E é esse sistema que usamos hoje no mundo todo. A cor não ocupa mais espaço em um canal que o preto-e-branco.
De todas as coisas que aconteceram durante o meio século em que eu trabalho nessa área, essa foi a mais surpreendente.



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