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Taylors e Houston: Sul batista
O jovem pastor destila sarcasmo contra a arrogância do Estado laico
DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA
Os batistas são o
maior grupo protestante norte-americano. Juntando os grupos
batistas evangélicos, tradicionais e "historicamente negros"
(de acordo com a classificação
do Fórum Pew), representam
um terço de todos os protestantes nos EUA e quase um
quinto da população do país.
Entre os batistas evangélicos, a Convenção Batista do
Sul, uma federação que reúne
milhares de igrejas, formando a
maior denominação religiosa
nos EUA depois da Igreja Católica, conta hoje com 6,7% da
população americana, mais de
16 milhões de pessoas.
Criada em 1845, a convenção
é o rosto da religião no sul. Na
Guerra de Secessão, seus mártires foram os oficiais e soldados que caíram na luta contra o
fim da escravidão. Só em 1995 a
convenção repudiou formalmente o passado escravagista.
Os batistas do sul são uma
parcela muito conservadora e
poderosa da sociedade americana. E não é à toa que, em ano
de eleição, o país esteja de olho
neles. Tiveram um papel determinante nas duas vitórias de
Bush e hoje, embora menos entusiasmados pelo "liberal"
McCain, continuam em geral
fiéis ao Partido Republicano.
Num livro seminal, publicado em 1992 ("The American
Religion - The Emergence of
the Post-Christian Nation", A
Religião Americana - A Emergência da Nação Pós-Cristã), o
crítico literário Harold Bloom
defendia a tese de que o cristianismo em solo americano é na
verdade uma religião gnóstica,
cuja característica fundamental é o contato direto entre o indivíduo e a divindade.
Nesse sentido, o batista teria
sido, a certa altura, um antifundamentalista por excelência,
uma vez que um dos princípios
da doutrina, na origem, era a
autonomia individual na interpretação da Bíblia, a luz interior, a competência da alma no
contato direto com Jesus ressurrecto.
No início, isso serviu para a
defesa da liberdade contra a
doutrina católica. O batista deveria desconfiar, por princípio,
de todos os credos, inclusive do
seu. Mas essa afirmação de liberdade individual pelo paradoxo de uma "religião sem credo" era ao mesmo tempo sua
força e sua fraqueza.
Religião sem política
Na ausência de regras doutrinárias que dessem unidade ao
todo, a Bíblia passou a ser "menos lida que pregada, menos interpretada que empunhada e
brandida"; passou a ser inquestionável, mesmo quando desconhecida. Em 2006, um presidente "moderado" foi eleito
graças à mobilização de pastores dissidentes, em blogs.
Frank Page, pastor de uma
megacongregação em Taylors,
Carolina do Sul, trabalhou durante dois anos para unir a convenção em torno de questões
menos polêmicas e menos belicosas do que o aborto, o casamento homossexual e a pesquisa com células-tronco, procurando concentrar-se em temas
mais consensuais.
"Se há uma mudança, é no
sentido de enveredar talvez para uma denominação mais pacífica, menos abrasiva. Mais
flexível em termos sociais. Não
vamos abrir mão daquilo em
que acreditamos, mas podemos
ser mais holísticos. Minha eleição mostrou que a convenção
estava pronta para uma nova
direção, teologicamente conservadora, mas muito mais relevante para a cultura de hoje",
diz Page, que conhece o Brasil e
já esteve várias vezes em Fortaleza (CE), onde sua igreja mantém um orfanato.
Desde 1926 a Igreja Batista
do Sul não sofria uma queda no
número de membros, que passaram de 16,3 milhões para
16,27, em 2007.
No Meio-Oeste, jovens pastores já começam a lançar mão
de uma evangelização mais
condizente com as preocupações das novas gerações, e algumas igrejas mais marcadamente fundamentalistas fecharam
suas portas por falta de coro.
Seguindo a tendência das
maiores igrejas evangélicas
americanas, Page tentou voltar
a atenção dos batistas para
questões como a Aids, a pobreza e o ambientalismo.
"Quis mostrar uma imagem
mais positiva de quem somos.
Por muito tempo, fomos conhecidos pelo que combatíamos, mais do que por aquilo
que defendíamos", diz.
Mas a eleição, em junho, de
um novo presidente para a convenção sinaliza que a vocação
conservadora continua ativa.
Johnny Hunt, descendente
de índios e pastor de uma megaigreja batista no Estado da
Geórgia, embora diga que pretende seguir a política de seu
antecessor -mantendo o foco
menos em questões políticas
controversas e mais em assuntos religiosos-, é basicamente
um anti-reformista.
Sermão e Tarantino
A Segunda Igreja Batista, em
Houston, é a maior igreja batista dos EUA e a terceira maior
do país, em termos absolutos,
com mais de 23 mil membros.
Num domingo de junho, jovens casais e famílias a caminho do culto das 11h tomam estacionamento, jardins e corredores do complexo de prédios
em que a igreja está inserida, à
imagem de uma catedral.
No sermão pontuado por
melodias pop e ritmos de rock,
o jovem pastor vai dizer, com
cores mais apropriadas ao seu
tempo, as mesmas coisas que
seu pai, horas antes, acompanhado de orquestra.
Irá falar da pátria e dos valores da família. E, nas entrelinhas, entre menções a filmes de
Tarantino, vai aludir à "ciência" associada ao charlatanismo de um neurologista que
criou um site onde, pagando, as
pessoas podem mandar mensagens para os mortos.
Irá destilar o mesmo sarcasmo contra a vaidade e a arrogância do Estado laico (como se
alguma coisa pudesse existir
em desobediência à vontade de
Deus). E é aí que se percebe que
o conservadorismo não tem nada a ver com idade.
Afinal, o que esses jovens reivindicam é o direito de poderem ser ao mesmo tempo conservadores e consumidores
cosmopolitas. São ricos e bem-formados, assistem aos filmes
de Tarantino, vestem Prada e
ouvem rock. E querem ver o
mundo governado por Jesus.
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