São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Taylors e Houston: Sul batista

O jovem pastor destila sarcasmo contra a arrogância do Estado laico

DO ENVIADO ESPECIAL AOS EUA

Os batistas são o maior grupo protestante norte-americano. Juntando os grupos batistas evangélicos, tradicionais e "historicamente negros" (de acordo com a classificação do Fórum Pew), representam um terço de todos os protestantes nos EUA e quase um quinto da população do país.
Entre os batistas evangélicos, a Convenção Batista do Sul, uma federação que reúne milhares de igrejas, formando a maior denominação religiosa nos EUA depois da Igreja Católica, conta hoje com 6,7% da população americana, mais de 16 milhões de pessoas.
Criada em 1845, a convenção é o rosto da religião no sul. Na Guerra de Secessão, seus mártires foram os oficiais e soldados que caíram na luta contra o fim da escravidão. Só em 1995 a convenção repudiou formalmente o passado escravagista.
Os batistas do sul são uma parcela muito conservadora e poderosa da sociedade americana. E não é à toa que, em ano de eleição, o país esteja de olho neles. Tiveram um papel determinante nas duas vitórias de Bush e hoje, embora menos entusiasmados pelo "liberal" McCain, continuam em geral fiéis ao Partido Republicano.
Num livro seminal, publicado em 1992 ("The American Religion - The Emergence of the Post-Christian Nation", A Religião Americana - A Emergência da Nação Pós-Cristã), o crítico literário Harold Bloom defendia a tese de que o cristianismo em solo americano é na verdade uma religião gnóstica, cuja característica fundamental é o contato direto entre o indivíduo e a divindade.
Nesse sentido, o batista teria sido, a certa altura, um antifundamentalista por excelência, uma vez que um dos princípios da doutrina, na origem, era a autonomia individual na interpretação da Bíblia, a luz interior, a competência da alma no contato direto com Jesus ressurrecto.
No início, isso serviu para a defesa da liberdade contra a doutrina católica. O batista deveria desconfiar, por princípio, de todos os credos, inclusive do seu. Mas essa afirmação de liberdade individual pelo paradoxo de uma "religião sem credo" era ao mesmo tempo sua força e sua fraqueza.

Religião sem política
Na ausência de regras doutrinárias que dessem unidade ao todo, a Bíblia passou a ser "menos lida que pregada, menos interpretada que empunhada e brandida"; passou a ser inquestionável, mesmo quando desconhecida. Em 2006, um presidente "moderado" foi eleito graças à mobilização de pastores dissidentes, em blogs.
Frank Page, pastor de uma megacongregação em Taylors, Carolina do Sul, trabalhou durante dois anos para unir a convenção em torno de questões menos polêmicas e menos belicosas do que o aborto, o casamento homossexual e a pesquisa com células-tronco, procurando concentrar-se em temas mais consensuais.
"Se há uma mudança, é no sentido de enveredar talvez para uma denominação mais pacífica, menos abrasiva. Mais flexível em termos sociais. Não vamos abrir mão daquilo em que acreditamos, mas podemos ser mais holísticos. Minha eleição mostrou que a convenção estava pronta para uma nova direção, teologicamente conservadora, mas muito mais relevante para a cultura de hoje", diz Page, que conhece o Brasil e já esteve várias vezes em Fortaleza (CE), onde sua igreja mantém um orfanato.
Desde 1926 a Igreja Batista do Sul não sofria uma queda no número de membros, que passaram de 16,3 milhões para 16,27, em 2007.
No Meio-Oeste, jovens pastores já começam a lançar mão de uma evangelização mais condizente com as preocupações das novas gerações, e algumas igrejas mais marcadamente fundamentalistas fecharam suas portas por falta de coro.
Seguindo a tendência das maiores igrejas evangélicas americanas, Page tentou voltar a atenção dos batistas para questões como a Aids, a pobreza e o ambientalismo.
"Quis mostrar uma imagem mais positiva de quem somos. Por muito tempo, fomos conhecidos pelo que combatíamos, mais do que por aquilo que defendíamos", diz.
Mas a eleição, em junho, de um novo presidente para a convenção sinaliza que a vocação conservadora continua ativa.
Johnny Hunt, descendente de índios e pastor de uma megaigreja batista no Estado da Geórgia, embora diga que pretende seguir a política de seu antecessor -mantendo o foco menos em questões políticas controversas e mais em assuntos religiosos-, é basicamente um anti-reformista.

Sermão e Tarantino
A Segunda Igreja Batista, em Houston, é a maior igreja batista dos EUA e a terceira maior do país, em termos absolutos, com mais de 23 mil membros.
Num domingo de junho, jovens casais e famílias a caminho do culto das 11h tomam estacionamento, jardins e corredores do complexo de prédios em que a igreja está inserida, à imagem de uma catedral.
No sermão pontuado por melodias pop e ritmos de rock, o jovem pastor vai dizer, com cores mais apropriadas ao seu tempo, as mesmas coisas que seu pai, horas antes, acompanhado de orquestra.
Irá falar da pátria e dos valores da família. E, nas entrelinhas, entre menções a filmes de Tarantino, vai aludir à "ciência" associada ao charlatanismo de um neurologista que criou um site onde, pagando, as pessoas podem mandar mensagens para os mortos.
Irá destilar o mesmo sarcasmo contra a vaidade e a arrogância do Estado laico (como se alguma coisa pudesse existir em desobediência à vontade de Deus). E é aí que se percebe que o conservadorismo não tem nada a ver com idade.
Afinal, o que esses jovens reivindicam é o direito de poderem ser ao mesmo tempo conservadores e consumidores cosmopolitas. São ricos e bem-formados, assistem aos filmes de Tarantino, vestem Prada e ouvem rock. E querem ver o mundo governado por Jesus.


Texto Anterior: Nova York: Uma comediante mórmon
Próximo Texto: Nova Jersey: Perseguição aos ateus
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.