São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2000

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MILLÔR

O cinema criou o herói sem causa.
Nós inventamos o canalha sem jaça


1) Temperamento
Como dizia o supremo covarde: "Puxa, escapei por muito!"

2) Veredito
No caso dramático da relação passional entre o jornalista Pimenta e sua vítima, passou despercebido um detalhe importante. E-mails (mensagens eletrônicas) íntimos trocados entre os dois foram publicados ou divulgados de todas as formas e em todos os lugares sem que houvesse qualquer protesto. Firmou-se pois um princípio ético: a Internet é coisa pública, ninguém aí tem direito a qualquer privacidade. Tem ou não tem, senhores jurados?

3) Macro micro
As maiores potências e os maiores potentados do mundo se reuniram na ONU, cercados e "garantidos" por um aparato militar impressionante. Pelo poderio e pelo ridículo. E qual foi a coisa mais importante que aconteceu nesse show de magnitude? Resolveu-se o problema da fome na África? Acabaram com o crescente terrorismo neonazista? Comunicou-se a cura definitiva do câncer e do AIDS? Decidiu-se que nunca mais serão fabricadas armas nucleares e as que existem serão destruídas até o fim do ano? Assinou-se pelo menos - a paz definitiva entre Israel e a Palestina? Nada disso, amiguinhos o acontecimento mais importante desse mega e bota mega nisso evento foi o toque de mão, durante um segundo tão rápido que nem foi fotografado entre Clinton e Fidel. E vocês ainda querem que eu leve a sério esse mundo em que vocês vivem.

4) Me digam
Há pessoas que pensam que tenho prevenção contra o escritor - se assim se pode chamar - Sir Ney. Pelo contrário - ele é que tem contra mim, escrevendo o que escreve. Por exemplo,comprei O Dono do Mar desse notório autor. A capa é bonita. Reconheci aí uma pintura de Pancetti. Como a pintura está escurecida, abri a primeira página do livro para ver os créditos. Está lá - capa de PaUcetti. Vocês acham que eu devo continuar a ler esse livro?

5) Conclusão
O segundo turno prova definitivamente: o arreglo é o caminho mais curto entre a ideologia e o objetivo.

6) Grandiloquência
A vida é ao mesmo tempo seu conteúdo e seu continente. Não tem fora nem tem dentro. Ou melhor, tem ambos, que se anulam ou se completam. Holismo ou autofagia. Portanto procure, ao viver, ser tão vivo quanto será tão morto ao morrer. Pô, Millôr, você hoje tá qui tá.

7) Intragável
Quarenta anos de legislação, transformaram a droga, as de sempre, coca, morfina, ópio, e as mais moderninhas, Lsd, crack, ekstase, na maior multinacional de todos os tempos. Praticamente indestrutível. Lembrem-se de que Pepe Escobar quis comprar a dívida externa da Colômbia. Abandonaram a tempo a criminalização da bebiba a Lei Seca quase acabou com os Estados Unidos e facilitou a organização de uma máfia, poderosa até hoje. Agora, as poucos, tentam fazer o mesmo com o cigarro. Pouco a pouco o fumante se transformou, do galã cinematográfico charmoso, a ser imitado sempre, num criminosos desprezível. Senão hediondo. Felizmente, no Brasil, o Serra deu o golpe que é o mais inteligente. Proibir a propaganda. Tirar o charme do fumo. Nada mais daqueles anuncios maravilhosos, em que o fumo é associado à vida feliz, à erótica. à estética, à juventude, impondo aos fabricantes de cigarro apenas a obrigação de avisar, no fim do anúncio, que o fumo faz mal à saúde. Na Inglaterra é usado o mesmo artifício, patrocinado pela Coroa (que é como eles chamam a velha rainha). Mas a Coroa (nos dois sentidos) já anda mesmo desmoralizada. Quando o príncipe Charles fez aquela empolgada declaração romântica dizendo que seu sonho era ser o Tampax de Camila, esse produto, imediatamente, publicou página inteira em dois diários com o logo de seu absorvente
T A M P A X
tendo em baixo, bem destacada a recomendação clássica do establishment: inglês.
BY APPOINTMENT
(a recomendação oficial inteira é By Appointment to Her Majesty, mas a omissão da parte final do slogan evitava processo e tornava mais instigante o anúncio. Teaser, chamam em publicidade.) Tudo isso é, afinal, para sugerir aqui, modestamente, ao ministro Serra, uma antiga idéia minha que, não afetando a liberdade dos fumantes, terá enorme efeito negativo em seus hábitos. Todo cigarro será obrigado a trazer impresso, bem grande, o aviso VÍCIO IDIOTA.



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