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O deus das pequenas coisas
"Falo no Jardim" reúne os poemas gregos e latinos dedicados a Priapo, divindade obscena e zombeteira
FLÁVIO RIBEIRO DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Priapéia" é uma coletânea de breves e jocosos poemas anônimos, compostos em
latim entre os séculos
1º a.C. e 1º, cujo tema é Priapo,
deus da fertilidade, burlesco e
itifálico (representado normalmente em estado de ereção).
O culto de Priapo surgiu na
Ásia Menor por volta do século
4º a.C., de onde se difundiu pelo mundo grego e, mais tarde,
pelo romano.
Priapo era um deus menor,
disforme e desprovido da imponência e da beleza severa dos
olímpicos. Mas, por isso mesmo, era popular entre as classes mais humildes da população que, além de considerá-lo
protetor da fertilidade animal e
vegetal, se valia de seu caráter
apotropaico: Priapo seria capaz
de afastar malefícios e maus-olhados que pudessem prejudicar a virilidade dos homens e a
fertilidade do solo.
Os poemas da "Priapéia"
têm, pela própria natureza do
deus, um caráter zombeteiro e
francamente obsceno -o que
perturba sensibilidades mais
delicadas. São, até hoje, pouco
conhecidos, pouco estudados e
pouco traduzidos. "Falo no
Jardim", livro de João Ângelo
Oliva Neto, nos oferece não só
o texto latino completo e traduções impecáveis de todos os
poemas da "Priapéia" mas também todos os poemas da chamada "Priapéia Grega" (coletânea dos poemas priapeus gregos que faziam parte da "Antologia Palatina"), também em
edição bilíngüe.
Três capítulos iniciais situam e analisam minuciosamente o fenômeno do culto de
Priapo no mundo antigo e suas
manifestações literárias; os
cinco capítulos finais trazem,
respectivamente, poemas latinos de autoria conhecida (Catulo, Horácio etc.) cujo tema é
Priapo, mas que não faziam
parte da "Priapéia" (texto original e tradução); excertos de
poemas que, sem ter tema priapeu, mencionam Priapo (texto
original e tradução); os poucos
poemas priapeus compostos
em língua portuguesa; as raras
traduções de poemas da "Priapéia" em língua portuguesa anteriores às de Oliva e, por fim, o
texto e a tradução de "Er Padre
de li Santi", poema priapeu de
Belli, escrito em dialeto romanesco no século 19.
Linguagem franca
Fecha o volume um aparato
de grande utilidade para o leitor -esquemas métricos, relação dos epítetos de Priapo,
glossário, bibliografia e índices.
Além disso, o livro traz rico material iconográfico.
As seções teóricas, de extremo rigor analítico e sólida fundamentação bibliográfica, são
de grande interesse acadêmico
para o especialista e, agora
mesmo, os leitores desta resenha devem estar pensando:
"Ah, mais um livro erudito da
academia, destinado a meia dúzia de gatos-pingados da academia...". Nada disso.
Oliva tem o raríssimo mérito
de, sem abrir mão da profundidade que um estudo crítico do
tema requer, ser perfeitamente
acessível a qualquer leitor inteligente. Seu texto, escrito em
linguagem clara e, eventualmente, bem-humorada, nunca
apela para jargões acadêmicos
abstrusos.
Ao longo dos séculos, a "Priapéia" e os temas priapeus têm
provocado indignação pudibunda entre os tartufos e os ilibados defensores da moral e
dos bons costumes, desde os
pais da igreja até os editores
alemães que censuraram a palavra "Priapia" (entre outras)
em diversas edições de "Frühlings Erwachen" [Despertar
da Primavera], de Frank Wedekind (1864-1918).
Ainda hoje, muitas traduções
de obras clássicas de caráter
erótico empregam eufemismos
ou termos científicos para traduzir palavras que, em grego ou
latim, pertencem ao registro
chulo da linguagem.
As traduções de Oliva, de
grande valor e invenção poética, são rigorosamente fiéis à
obscenidade burlesca, à graça
provocadora e ao bom humor
debochado dos originais. Nelas,
a mêntula não é chamada de
membro viril ou pipi.
FLÁVIO RIBEIRO DE OLIVEIRA é professor de
língua e literatura gregas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
FALO NO JARDIM - PRIAPÉIA
GREGA, PRIAPÉIA LATINA
Organização e tradução: João
Ângelo Oliva Neto
Editora: Unicamp/Ateliê (tel. 0/
xx/11/4612-9666)
Quanto: R$ 90 (428 págs.)
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