São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006 |
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+ livros Cidades fora de lugar
Duas obras investigam o lugar do homem nas metrópoles contemporâneas
LUIZ RECAMÁN ESPECIAL PARA A FOLHA Nenhum campo do conhecimento, pelo menos com tamanha influência, levou tão longe as abstrações funcionais como o pensamento moderno em relação às cidades. As contradições incontornáveis entre os processos de modernização capitalista e as utopias sociais marcaram o duelo final nos planos urbanísticos realizados pela cultura arquitetônica européia no final dos anos 1920. Sem terem se tornado uma realidade, tais abstrações se abalroaram contra as grandes cidades, transformando-as e alterando a percepção que o homem contemporâneo tem de seu ambiente social construído, de sua própria vida, portanto. Os novos temas urbanísticos colocados em discussão no segundo pós-guerra indicam a relativização dos absolutos modernos reduzidos à montagem fordista de componentes industrializados (o edifício) e sua replicação uniforme (a cidade moderna), em direção a um entendimento amplo do fenômeno urbano. Isso se desdobrou em várias frentes distintas e combinadas, como a "percepção" (fenomenologia), a "linguagem" (estruturalismo) e a "história" (quer ligada ao marxismo ou à simbologia das formas). O recente lançamento de "A Idéia de Cidade - A Antropologia da Forma Urbana em Roma, na Itália e no Mundo Antigo", de Joseph Rykwert, reforça uma das correntes mais profícuas da crítica aos princípios universalizantes da Carta de Atenas [escrita por Le Corbusier, praticamente definiu o urbanismo moderno]. Roma Antiga Mas o leitor deve atentar para o ano da publicação do livro (1976) e do artigo original na revista holandesa "Forum" (1963). Pois chegaram por aqui primeiro seus livros mais recentes, formando um grupo fiel de leitores e seguidores. Esse livro deve ser entendido, então, a partir da renovação do pensamento arquitetônico e urbanístico dos anos 1950 e 1960 e suas tentativas de ressemantização da cidade, depois da "tábula rasa" da significação, operada pela radicalização da modernidade arquitetônica. Além das necessidades funcionais e produtivas, a cidade reproduziria e atualizaria as estruturas simbólicas originais, que devem, portanto, ser conhecidas e estudadas para a plena compreensão das relações do homem com o seu lugar, em direção a uma reconciliação desejável entre o humano e a ordem do cosmos, possível segundo o autor. A partir do estudo da Roma Antiga e seus mitos fundadores, o autor descreve a origem dessas estruturas simbólicas, que se mostraram prioritárias na fundação dessa cidade, mesmo em relação às estratégias comerciais e militares. Se as formas urbanas possuem esse forte significado, o "genius loci" que rege o lugar (na influente formulação de Norberg-Schulz) não resistiu, no entanto, às transformações operadas por mudanças extraperceptivas dos aglomerados urbanos contemporâneos, as quais romperam com os elos que nos uniam ao passado e a seus significados. A simbologia possível no mundo desencantado foi subsumida pelas técnicas de linguagem e comunicação, como símbolos esvaziados de consumo global. A crise da subjetividade e sua correlata crise da "civitas" abortaram precocemente essas tentativas de atualização e ressignificação dos símbolos e dos deuses da cidade. A clivagem moderna na cidade, mais que um desenvolvimento interno da forma urbana, a superou como realidade técnica e social. Totalização pós-moderna Percepção, símbolos e representações urbanas têm agora que ser pensados a partir das novas formas de sociabilidade e da emergência do "cultural" como fenômeno central do capitalismo contemporâneo. Longe de ser uma emancipação, a reconciliação preconizada por nosso autor foi realizada às avessas nessa nova totalização mítica pós-moderna, indecifrável ainda do ponto de vista de suas possibilidades transformadoras. É o que parece procurar este novo livro, "As Cidades e Seus Agentes": novas contradições e fissuras presentes na atualização dos conflitos urbanos, segregação espacial e suas fronteiras. Isso a partir da dominância cultural dos processos de intervenção urbana, que parece substituir a integração social e as políticas sociais mais abrangentes (moradia, transporte, educação, espaços públicos etc.) por formas "inclusivas" de participação cultural. Frutos de um debate de dois fóruns de pesquisa, os trabalhos apresentados não resultam exatamente em um livro, mas em um painel referente a temas de antropologia urbana e suas interfaces com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, o urbanismo, a história etc. Isso explica, ao mesmo tempo, a independência dos trabalhos e certa irregularidade das participações. As análises procuram identificar os novos agentes sociais que compõem, reproduzem e transformam o espaço urbano contemporâneo de algumas cidades brasileiras. Integração cultural Sem isolar os esquemas representacionais dessa nova urbanidade, alguns trabalhos procuram confrontar as vivências de segregação espacial e de integração cultural -análises de caráter etnográfico- com os mecanismos de ordem "estrutural" da nova economia globalizada -e, portanto, mediados pela indústria cultural e pela alienação. A leitura desses dois textos enfatiza uma ausência: o debate propriamente arquitetônico e urbanístico no Brasil, errante entre uma recepção canônica e descontextualizada dos estudos clássicos e a paralisia diante de realidades complexas como as abordadas pela nova antropologia urbana. Não podendo se restringir ao diagnóstico, a arquitetura brasileira não encontra mais o seu lugar. LUIZ RECAMÁN é professor de estética no departamento de arquitetura e urbanismo na USP, em São Carlos (SP), e da Pontifícia Universidade Católica, em Campinas (SP). É co-autor de "Arquitetura Moderna Brasileira" (Phaidon). A IDÉIA DE CIDADE Autor: Joseph Rykwert Tradução: Margarida Goldsztajn Editora: Perspectiva (tel. 0/xx/11/3885-8388) Quanto: R$ 70 (330 págs.) AS CIDADES E SEUS AGENTES Organização: Heitor Frúgoli Junior, Luciana Teixeira de Andrade e Fernanda Arêas Peixoto Editora: PUC-Minas/Edusp (tel. 0/xx/11/3091-4008) Quanto: R$ 48 (408 págs.) 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