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Ponto de fuga
Leitura e leitores
Os romances e poemas tornaram-se objeto de dissecação científica; a tal ponto que sumiram, ou quase, diante da destreza analítica
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
A literatura sempre vazou
suas intuições complexas sobre o mundo no
prazer de ler. Mas houve uma
reviravolta há algumas décadas
na maneira de estudá-la.
Os romances e poemas tornaram-se objeto de dissecação
científica; a tal ponto que sumiram, ou quase, diante da destreza analítica. Quantos velhos
e bons departamentos universitários de literatura não se
metamorfosearam em "de teoria literária"?
Note-se, para quem gosta de
gramática, que "literária" é
apenas adjetivo de "teoria", sujeito e substância.
O romance, o poema passaram a ser pretextos muito secundários, trampolins para
exercícios mentais altamente
sofisticados. Essa atitude intelectual chega a extremos engraçados.
Há um exemplo paradoxal:
um livro de Walter Benjamin
[1892-1940], grande sábio alemão, intitula-se "Origem do
Drama Barroco Alemão". Essa
obra, por sinal bem complicada
e obscura, foi traduzida e publicada no Brasil [ed. Brasiliense].
Por mais que seu conteúdo
seja autônomo no processo reflexivo, ele pede alguma noção,
mínima que seja, a respeito do
drama barroco alemão.
Ora, quantos deles existem
editados no Brasil? É fácil
apostar que nenhum.
Esse é um caso sintomático,
no qual a especulação intelectual prescinde do objeto. Para
continuar no mesmo autor:
quantos leitores de Benjamin,
que conhecem e citam suas referências a Baudelaire e Proust,
leram, de fato, Baudelaire e
Proust?
Júbilo
Declarações recentes de
Tzvetan Todorov, grande sábio
búlgaro ainda vivo, enchem o
coração de alegria. Todorov,
lingüista e filósofo muito cabeça, num chat da revista francesa "Télérama":
(Pergunta) "No seu último livro ["La Littérature en Péril", A
Literatura em Perigo], o sr. diz,
a propósito do ensino da literatura, que, "na escola, não se ensina aquilo que os livros dizem,
mas aquilo que dizem os críticos. O senhor pode explicar sua
opinião?"
(Todorov) "Há algum tempo
que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos
e passaram a estudar de preferência os conceitos e métodos
de análise. Nesse sentido, é
possível dizer que se estudam
as teorias dos críticos, e não as
obras dos autores.
Ora, para nós, ignorante é
quem não leu "Madame Bovary"
[de Flaubert] ou "As Flores do
Mal" [de Baudelaire], e não
quem não sabe, por exemplo,
distinguir focalização interna
de focalização externa."
Varinha mágica
(Todorov) "Estou convencido de que, para aceder à "grande
literatura", deve-se primeiro
aprender a amar a leitura. Para
tanto, passar pela literatura de
juventude parece-me ser a via
mais indicada. Eu mesmo, há
muito tempo, comecei a ler versões simplificadas dos clássicos
em búlgaro.
"Os Miseráveis" [de Victor
Hugo] não tinha mais do que
umas cem páginas. Isso não me
impediu de abordar o texto
completo do romance alguns
anos mais tarde.
Desse ponto de vista, eu recomendo sempre "O Conde de
Monte Cristo" [de Alexandre
Dumas] ou, por que não?, as
aventuras de Harry Potter."
Mais
(Pergunta) "Quais os conselhos para um jovem estudante
que deseja se lançar nos estudos literários?"
(Todorov) "Antes de tudo,
não confundir os meios e os
fins. Os fins da leitura de textos
literários são os de melhor
compreender o sentido deles e,
por meio deles, o que nos dizem
da própria condição humana.
Os meios são todos os métodos de aproximação crítica, que
podem nos permitir ler melhor,
com a condição de não formarem uma cortina de fumaça
diante dos textos. O que aconselho, portanto, é nunca perder
de vista os textos literários neles próprios e, sobretudo, os
grandes textos."
jorgecoli@uol.com.br
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