São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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Ponto de fuga

Leitura e leitores

Os romances e poemas tornaram-se objeto de dissecação científica; a tal ponto que sumiram, ou quase, diante da destreza analítica

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A literatura sempre vazou suas intuições complexas sobre o mundo no prazer de ler. Mas houve uma reviravolta há algumas décadas na maneira de estudá-la. Os romances e poemas tornaram-se objeto de dissecação científica; a tal ponto que sumiram, ou quase, diante da destreza analítica. Quantos velhos e bons departamentos universitários de literatura não se metamorfosearam em "de teoria literária"? Note-se, para quem gosta de gramática, que "literária" é apenas adjetivo de "teoria", sujeito e substância.
O romance, o poema passaram a ser pretextos muito secundários, trampolins para exercícios mentais altamente sofisticados. Essa atitude intelectual chega a extremos engraçados. Há um exemplo paradoxal: um livro de Walter Benjamin [1892-1940], grande sábio alemão, intitula-se "Origem do Drama Barroco Alemão". Essa obra, por sinal bem complicada e obscura, foi traduzida e publicada no Brasil [ed. Brasiliense]. Por mais que seu conteúdo seja autônomo no processo reflexivo, ele pede alguma noção, mínima que seja, a respeito do drama barroco alemão.
Ora, quantos deles existem editados no Brasil? É fácil apostar que nenhum. Esse é um caso sintomático, no qual a especulação intelectual prescinde do objeto. Para continuar no mesmo autor: quantos leitores de Benjamin, que conhecem e citam suas referências a Baudelaire e Proust, leram, de fato, Baudelaire e Proust?

Júbilo
Declarações recentes de Tzvetan Todorov, grande sábio búlgaro ainda vivo, enchem o coração de alegria. Todorov, lingüista e filósofo muito cabeça, num chat da revista francesa "Télérama": (Pergunta) "No seu último livro ["La Littérature en Péril", A Literatura em Perigo], o sr. diz, a propósito do ensino da literatura, que, "na escola, não se ensina aquilo que os livros dizem, mas aquilo que dizem os críticos. O senhor pode explicar sua opinião?" (Todorov) "Há algum tempo que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar de preferência os conceitos e métodos de análise. Nesse sentido, é possível dizer que se estudam as teorias dos críticos, e não as obras dos autores.
Ora, para nós, ignorante é quem não leu "Madame Bovary" [de Flaubert] ou "As Flores do Mal" [de Baudelaire], e não quem não sabe, por exemplo, distinguir focalização interna de focalização externa."

Varinha mágica
(Todorov) "Estou convencido de que, para aceder à "grande literatura", deve-se primeiro aprender a amar a leitura. Para tanto, passar pela literatura de juventude parece-me ser a via mais indicada. Eu mesmo, há muito tempo, comecei a ler versões simplificadas dos clássicos em búlgaro. "Os Miseráveis" [de Victor Hugo] não tinha mais do que umas cem páginas. Isso não me impediu de abordar o texto completo do romance alguns anos mais tarde. Desse ponto de vista, eu recomendo sempre "O Conde de Monte Cristo" [de Alexandre Dumas] ou, por que não?, as aventuras de Harry Potter."

Mais
(Pergunta) "Quais os conselhos para um jovem estudante que deseja se lançar nos estudos literários?" (Todorov) "Antes de tudo, não confundir os meios e os fins. Os fins da leitura de textos literários são os de melhor compreender o sentido deles e, por meio deles, o que nos dizem da própria condição humana. Os meios são todos os métodos de aproximação crítica, que podem nos permitir ler melhor, com a condição de não formarem uma cortina de fumaça diante dos textos. O que aconselho, portanto, é nunca perder de vista os textos literários neles próprios e, sobretudo, os grandes textos."

jorgecoli@uol.com.br



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