São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007 |
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Psicanalista comenta cartas de leitores da Folha sobre o caso DA REDAÇÃO
A convite do Mais!, o psicanalista e colunista da Folha Renato Mezan comenta observações e perguntas
dos leitores, publicadas no Painel do Leitor da Folha e no da
Folha Online entre os dias 9 e
12/2, relacionadas à morte de
João Hélio Fernandes e à criminalidade no Brasil. Diante de um crime como esse, é imperativo encontrar razões, motivos, diretos ou indiretos, e acabamos pegando o primeiro que aparece... A educação no Brasil é realmente uma calamidade, mas é difícil ver como algo desta amplitude pode ter determinado as ações dos assassinos. E não é porque freqüenta uma escola ruim que um jovem se torna criminoso! Essa razão é, assim, demasiado geral para dar conta do fato. "Por que temas como a pena de morte ou a prisão perpétua são tabus neste país?" Porque o brasileiro gosta de se imaginar como solidário e compassivo, e facilmente nos identificamos com os "sofredores". Pessoalmente, sou contrário à pena de morte, mas não à de prisão perpétua, para determinados crimes. Essa é uma discussão que envolve problemas éticos complexos, que não podem ser tratados em três linhas. "São humanos ou ignóbeis e desprezíveis os que agiram dessa forma, sem o menor pudor e respeito pelo ser humano?" Desprezíveis, não: nenhum ser humano é desprezível. Ignóbeis, sim: mas ser ignóbil, cruel, malvado, indecente ou desonesto faz parte dos possíveis abertos a qualquer um de nós. Há muita sabedoria nas famosas palavras de Jesus diante da prostituta que queriam apedrejar: "Atire a primeira pedra quem não tiver pecado". "A culpa pela situação que vivemos é em parte dos políticos e do Supremo Tribunal Federal. Aqueles, pelo mau exemplo e pela volúpia em dilapidar o patrimônio público" Este é um bom exemplo de como é difícil manter o foco de uma discussão. As "otoridades" de fato dão péssimos exemplos, mas o que isso tem a ver com o fato de um garoto ser arrastado até a morte por quatro psicopatas? "Se o problema não foi falta de policiamento, então qual foi a origem de tudo?" Se houvesse policiamento eficiente, talvez esse crime não tivesse ocorrido, mas onde ele existe também acontecem assassinatos e outros crimes brutais. Afinal, o romance policial apareceu na Inglaterra, cuja polícia já era boa no tempo de Conan Doyle e de Agatha Christie. A verdade é que nenhuma polícia pode impedir um crime bem planejado. Pode apenas investigar direito e encontrar os culpados, o que acontece em apenas 3% dos casos no Brasil varonil. "O que está faltando é educação religiosa (não importa qual)" Discordo. Educação religiosa, por si mesma, não é garantia de bom comportamento e pode ser a porta para atitudes fanáticas que eventualmente culminam em crimes -vide Bagdá, as fogueiras da Inquisição, o assassinato de Itzhak Rabin [1922-95, premiê israelense] por um estudante judeu ortodoxo. Sem falar nos dois pilantras da Igreja Renascer, a quem certamente não falta "educação religiosa". "Seria bom que os nossos promotores, juízes e advogados olhassem para essa terrível situação que é a superlotação de nossos presídios" Outro exemplo de como é difícil manter o foco de um debate. A situação nos presídios é deplorável, mas de modo nenhum pode ser considerada como causa, ainda que remota, da morte de João Hélio Fernandes. "Os rapazes que participaram desse crime bárbaro [...] são simplesmente pessoas ruins, marginais sem consciência e coração" Concordo com o essencial do que diz o leitor, e meu texto [na página ao lado] explora justamente essa idéia. Apenas procuro ir além dos adjetivos e tento compreender como e por que um rapaz pode se tornar "sem consciência e sem coração". "Esse conjunto de violências -assaltos, mortes, fome, machismo, discriminação- é filho direto da exploração, da miséria e da exaltação ao lucro, suportes do capitalismo" Também estamos diante de uma "causa" geral, que, por explicar tudo, não explica nada. É evidente que tudo o que acontece no sistema de produção capitalista é conseqüência direta ou indireta do funcionamento desse sistema -do que mais poderia resultar? Das fases da lua? Por outro lado, também existiram violência e crimes sob o socialismo (ouviu falar do Gulag, companheiro?), sob o feudalismo e sob outros modos de produção. Ideologia não explica coisa nenhuma, mas economiza o trabalho de pensar. Daí a sua popularidade. Texto Anterior: Razão e sensibilidade Próximo Texto: Os atos fundadores Índice |
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