São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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MILLÔR

Tudo que vai pra sempre preenche uma lacuna em algum lugar

1) Revôo
Tudo que voa, pousa. O contrário não resiste a uma análise.

2) Paródia
Que Manuel Bandeira me perdoe, mas VOU-ME EMBORA DE PASÁRGADA

Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada que eu quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha,
Ainda é mais coerente
Do que os donos do pais.
* * *
A gente só faz ginástica
Nos velhos trens da Central
Se quer comer todo dia
A polícia baixa o pau
E como já estou cansado
Sem esperança num país
Em que tudo nos revolta
Já comprei ida sem volta
Pra qualquer outra lugar
Aqui não quero ficar.
Vou-me embora de Pasárgada.

Pasárgada já não tem nada
Nem mesmo recordação
E nem fome nem doença
Impedem a concepção
Telefone não telefona
Drogas são falsificadas
E prostitutas aidéticas
São as nossas namoradas.
* * *
E se hoje acordei alegre
Não pensem que eu vou ficar
Nosso futuro já era
Nosso presente já foi
Dou boiada pra ir embora
Pra ficar só dou um boi
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada na vida
Não tenho e nunca terei.
Vou-me embora de Pasárgada.

3) Encontro Marcado
Às três em ponto da madrugada, apressada, atrasada, a jovem prostituta atravessa a rua deserta em direção a uma bala perdida.

4) Perspectiva
Pois é, de madrugada, esta minha avenida fica ainda mais comprida, desemboca no além...

5) O estilo é o homem
Frase com gosto de Itamar: "A sirigaita saracoteia entre almofadinhas cheios de não-me-toques".

6) Adaptação
O Brasil, acho, não estou seguro, é o único país do mundo que tem uma esquerda perfeitamente confortável na direita.

7) Réquiem prum amigo do saite
Quando começamos nosso saite, no UOL, recebemos colaborações de todos os lados. A maior parte amadorística, da inocência à tolice e à pretensão sem razão. Porém uma minoria de teleitores, alguns até conhecidos ou famosos, manda comentários, correções e sugestões de alto nível.
Chico Negócio (excelente nome prum homem cheio de humor), cearense, aposentado do Banco do Brasil, foi nosso companheiro de viagem mais constante em nosso trabalho etéreo. Culto (mandou-nos até paródias de "The Cow Went to the Swamp" em latim), ágil de pensamento e criatividade tanto no texto quanto na parte gráfica, sabendo distinguir o que era sério do que era risível, se tornou amigo sem nos conhecermos, assim vai o mundo da Internet.
Era tal a sua energia que comumente deixávamos de publicar coisas suas, por não caberem em nosso projeto. Na verdade Chico Negócio deveria ter feito seu próprio site. Deveria. No início do mês, com 52 anos, foi se submeter a uma operação aparentamente sem risco, se é que isso existe, e não resistiu.
Ele entenderia o estranho do nosso sentimento, realmente novo, motivado pela ausência de uma presença que nunca foi concreta e que agora concretiza sua natureza insubstancial na falta que nos faz.

(Se o leitor quiser conhecer alguma coisa de Chico Negócio visite no saite)

Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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