São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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O cinema do desengano

"PASOLINI, NOSSO PRÓXIMO" REÚNE FOTOS E ENTREVISTA DADA PELO CINEASTA EM 1975, EM QUE DIZ QUE A LIBERDADE "NECROSOU" O SEXO NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

Reprodução
Pasolini, Franco Citti, e a criança que protagoniza "Édipo Rei"


PAOLO D'AGOSTINI
Giuseppe Bertolucci, que disse a respeito de seu filme "Pasolini Prossimo Nostro" [Pasolini, Nosso Próximo] ter "tentado dar voz ao material de arquivo", trouxe dessa imersão no último Pasolini, trágico e negativo a respeito de tudo, sobretudo uma emoção.
"Aqueles anos, em meados dos anos 1970, que é mais ou menos o mesmo momento de "Novecento" [1976, filme em que assistiu seu irmão Bernardo], me pareceram marcados por uma extraordinária margem de liberdade."
"Dali em diante, a forma filme avançou para um irrefreável declínio. Perdeu sua hegemonia, acossada por milhões de horas de imagens televisivas -que só no início foram imagens de filme- e depois pela rede informática."

Big Brother
"Creio que "Saló", assim como outros filmes do mesmo período, não apenas não seriam factíveis hoje mas nem mesmo concebíveis: não seriam nem sequer pensáveis. Imaginemos: em torno de "Saló", mas também em torno de "Novecento", vinham a campo [os escritores] Calvino ou Moravia.
Não há um correspondente hoje, quando um episódio do "Big Brother" suscita bem mais debates que um filme. Isso substituiu os filmes, que noutros tempos modificavam aspectos do costume, da moral, da política."
"Pasolini, Nosso Próximo", que foi exibido na Mostra de Veneza em setembro passado, surge assim.
O jornalista Gideon Bachmann e sua mulher, a fotógrafa Deborah Imogen Beer, freqüentaram o restrito set do último filme de Pasolini e recolheram uma riquíssima documentação: uma longa entrevista com o cineasta, além de muitas fotografias.
Disso resulta o retrato de um artista polemista amargurado, que declara o fracasso de sua anterior "Trilogia da Vida" ["Decameron" (1971), "Os Contos de Canterbury" (1972) e "As Mil e Uma Noites" (1973)], cujo sucesso comercial, obtido graças a mal-entendidas promessas de nudez e de erotismo, seguiu o sentido inverso de suas intenções: opor-se ao conformismo consumista, ao nivelamento homologante e aburguesado dos comportamentos juvenis, à falsa liberdade dos costumes que reduz corpo e sexo a mercadoria.

Este texto foi publicado no "La Repubblica".
Tradução de Maurício Santana Dias.


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