São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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A música dos excluídos

O DJ e produtor Carl Craig, que se apresenta em SP na quinta, fala do tecno de Detroit e das raízes negras do gênero

ADRIANA FERREIRA SILVA; CÁSSIO STARLING CARLOS
DA REPORTAGEM LOCAL; CRÍTICO DA FOLHA

Passado e futuro se misturam quando se trata de entender as transformações da música eletrônica que deram origem ao tecno, a partir dos anos 1980, e a todos os subgêneros, dançantes ou não, que se seguiram.
Ao contrário de muitos críticos, que vêem na eletrônica um estilo desumanizado e alienante, Carl Craig, um dos principais criadores do gênero, aponta no tecno a manifestação de um grupo social marginalizado e excluído, vivendo em Detroit, num quadro de falência da indústria automobilística.
Criada por negros, o ponto de partida maquínico do tecno encontrou, no experimentalismo de seus pioneiros, as raízes da black music americana, do blues ao soul, do jazz ao funk.
Integrante da segunda geração do gênero, Craig deu continuidade às produções originais lançadas por Juan Atkins, Derrick May e Kevin Saunderson, assumindo mais profundamente as referências negras do estilo e exercendo influência em particular sobre os músicos europeus na fase seguinte.
Craig, que se apresenta pela primeira vez em São Paulo, na próxima quinta, concedeu a seguinte entrevista, na qual avalia o nascimento e o atual estágio da música eletrônica.

FOLHA - Como você compreende, retrospectivamente, o cenário social e artístico de Detroit, nos anos 1980, que deu origem ao tecno?
CARL CRAIG -
Seja em Detroit, na periferia de São Paulo, de Santiago de Cuba ou em qualquer cidade com desequilíbrios sociais, a música, em geral, é uma forma de escapismo.
Detroit sempre tentou encontrar sua personalidade por meio da música, e nós fomos, claro, influenciados pelos ritmos da velha indústria automobilística.
Mas o tecno veio mais do futuro e da experiência de escapismo que ele oferecia. Um futurismo que chegou a nós via o funk que George Clinton fazia e a visão de filmes como "Guerra nas Estrelas" e "Robocop".
Portanto, vejo nossas origens num quadro social degradado e na busca de uma saída dele por meio de um escapismo surgido de filmes, idéias poéticas de futuro, letras e sons sintetizados.

FOLHA - Em sua opinião, qual o lugar do tecno na linhagem da música negra norte-americana?
CRAIG -
Sob um aspecto, especialmente o da "black music", o tecno de Detroit parecia ser um filho bastardo, porque era música sem palavra.
E, como a maior parte das produções começou depois a vir da Europa, o tecno passou a ser visto como um estilo feito por brancos.
Mas desde a busca de texturas emocionais, que aprendemos a ouvir no blues e no soul, à estrutura rítmica do funk, até chegar ao jazz, com a atitude de dar as costas ao conformismo e estar sempre em busca de novas vias de expressão, o tecno compartilha o espírito da música negra.

FOLHA - O crítico inglês Simon Reynolds diz que o tecno foi uma resposta ao electropop feito na Europa na época. Você concorda?
CRAIG -
Sim, mas não criamos o tecno como uma resposta ao electropop, fizemos nossa música como arte. Não se tratava de dizer: OK! Esses caras estão fazendo electropop, o Kraftwerk produziu tudo aquilo que influenciou tanta gente e nós vamos alcançar um novo patamar.
Assumimos que fomos influenciados por Kraftwerk, Depeche Mode. Definitivamente não era uma competição.

FOLHA - Qual o futuro do tecno?
CRAIG -
Está sempre em criar algo mais impactante do que o que pode ser feito.
O futuro não é só ser eletrônico ou dance music, mas em se tornar um novo jazz. Uma música que pode ser apreciada em diversos níveis de experimentação, desde um formato mais clássico até os mais ousados.
Ainda espero um Miles Davis do tecno. E um John Coltrane.

FOLHA - Como você, que começou como músico underground e gravou e produziu usando pseudônimos, encara o fato de hoje os DJs serem superstars?
CRAIG -
É uma grande revolução. Acho ótimo que as pessoas tenham saído de trás das máscaras para fazer de um jeito que se tornou necessário.
Ao alcançar status global, os DJs ajudaram a espalhar nossa música por toda parte.


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