São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A tecnologia social

Leia abaixo o depoimento de um usuário assíduo da comunicação telemática

Felipe Fonseca
free-lance para a Folha

Os cadernos de informática e demais viciados em novidades costumam encontrar a cada meio ano a grande revolução que vai mudar os rumos da humanidade. A bola da vez parecem ser as chamadas "social networks" (redes sociais), como Orkut (www.orkut.com), Friendster (www.friendster.com), ICQ Universe (http://universe.icq.com), Flickr (www.flickr.com) e afins. São ambientes que mapeiam a rede de relacionamentos de seus usuários e permitem a organização de grupos com interesses compartilhados, debates e alguns outros meios de interação.
Nenhuma dessas características é grande novidade para quem já utiliza a internet para interagir com outras pessoas e conhece as listas de discussão, weblogs, comentários e publicações coletivas. Talvez a inovação do chamado software social esteja na interface integrada de todos esses recursos. Particularmente, eu considero o software social mais um passo na evolução do que pode ser chamado de maneira abrangente como tecnologia social, um conceito que vai muito além de dispositivos conectados a redes telemáticas.
Ouvi falar pela primeira vez em tecnologia social da boca de Bráulio Brito, amigo e professor de semiótica mineiro. É possível que o uso que eu faço da expressão seja diverso do aceito nos círculos acadêmicos, mas isso não me incomoda muito. O fato é que tenho observado alguns padrões emergentes, em diferentes áreas do conhecimento, o que acaba anulando um pouco o meu fetiche por informática quando um novo sistema surge.
Sou um usuário assíduo da comunicação telemática. Brinco com a internet desde 1996; estive envolvido em dezenas de projetos relacionados à tecnologia da informação; recebo quase 3.000 e-mails mensais, sem contar com spam e surtos viróticos.
Não obstante sinto até raiva quando vejo iniciativas interessantes serem empacotadas e transformadas em produtos conceituais proto-revolucionários, com significado e resultados limitados, tomados sem que se observe todo o contexto.
Como eu a vejo, a tecnologia social abrange desde um caderno até um telefone celular conectado à internet. Sim, computadores podem ser um meio para a tecnologia social, mas essencialmente ela trata mais de uma maneira de usar as ferramentas de comunicação, e isso envolve colaboração, construção e validação coletivas de conhecimento, quebra de hierarquias, descentralização e o caráter emergente das tomadas de decisão. Nos últimos dois anos, tenho realizado uma série de experiências relacionadas a ações em rede e com parceiros como Hernani Dimantas, Dalton Martins e Daniel Pádua, tenho desenvolvido maneiras de abordar a produção colaborativa não na internet, mas por meio da internet e outros meios.
Essa vivência trouxe uma perspectiva que alinha diferentes exemplos de tecnologia social, a saber: mídia alternativa - de weblogs e publicações coletivas às rádios comunitárias, jornais de pequenas entidades informais ou aos fanzines que acompanham as cenas culturais independentes; comunicação em rede - da internet e suas fantásticas ferramentas de mobilização coletiva até a velocidade com que os camelôs descobrem que a fiscalização está na rua; colaboração - do software livre ao, como apontou André Passamani, mutirão para a construção do puxadinho -mais água no feijão, pagode e generosidade.
Em suma, as redes sociais são, sim, interessantes. Vale a pena participar. Eu tenho retomado o contato com pessoas que não via fazia muito tempo, tenho encontrado opiniões interessantes sobre assuntos que me dizem respeito e venho também tendo a oportunidade de conhecer novas pessoas, baseado nas afinidades que se tem a oportunidade de expor em tais sistemas. Mas que não se esqueça que esse é só mais um passo de um processo que já vem acontecendo há algum tempo, inserido em um contexto de descentralização e da retomada do aspecto "social" da comunicação depois de um século inteiro de mídia de massa.


A íntegra desse artigo pode ser lida em http://felipe.hipercortex.com


Texto Anterior: A invenção jurídica do autor
Próximo Texto: + brasil 504 d.C.: À sombra da consagração
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.