São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de Fuga

Ninguém aprende samba no colégio


Seria simples dizer que "Educação" é uma advertência para que mocinhas de 16 anos não se deixem seduzir por galãs de meia-idade; mas as per- sonalidades em cena desordenam as conclusões

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Que sentido profundo se esconde no "Otelo", de Shakespeare? Thomas Rymer, inglês do século 17, rato de biblioteca, encontrou a resposta: "Uma advertência para que as moças de boa família não fujam com mouros sem o consentimento dos pais".
Essa pérola incomparável da crítica literária vem ao espírito diante de "Educação", filme dirigido por Lone Scherfig. Porque seria simples dizer que ele é uma advertência para que mocinhas de 16 anos não se deixem seduzir por galãs de meia-idade. Tal parece ser sua moral mais evidente. No entanto, as personalidades complexas em cena criam circunstâncias que desordenam as conclusões.
Aqui, poderia entrar outra citação, frase formulada por Oscar Wilde: "Nada do que vale a pena saber pode ser ensinado".
Jenny Mellor é muito bonitinha, muito inteligente, com um bom grau de interesse verdadeiro pela cultura. Leva uma vida de pequena classe média, numa Inglaterra de 1961, muito morna e sem perspectivas.
Conhece um homem maduro, atraente, rico, sofisticado, que a leva pela primeira vez a concertos, a ouvir Ravel ou Elgar, que sabe discutir pintura e a ama sinceramente. Não se trata de um predador, mas de um sentimental, capaz de respeitar a virgindade que Jenny deseja conservar até os 17 anos.
Então, ele a leva a Paris, numa viagem romântica para a grande première amorosa.

Bovary
Agora, vai ser preciso jeito para continuar escrevendo sobre o filme sem expor o final. Vamos tentar. Seja como for, pelo que ficou exposto, qualquer conclusão é incerta.
Um ponto crucial é a crítica contra a educação escolar. A diretora medíocre e odiosa, encarnada por Emma Thompson, declara, seca: "E sim, claro, estudar é duro e tedioso". Ao que Jenny responde: "Estudar é duro e tedioso. Ensinar é duro e tedioso. Então, o que a senhora está me dizendo é que eu devo me entediar e, depois, me entediar e, finalmente, me entediar de novo, mas desta vez pelo resto de minha vida? O país todo é um tédio!".
Na verdade, os estudos revelam-se também uma fonte de prazer para Jenny e uma porta para o futuro. Futuro que não é só seu, que depende de uma liberdade coletiva e feminina.
Jenny explode: "Ninguém faz nada que valha a pena com um diploma. Ou, pelo menos, nenhuma mulher". A revolta não poderia surgir sem os prazeres paralelos que sua relação pouco ortodoxa permitia descobrir.

Lolita
O talento de Carey Mulligan, no papel de Jenny, foi celebrado, com razão, pela crítica. Além dela, todos os atores são excelentes. Não se trata, porém, de solos.
"Italiano para Principiantes" (2000), que Lone Scherfig realizou na Dinamarca, nos tempos de Dogma, mostrava sua intuição para apreender os sentidos não ditos dentro de uma comunidade. "Educação", rodado na Inglaterra, filme de época não só pelas roupas e cenários, mas pelas características da mentalidade coletiva que se insinua discretamente em tudo, permite refinar essa qualidade central de seu cinema.

Capitu
O sedutor tem uma cara sincera, é sincero. Uma coisa, porém, são os afetos. Outra, o que está fora deles. Essa sinceridade convicta recobre o mundo de um véu bem ilusório. No caso, foi pedagógica. Amores e prazeres fortaleceram essa adorável Jenny de olhos brilhantes, sempre, de algum modo, vitoriosa. Hoje, quando crianças e adolescentes são protegidos como seres quase sagrados, "Educação" explica que se expor e arriscar são virtudes formadoras.


jorgecoli@uol.com.br


Texto Anterior: Os Dez+
Próximo Texto: Discoteca Básica: O Boêmio & o Pianista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.