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Ponto de Fuga
Ninguém aprende samba no colégio
Seria simples dizer que "Educação" é uma advertência para que mocinhas de 16 anos não se deixem seduzir por galãs de meia-idade; mas as per-
sonalidades em cena desordenam as conclusões
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Que sentido profundo se
esconde no "Otelo", de
Shakespeare? Thomas
Rymer, inglês do século 17, rato
de biblioteca, encontrou a resposta: "Uma advertência para
que as moças de boa família
não fujam com mouros sem o
consentimento dos pais".
Essa pérola incomparável da
crítica literária vem ao espírito
diante de "Educação", filme dirigido por Lone Scherfig. Porque seria simples dizer que ele
é uma advertência para que
mocinhas de 16 anos não se
deixem seduzir por galãs de
meia-idade. Tal parece ser sua
moral mais evidente. No entanto, as personalidades complexas em cena criam circunstâncias que desordenam as
conclusões.
Aqui, poderia entrar outra citação, frase formulada por Oscar Wilde: "Nada do que vale a
pena saber pode ser ensinado".
Jenny Mellor é muito bonitinha, muito inteligente, com um
bom grau de interesse verdadeiro pela cultura. Leva uma
vida de pequena classe média,
numa Inglaterra de 1961, muito
morna e sem perspectivas.
Conhece um homem maduro, atraente, rico, sofisticado,
que a leva pela primeira vez a
concertos, a ouvir Ravel ou Elgar, que sabe discutir pintura e
a ama sinceramente. Não se
trata de um predador, mas de
um sentimental, capaz de respeitar a virgindade que Jenny
deseja conservar até os 17 anos.
Então, ele a leva a Paris, numa
viagem romântica para a grande première amorosa.
Bovary
Agora, vai ser preciso jeito
para continuar escrevendo sobre o filme sem expor o final.
Vamos tentar. Seja como for,
pelo que ficou exposto, qualquer conclusão é incerta.
Um ponto crucial é a crítica
contra a educação escolar. A diretora medíocre e odiosa, encarnada por Emma Thompson,
declara, seca: "E sim, claro, estudar é duro e tedioso". Ao que
Jenny responde: "Estudar é duro e tedioso. Ensinar é duro e
tedioso. Então, o que a senhora
está me dizendo é que eu devo
me entediar e, depois, me entediar e, finalmente, me entediar
de novo, mas desta vez pelo resto de minha vida? O país todo é
um tédio!".
Na verdade, os estudos revelam-se também uma fonte de
prazer para Jenny e uma porta
para o futuro. Futuro que não é
só seu, que depende de uma liberdade coletiva e feminina.
Jenny explode: "Ninguém faz
nada que valha a pena com um
diploma. Ou, pelo menos, nenhuma mulher". A revolta não
poderia surgir sem os prazeres
paralelos que sua relação pouco
ortodoxa permitia descobrir.
Lolita
O talento de Carey Mulligan,
no papel de Jenny, foi celebrado, com razão, pela crítica.
Além dela, todos os atores são
excelentes. Não se trata, porém, de solos.
"Italiano para Principiantes"
(2000), que Lone Scherfig realizou na Dinamarca, nos tempos de Dogma, mostrava sua intuição para apreender os sentidos não ditos dentro de uma comunidade. "Educação", rodado
na Inglaterra, filme de época
não só pelas roupas e cenários,
mas pelas características da
mentalidade coletiva que se insinua discretamente em tudo,
permite refinar essa qualidade
central de seu cinema.
Capitu
O sedutor tem uma cara sincera, é sincero. Uma coisa, porém, são os afetos. Outra, o que
está fora deles. Essa sinceridade convicta recobre o mundo
de um véu bem ilusório. No caso, foi pedagógica. Amores e
prazeres fortaleceram essa
adorável Jenny de olhos brilhantes, sempre, de algum modo, vitoriosa. Hoje, quando
crianças e adolescentes são
protegidos como seres quase
sagrados, "Educação" explica
que se expor e arriscar são virtudes formadoras.
jorgecoli@uol.com.br
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