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+ Cultura
Choque de identidades
O pensador Tzvetan Todorov fala do palestino Edward Said, que morreu
há cinco anos
TZVETAN TODOROV
Edward Said [1935-2003] foi um dos intelectuais mais conhecidos e mais influentes do mundo.
Autor de cerca de 20 livros,
pareceu viver várias vidas ao
mesmo tempo. Crítico literário no início, na veia de Georg
Lukács e de Erich Auerbach,
ele deveu sua notoriedade a
trabalhos sobre as identidades
culturais e o encontro das culturas, os nacionalismos e os
imperialismos.
Foi também uma das vozes
mais ouvidas em favor da causa palestina, mas cuidava para
que sua defesa "levasse totalmente em conta o povo judeu
e seus sofrimentos, das perseguições ao genocídio".
Said nasceu em Jerusalém.
Cresceu no Cairo e estudou
em um colégio britânico. Partiu para os EUA aos 16 anos,
onde passou pelas universidades de elite de Princeton e
Harvard, antes de lecionar, a
partir de 1963, em Columbia
(Nova York), onde ficou até o
fim da vida.
Em seus primeiros anos lá,
parece se fundir no molde
americano. Mas a Guerra dos
Seis Dias (1967) se encarrega
de lhe lembrar de sua origem e
o leva a buscar um equilíbrio
entre as duas vertentes de seu
ser, a levantina e a ocidental.
Consegue-o a partir de um
livro de 1978, "Orientalismo"
[Cia. das Letras], dedicado ao
discurso habitual dos escritores, intelectuais e políticos
ocidentais sobre "o Oriente".
Permanece ativo até a morte.
Muito cedo na vida, Said
percebe que é dotado de uma
"identidade das mais incertas:
um palestino escolarizado no
Egito, com prenome inglês e
passaporte americano".
Assim, ao final de seus estudos superiores, não sente a
menor tentação de voltar "para casa" (coisa que não existe)
e compreende "que um retorno ou um repatriamento integral é impossível".
Acaba por se reconhecer na
figura do intelectual em diáspora, habitando uma cidade
cosmopolita como Nova York.
Mas não ignora que, nisso, segue o exemplo de numerosos
intelectuais e artistas judeus.
Aceleração de culturas
Descobre que essa experiência encarna um dos traços característicos do mundo moderno: a aceleração dos contatos entre culturas e a pluralidade interna de cada identidade. O "orientalismo" é uma
construção artificial, mas o
mesmo ocorre com o "ocidentalismo" difundido entre os
inimigos do Ocidente. Por isso,
Said é adversário da tese do
"choque de civilizações".
Se o exílio ocorre em condições favoráveis, oferece várias
vantagens. O indivíduo vê cada
uma de suas culturas ao mesmo tempo por dentro e por fora, o que lhe permite examiná-las com um olhar crítico.
Said estabelece uma aproximação entre essa condição e a
do intelectual em geral. Este
último deve idealmente manter-se afastado das autoridades, mas também de todas as
afiliações impostas. Defensor
veemente do laicismo, adversário de todo nacionalismo,
critica com a mesma acuidade
o governo dos EUA e a Autoridade Palestina.
Said pagou caro por seu envolvimento: seu escritório na
universidade foi incendiado, e
ele e sua família receberam diversas ameaças de morte. Apesar disso, manteve a convicção
de que "a principal questão
que se coloca ao intelectual
hoje" continua sendo a do "sofrimento humano".
TZVETAN TODOROV é filósofo búlgaro radicado na França e está lançando no Brasil "O Espírito das Luzes" (ed. Barcarolla).
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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