São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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1. Pressão de boas-vindas

O suor pingava do meu rosto e escorria por baixo da camiseta branca e pelas pernas, sob as calças jeans e o forte sol da zona oeste do Rio. Fazia 33º C às 10h45 de 3 de janeiro, verão carioca. A partir daquele dia, era tecnicamente PM. Ficar de pé e em forma militar, desde as 7h30, nas posições de "sentido" e "descansar", era o primeiro teste para 450 -mais nove se juntariam ao grupo- dos mais bem colocados entre 25 mil candidatos do concurso da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Eu e os outros aprovados após sete meses de seleção, todos com até 30 anos e cabelos cortados à máquina, já estávamos ali havia mais de duas horas. Continuaríamos em forma ou correndo até as 14h30, sem alimentação e com breves intervalos para beber água: sete horas debaixo de sol, de calças jeans, camiseta e tênis.
Às 8h15, um candidato balbucia que está passando mal. Está cinza e cambaleia.
A imobilidade militar pode causar tontura, por falta de circulação do sangue. O "bizu" (dica) é mexer só os dedos dos pés. Chamo o cabo, e o rapaz vai ao departamento médico. "Só se mexe se for cair", repetiria o tenente comandante da 2ª Companhia, onde todos passarão seis meses de treinamento e dois meses de estágio para serem PMs "prontos".
Um caiu, desmaiado, e outro passou mal duas vezes no campo de futebol do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, em Sulacap.
Às 10h30 fico enjoado. A tontura e a náusea aumentam, dá vontade de vomitar. Levanto o braço e saio de forma, amparado por um PM até o pelotão. Molho a fronte, empurram minha cabeça para baixo enquanto a forço para cima, como fazem jogadores de futebol.
Melhoro em minutos, sentado, ao lado de dois recrutas na mesma situação.

Abnegação
Após perguntar se já estou recuperado "mesmo", um aspirante a oficial me autoriza a voltar à forma -e ao sol. Quase cem passaram mal. "Não gostou? É fraco? Pede para ir embora! Ninguém está aqui obrigado", repetem os instrutores, ao estilo "Tropa de Elite".
A companhia é um pátio de 100 metros por 30 metros, cercado por uma construção em U. Cada perna do U tem quatro pelotões (cerca de 60 recrutas cada), casas com sala de aula, banheiro e armários. Na base do U, ficam a sede administrativa e alojamentos.
Os primeiros dias são de adaptação e pressão, para ver quem realmente quer ficar. "Precisa ter abnegação. Não tem Carnaval, Réveillon. Não é para todos", diz o tenente comandante da companhia.
"Para vocês que vieram das Forças Armadas: aqui não tem tiro em melancia, não! Aqui o combate é real! Acabou tiro em melancia!", grita um oficial.
Um tenente perguntou, aos berros, a um ex-integrante das Forças Especiais do Exército: "Tu é baiano? Tu é baiano? Então por que está com a mão na cintura?". Alguns se contagiam. "Quero ser mau, aprender a ser mau. O que sei da PM é subir morro e quebrar vagabundo", disse um aluno, ex-militar.
Às 19h35 do primeiro dia, cheguei em casa queimado de sol e cansado, com idéia da rotina que enfrentaria 30 dias e, meus colegas, oito meses.


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