São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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2. Escondendo a farda

Oficialmente, o horário é de 8h às 16h50, entre aulas teóricas e treinos; na prática, é de 7h às 18h, 18h30. Nenhum dia saí às 16h50. Sexta-feira é meio expediente, e quem não está de serviço na limpeza ou guarda é liberado às 12h (teoricamente), para reduzir despesas.
A rotina é dura. Acordava às 5h30 e saía de casa, no Leblon (zona sul), às 6h, barba feita e cabelo cortado. Chegava às 19h30, exausto e sem disposição para nada, a não ser comer e dormir. Não há tempo para resolver problemas. "Programem tudo para sexta."

Paranóia
Submetido à disciplina militar, sonho diariamente com marchas e canções. Descobri que não era o único. "É lavagem cerebral", diz um ex-marinheiro. Passamos o tempo todo em forma -para chamadas, ir embora, cantar músicas ou instrução no pátio-, marchando, "vibrando" ou correndo, em deslocamentos. A exceção é para ir e voltar do rancho (refeitório).
Os pelotões têm vidas autônomas e raramente se misturam. Ao chegarem marchando e cantando ao rancho, os oito pelotões são dispostos no pátio.
Em dias de sol, esperamos, desabrigados, os colegas terminarem; dependendo da chuva, podemos ficar sob as marquises. "Está achando ruim, pede para sair! Aqui não é para todos. Não gostou, pega a mochila e vai embora", dizia o tenente.
Ao fim do primeiro dia de treinamento, fora do quartel, um rapaz me chama. "Vou dar um "bizu" [dica]: não sai de camisa branca e calça jeans, cabelo reco. Saem todos assim. Traz outra blusa. Já morreram dois ou três. Na minha turma (2005) foi um. Recruta é "duro", um monte no ônibus, cabelo raspado, é "uniforme", polícia."
A paranóia é grande. Colegas de carona -quatro "recos" no carro- vêem em cada motoqueiro com garupa um potencial assaltante. "Acelera! Não dá mole!" Dos 151 policiais mortos em 2007, só 32 estavam em serviço; 119 (79%) morreram na folga, em assaltos, homicídios ou brigas.
Quando o uniforme de PM foi distribuído, diante da excitação da tropa, um oficial alertou: "Vejo um monte de coturnos. Qual é a necessidade de levar para casa? Vão ficar engraxando no fim de semana? Têm paixão pelo coturno? É risco desnecessário! Com o "boot" ainda dá para dizer: "Sou reservista do Exército". Mas a farda, não tem jeito. Sou totalmente contrário, é perigoso. Para que levar no ônibus? Todo mundo é do Rio, não preciso explicar muito, né? Não tem mistério. Não levem a farda para casa!".

"Ônibus é sinistro"
Apesar do aviso, a maioria levou, para tirar fotos e mostrar à família e à namorada. A questão é como esconder a farda e a carteira policial. No carro, pôr no porta-malas, ao avesso, dentro da mochila, ou sob o banco traseiro. No ônibus, "rezar muito". "A carteira de PM, esconde na identidade. Se "babou", joga pela janela do ônibus. Mochila, roupa, carteira... pela janela. Me assaltaram e graças a Deus tinha esquecido a arma."
Outro instrutor sugere ter carro: "Não andem a pé ou de ônibus, é risco grande. Ônibus é sinistro! Bota o nome na oração, mãe-de-santo, mesa branca, pede a Deus para proteger."


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