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"Vai morrer!"
Empolgado e falando como
uma metralhadora, um candidato relata cenas de guerra vistas no canal Discovery. "Meu
irmão, troca de tiros no Iraque,
o tiro comendo! Os caras atrás
do tanque, dando de fuzil, tiro
pra caralho! O Blackhawk no
ar, tututututu, maior barulheira, maluco, alucinante... Fico
até arrepiado, puta que o pariu!
O cara com uma 50 [calibre de
arma], dando tiro, com aqueles
óculos grandes e olhões arregalados... Queria estar lá!"
Tal é a empolgação que os colegas, espremidos na clínica do
exame laboratorial, ficam em
silêncio. "Esse é vibrador mesmo!", comentou um. "Maluco,
tenho ódio de vagabundo! Já
odiava antes e agora odeio ainda mais! Quero ser do Bope."
A violência e o medo da morte já estão infundidos nos recrutas, a maioria com parentes
ou amigos na corporação.
Durante o curso fica a impressão de que oficialmente a
PM não tolera corrupção e desvio para o crime, mas admite a
violência, inclusive letal, contra
criminosos. "Troca tiros com o
vagabundo na favela... Ele se
rende. Vai prender? Eu vou
matar!" Outro concorda. "Claro que vou matar. O cara baleou
companheiro, te deu tiro, aí fica
encurralado, se rende: "Perdi'?
"Perdi" o caralho! Vai morrer!"
Eu argumento que é ilegal,
que a função da polícia é prender. "Não matar é criar um animal na jaula, que vai te atacar.
Não conhece a Justiça? O cara
fica dois anos preso, aí vai para
a rua. Se ele te vir, vai te matar.
É ilegal, mas é assim."
O primeiro bate no meu ombro. "Se você entrar na PM com
essa de "prender", é bom rezar
muito! Direitos humanos para
quem é humano!"
Pergunto a um se terá arma.
"Claro, vai matar com a arma
da PM?" Ao fim de uma aula,
outro comenta: "Vai matar com
muita vontade? Eu vou! A cada
bandido que matar, vou agradecer a Deus: "Obrigado, Deus,
por mandar esse bandido'".
As polícias do Rio mataram
1.330 pessoas em 2007. A média é de 41,6 civis mortos em
confronto por cada policial
tombado. Para os instrutores, é
a realidade do confronto no
Rio. "Tiroteio. Cerca o criminoso, e acaba a munição dele. Metralhou. Isso é corriqueiro.
Também, fazer o quê? Levar
preso? Não estou falando isso
[que se deve matar]... Cada um
sabe de si."
As aulas oscilam entre instruções oficiais, corretas, e comentários pessoais. "Só pode
usar a arma em legítima defesa.
Não pode atirar pelas costas. É
absurdo? É. Mas não pode. O
uso da força deve ser moderado
e proporcional. Se ficar em cima da lei, não tem risco." Um
aluno comenta: "O complicado
é grupo de direitos humanos."
"Tropa de Elite"
Perguntam se cenas de assassinato como as do "Tropa de
Elite" acontecem.
"O Bope é PM como a gente.
Dá tiro nas costas de alguém e
deixa ser pego... Fica na mesma
cela do PM corrupto. Filme é
filme. Se fez errado e descobrem, será punido. Mas têm
dúvidas de que fazem isso todo
dia? Vocês vão aprender na rua:
deu tiro pelas costas, pega a arma, põe na mão do cara, dá um
tirinho e alega legítima defesa.
Talvez eu fizesse isso no calor
da emoção, filho. Mas isso é na
rua, aqui não é lugar para
aprender isso. Arma de fogo é
para legítima defesa sua ou de
terceiros. Só. Massifica isso",
diz o instrutor.
O perigo antecede a carreira.
Na seleção, um rapaz levanta a
camisa e exibe enorme cicatriz,
cortando seu tórax e abdome
até abaixo do umbigo. Lembra
aquelas de desenho animado,
os pontos desenhados na pele.
Com sorriso sinistro, conta
como quase morreu após ser levado por bandidos a uma favela, com amigo PM. "De repente
o traficante atirou no meu amigo. "Meti o pé", corri que nem
maluco, e os caras atiraram de
fuzil. Senti duas porradas, mas
continuei, na adrenalina. Só parei lá embaixo. Tinha levado
um tiro nas costas e um no braço esquerdo." Passou três meses internado. Todos ouvem o
relato estáticos. "Mas tu não
guardou (sic) a bala?", pergunta
um. "Para quê? Guardei a cicatriz. Ficaram as marcas e o ódio
no coração. Quem eu pegar,
não vou aliviar."
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