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4. De arma na mão
Com o aumento da violência,
a PM adotou procedimentos
mais agressivos de abordagem.
A técnica é usada para suplantar a surpresa: as abordagens
devem ser na posição "caçador"
(arma apontada) e em superioridade numérica -o que é freqüentemente desrespeitado.
"Se não diminuir a margem
de risco, pode não voltar para
casa. O Rio é o Estado mais perigoso do Brasil, não tem jeito.
É o único em guerra. Se não estiver bem preparado, vai cair",
diz um aspirante. "Arma é sempre apontada. É grosseiro? Pode ser. Mas quem senta a bunda
na viatura 12 horas correndo
risco é o PM. Sem deixar de ser
cortês, mas vai arriscar sua carcaça de madrugada? O Rio não
é Minas Gerais", diz outro.
Pergunto a um sargento se
pode pôr o cano do fuzil para
fora da janela do carro, como é
comum ver.
"No Rio de hoje, o fuzil tem
de estar à mão. Bota ali, bico
pra fora. Em certas áreas de risco, é bico pra fora e porta aberta: já é rotina normal policial. A
população às vezes fica assustada, mas não vai dar mole." Descubro que perseguições, com
tiroteios, são proibidas. "Estamos cansados de ver perseguição, mas é errado. É para acompanhar e fazer o cerco", diz o
sargento.
A PM também aboliu o termo "suspeito", para evitar discriminação; usa "atitude suspeita". O recruta é orientado a
ser cauteloso e seguir o "Decálogo do PM" (leia na pág. 7).
"Se encostar na favela em
frente ao beco, nem sai do carro
[morre antes]. Acabou a época
do "cada um vai a um beco". Não
vai à culha [de qualquer maneira] que vai se arrebentar. Se tiver de aprender uma coisa,
aprenda a técnica."
Os instrutores atribuem
mortes à desatenção e à inobservância de normas. "Outro
dia morreram dois no carro.
Duas horas da manhã, senta para descansar as pernas, quem
faz a segurança de quem? Vão
os dois "pro saco"."
Educação e cortesia
Uma frase recorrente é o nono item do decálogo: "Seja educado e cortês no trato. Atitude
não é sinônimo de grosseria".
A corporação tenta mudar a
imagem de truculência. "Vai
dar tapa na cara na blitz, gritar
com o cara? Mandar deitar no
chão? Precisa? Vai botar o fuzil
na cara? Mas vai apontar a arma. É desagradável? Pode ser,
mas o mais importante é a segurança do PM."
Um aluno pergunta se deve
atirar em quem foge de abordagem. "Claro que não. Tem gente que se assusta. A PM deveria
ter "jacarés", para furar pneus,
mas não tem. Não pode atirar...
Corre atrás. Se atirar, vai explicar! No Complexo do Alemão,
sete ou oito mortos tinham tiros pelas costas. Vai explicar ao
juiz depois!?"
Somos orientados ao "uso
moderado da força". "Posso bater?" Pode, mas bate direito!
Vocês terão aula de defesa pessoal [tivemos apenas uma no
primeiro mês]. O bastão policial é para atingir perna, braço,
bunda."
Nosso primeiro contato com
armas é com o revólver 38, e a
pistola 380, arma do PM, que
aprendemos a desmontar. O
instrutor é competidor de "tiro
prático". "Mesmo não sendo
militar tenho muito a passar; se
tirarem proveito, sairão atirando bem. A realidade do tiro na
PM não é boa, é ruim. Cansei de
ver "polícia" com cordão de ouro, carro do ano, a loira mais
bonita da rua, Glock "fria" na
cintura: o cara dá 19 tiros, e o
outro continua correndo. Erra
nove de dez tiros parado. De
que adianta? É melhor ter um
38 de seis tiros e acertar o alvo."
A PM é pobre, e isso se reflete
na falta de estrutura durante o
treinamento. Usa-se munição
recarregada, mais barata e
"passível de problemas", admite o instrutor.
As armas são velhas, e os tiros, poucos. "Nos batalhões, dificilmente vão ver armas quebradas, porque têm pouco uso;
aqui tem muita. Terão o prazer
de ver uma quebrar", disse o
instrutor.
"Há armas imundas. O PM
antigo vai te ver limpando a arma e falar: "Tá de babacada!"
Não fazem nada disso. Vai ao
Bope para ver se não limpam! É
instrumento de trabalho e segurança, como a marreta é do
pedreiro. Vê as viaturas, como
estão? As armas são iguais. O
Estado tem culpa? O PM tem
muito mais. Se a arma não funciona, não tem volta, já era."
O instrutor explica uma possível razão para os 234 casos (16
fatais) de bala perdida no Rio,
de janeiro a setembro de 2007:
"A munição atravessa parede e
pega onde não deve".
O professor, porém, pondera.
"É muito bonito falar na sala de
aula. Na situação real, usa-se o
poder de fogo para não morrer.
Me disseram uma vez: "Se não
déssemos tiro à culha, não sairíamos vivos. De todos os becos
saía traçante [tiro com rastro
luminoso]. Parecia casa de fogos explodindo... O reboco
caindo na gente."
Em sua opinião, o revólver é
uma boa arma, mas pouco adequada para o Rio, por ter apenas seis projéteis e ser difícil de
recarregar, em tiroteio.
"Não tem essa história de
que, "se não resolver com seis,
não resolve mais". Se não resolver com seis, resolvo com 17
(pistola). Se não resolvo com 17,
resolvo com 34, com 68... Vou
dar tiro até acabar. Morrer é a
última coisa. É o que faz a diferença do PM do Bope", disse, tirando três carregadores de pistola dos bolsos e dois da perna.
Passividade
Para ele, é inconcebível o PM
andar desarmado. "A situação é
essa pela passividade de todos.
Se todo mundo com porte andasse armado, o Rio não estaria
como está. Somando policiais a
militares, seriam 200 mil armados. Não iriam se aventurar
a fazer assaltinho em sinal. O
país não tem cultura de arma.
Vi reportagem sobre uma família em Nova Orleans [EUA]:
marido, mulher e filho de 12
anos com escopeta na mão. Vai
entrar na casa? Aqui, ó!"
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