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6. Corrupção
Um candidato me diz, ainda
na seleção, que vai para o batalhão do irmão, oficial. Pergunto
se a área, de duas grandes favelas com tráfico, não é perigosa.
"Tranqüilo! Tá tudo "arregado"
[arreglado]. Meu irmão ganha
R$ 2.000 por mês lá." Do tráfico? "De vans e comércio. Quando a PM chega, os traficantes
falam no rádio: "Tá tranqüilo, é
tudo estrela [oficial]"."
O rapaz foi barrado, mas casos como esse preocupam a
PM, que tenta doutrinar os alunos contra a corrupção e os
desvios para o crime.
O tenente comandante da
companhia avisa: "Se vieram
com expectativa de ficar ricos,
casa na praia, ouro no corpo,
carro do ano, estão no lugar errado. PM tem de viver do salário. Quando vieram, sabiam
quanto era. Vai ter carro? Vai.
Vectra? Não. Se ouviu história
de PM com carro do ano, casa
de praia, rico... Pode até ser digno, com outra atividade legal,
mas essa não é a realidade [da
maioria]".
Segundo ele, "90% dos PMs
são dignos". "Vocês já ouviram
falar mal de PMs. É porque o
primeiro contato foi com um
PM molambento, lixento, gordo, mal-educado. Se a apresentação é ruim, fica a má impressão da corporação. O PM não
pode perder a dignidade e a
honra."
"Canibalismo"
Alunos relativizam, dizendo
que "na pista" é diferente. "O
sargento antigão te dá o dinheiro [propina]. Aí, você: "Não,
não, sargento, não quero, não!".
E o cara: "Pára com essa porra,
soldado, toma esse dinheiro aí!
Não perturba, toma essa porra
logo, não enche o saco!"."
Recrutas perguntam se é
possível atuar em equipe desonesta sem "pegar dinheiro". "É
só dizer "não" e pedir para sair
do grupo. Não é entregar. Os caras vão te respeitar, porque sabe o podre deles e não revelou."
Nem sempre os conselhos
surtem efeito. "Quero ir para o
Trânsito: rende uma moeda", ri
um aluno. "Não quero uniforme, quero a carteira. Ganho um
dinheiro e em dois anos vou para o Nordeste", diz outro.
Um ex-fuzileiro naval, que
planeja ser do Bope, deixa claro: "Se continuar com esse pensamento, eu mesmo vou te
prender". As chances de irregularidades são amplas. "A PM dá
munição para a arma pessoal?",
pergunta um. "Quem dá é vagabundo: munição que você
apreende na favela e não apresenta ao batalhão", diz outro.
"Canibalismo", furtos de peças e más condições de carros
não são só cenas de "Tropa de
Elite". "Quem garante que o
pneu careca não estava novo, a
bateria ótima e trocaram por
uma velha? Não estou falando
nada, mas pode acontecer. O
máximo que terá, se encontrar,
é macaco, chave de roda e estepe. Não sabe se o colega saiu
com estepe e entregou sem. Está errado, relata", diz um PM.
Propina miúda
Ainda na fase de seleção, durante a prova intelectual, dois
ex-Reservistas da Paz (programa com jovens em apoio à PM,
já extinto) contam que não
prendiam ninguém na zona sul.
"Quando pega [assaltante], a
gente dá um pau. É mais fácil
bater que prender. Leva para o
canto, não vai fazer na frente de
todo mundo. Prender dá muito
trabalho: perde o dia e não come. Um dia fiquei na delegacia
das 13h às 22h."
Outro relatou o trabalho no
Maracanã. "De vez em quando,
a porrada estanca. Mas jogo é
bom, porque dá para ganhar R$
5 dos cambistas para deixá-los
furar a fila."
Em fevereiro vi alunos no estádio, de cassetete, revistando
torcedores, corteses e corretos.
Em outro momento, um grupo graceja dos pedidos de propina. "Um amigo deu uma garrafa de água mineral!"
A outro, o PM chegou perguntando: "O que você tem pra
perder aí?" Levou o lanche do
McDonald's. Todos riem. "Ninguém quer dividir o "arrego"
[propina] com o Bope! Mas, na
hora que o tiro come, chama o
Bope!" Comenta-se então que a
PM tem fama de corrupta.
"Uma injustiça!", riem todos.
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