São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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6. Corrupção

Um candidato me diz, ainda na seleção, que vai para o batalhão do irmão, oficial. Pergunto se a área, de duas grandes favelas com tráfico, não é perigosa. "Tranqüilo! Tá tudo "arregado" [arreglado]. Meu irmão ganha R$ 2.000 por mês lá." Do tráfico? "De vans e comércio. Quando a PM chega, os traficantes falam no rádio: "Tá tranqüilo, é tudo estrela [oficial]"."
O rapaz foi barrado, mas casos como esse preocupam a PM, que tenta doutrinar os alunos contra a corrupção e os desvios para o crime.
O tenente comandante da companhia avisa: "Se vieram com expectativa de ficar ricos, casa na praia, ouro no corpo, carro do ano, estão no lugar errado. PM tem de viver do salário. Quando vieram, sabiam quanto era. Vai ter carro? Vai. Vectra? Não. Se ouviu história de PM com carro do ano, casa de praia, rico... Pode até ser digno, com outra atividade legal, mas essa não é a realidade [da maioria]".
Segundo ele, "90% dos PMs são dignos". "Vocês já ouviram falar mal de PMs. É porque o primeiro contato foi com um PM molambento, lixento, gordo, mal-educado. Se a apresentação é ruim, fica a má impressão da corporação. O PM não pode perder a dignidade e a honra."

"Canibalismo"
Alunos relativizam, dizendo que "na pista" é diferente. "O sargento antigão te dá o dinheiro [propina]. Aí, você: "Não, não, sargento, não quero, não!". E o cara: "Pára com essa porra, soldado, toma esse dinheiro aí! Não perturba, toma essa porra logo, não enche o saco!"."
Recrutas perguntam se é possível atuar em equipe desonesta sem "pegar dinheiro". "É só dizer "não" e pedir para sair do grupo. Não é entregar. Os caras vão te respeitar, porque sabe o podre deles e não revelou."
Nem sempre os conselhos surtem efeito. "Quero ir para o Trânsito: rende uma moeda", ri um aluno. "Não quero uniforme, quero a carteira. Ganho um dinheiro e em dois anos vou para o Nordeste", diz outro.
Um ex-fuzileiro naval, que planeja ser do Bope, deixa claro: "Se continuar com esse pensamento, eu mesmo vou te prender". As chances de irregularidades são amplas. "A PM dá munição para a arma pessoal?", pergunta um. "Quem dá é vagabundo: munição que você apreende na favela e não apresenta ao batalhão", diz outro.
"Canibalismo", furtos de peças e más condições de carros não são só cenas de "Tropa de Elite". "Quem garante que o pneu careca não estava novo, a bateria ótima e trocaram por uma velha? Não estou falando nada, mas pode acontecer. O máximo que terá, se encontrar, é macaco, chave de roda e estepe. Não sabe se o colega saiu com estepe e entregou sem. Está errado, relata", diz um PM.

Propina miúda
Ainda na fase de seleção, durante a prova intelectual, dois ex-Reservistas da Paz (programa com jovens em apoio à PM, já extinto) contam que não prendiam ninguém na zona sul.
"Quando pega [assaltante], a gente dá um pau. É mais fácil bater que prender. Leva para o canto, não vai fazer na frente de todo mundo. Prender dá muito trabalho: perde o dia e não come. Um dia fiquei na delegacia das 13h às 22h."
Outro relatou o trabalho no Maracanã. "De vez em quando, a porrada estanca. Mas jogo é bom, porque dá para ganhar R$ 5 dos cambistas para deixá-los furar a fila."
Em fevereiro vi alunos no estádio, de cassetete, revistando torcedores, corteses e corretos.
Em outro momento, um grupo graceja dos pedidos de propina. "Um amigo deu uma garrafa de água mineral!"
A outro, o PM chegou perguntando: "O que você tem pra perder aí?" Levou o lanche do McDonald's. Todos riem. "Ninguém quer dividir o "arrego" [propina] com o Bope! Mas, na hora que o tiro come, chama o Bope!" Comenta-se então que a PM tem fama de corrupta. "Uma injustiça!", riem todos.


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