São Paulo, Domingo, 18 de Julho de 1999
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Nos limites do Estado

Frence Presse
Artistas alemães equilibram-se em objetos que imitam o euro, moeda adotada em janeiro deste ano por mais de 11 países europeus


JÜRGEN HABERMAS
especial para a Folha

Na introdução de um volume sobre "Dinâmica Global e Universos de Vida Local", pode-se ler que "a questão primordial hoje é saber se, para além dos Estados nacionais, num plano supranacional e global, o poder destrutivo ecológico -bem como social e cultural- do capitalismo planetário pode ser novamente posto sob controle" (1). A função de pioneirismo e liderança dos mercados é incontroversa. Mas os mercados reagem somente a informações codificadas na linguagem de preços. Eles são surdos a efeitos externos que eles produzem em outros campos. Isso dá motivo para que Richard Münch, um sociólogo liberal, tema o esgotamento de recursos naturais não-renováveis, uma alienação cultural em massa e erupções sociais, caso não se logre conter com muralhas políticas aqueles mercados que batem em retirada, por assim dizer, dos Estados nacionais enfraquecidos e espoliados.
É certo que, durante o pós-guerra, os Estados das sociedades capitalistas desenvolvidas mais aguçaram do que abrandaram os distúrbios ecológicos; além disso, eles construíram sistemas de seguridade social com ajuda de burocracias que, centradas na assistência pública do Estado, não serviram propriamente como resguardo para seus clientes. Ao longo do terceiro quartel de nosso século, porém, o Estado social na Europa e em outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) compensou em grande parte as consequências indesejadas de um sistema econômico altamente produtivo.
Pela primeira vez o capitalismo não impediu, antes possibilitou, que se cumprisse a promessa republicana da inclusão igualitária de todos os cidadãos. De fato, o Estado constitucional democrático garante a igualdade também no sentido de que todos devem ter a mesma oportunidade de fazer uso de seus direitos. John Rawls, hoje o teórico mais influente do liberalismo político, fala nesse sentido do "fair value" de direitos repartidos com paridade. Em vista dos desabrigados, que se multiplicam em silêncio sob nossos olhos, vem à memória a frase de Anatole France: não é suficiente que todos tenham o mesmo direito de "dormir sob as pontes".
Quando compreendemos o texto de nossas Constituições nesse sentido material da realização de uma sociedade socialmente justa, a idéia da autolegislação, segundo a qual os destinatários das leis devem ser entendidos ao mesmo tempo como seus autores, ganha a dimensão política de uma sociedade que atua sobre si mesma. Ao construírem o Estado social na Europa do pós-guerra, políticos de todas as correntes se deixaram guiar por essa compreensão dinâmica do processo democrático.
Hoje temos consciência de que essa idéia só foi implementada, até agora, dentro dos moldes do Estado social. Mas, quando o Estado nacional, no contexto modificado da economia e da sociedade mundiais, chega aos limites de sua eficiência, põem-se em xeque, com essa forma organizacional, tanto a domesticação política de um capitalismo global desenfreado quanto o exemplo único de uma ampla democracia que funciona sofrivelmente. Será que essa forma de atuação democrática das sociedades modernas sobre si mesmas deixa-se ampliar para além das fronteiras nacionais?
Gostaria de investigar essa questão em três passos. Primeiro temos de conceber como se relacionam Estado nacional e democracia e de que modo essa peculiar simbiose encontra-se hoje sob pressão. À luz desse diagnóstico, descreverei então brevemente quatro respostas políticas às exigências da constelação pós-nacional, respostas estas que definem também as coordenadas nas quais hoje se desenrola a discussão sobre uma "terceira via". Esse debate, finalmente, abre caminho para uma postura ofensiva no tocante ao futuro da União Européia. Se os cidadãos de modo geral privilegiados de nossa região quiserem ao mesmo tempo considerar a perspectiva de outros países e continentes, eles têm que pleitear o aprofundamento federativo da União Européia, no propósito cosmopolita de criar as condições necessárias para uma política interna mundial.

O filósofo Jürgen Habermas discute a organização política da Europa sob o impacto da globalização econômica



1. Estado e democracia
As tendências evolutivas que hoje atraem a atenção sob a rubrica "globalização" modificam uma constelação histórica que se distinguiu pelo fato de o Estado, a sociedade e a economia estenderem-se, de certa maneira, de forma coextensiva dentro das mesmas fronteiras nacionais. O sistema econômico internacional, no qual os Estados traçam as fronteiras entre a economia interna e as relações de comércio exterior, transforma-se, na esteira da globalização dos mercados, numa economia transnacional.
São relevantes, em primeiro lugar, a aceleração dos movimentos universais de capital e a avaliação imperativa das posições nacionais por meio dos mercados financeiros, ligados globalmente em rede. Esses fatos explicam por que os atores estatais hoje não constituem mais os nós que emprestaram à rede global de relações de troca a estrutura de relações interestatais ou internacionais (2). Hoje são antes os Estados que se acham incorporados aos mercados, e não a economia política às fronteiras estatais.
O ímpeto de romper fronteiras não caracteriza, sem dúvida, apenas a economia. O estudo recém-publicado de David Held e colaboradores sobre as "Transformações Globais" contém, ao lado de capítulos sobre comércio mundial, mercados financeiros e corporações multinacionais (com cadeias produtivas de alcance global), capítulos sobre política interna mundial, acordos de paz e violência organizada, sobre as crescentes correntes migratórias, sobre novas mídias e novas redes de comunicação, sobre formas híbridas de culturas etc.
Esse "rompimento de fronteiras" da economia, da sociedade e da cultura, num processo de ampla progressão, afeta as condições de existência do sistema estatal europeu, que desde o século 17 foi erigido sobre bases territoriais e que, como antes, eleva à cena política os atores coletivos de maior relevância. Ora, a constelação pós-nacional põe de lado essa engrenagem construtiva entre, de um lado, a política e o sistema jurídico, e, de outro, a circulação econômica e as tradições nacionais dentro das fronteiras do Estado territorial. As tendências descritas sob a rubrica "globalização" não ameaçam somente no campo interno uma composição comparativamente homogênea da população -ou seja, o fundamento pré-político da integração dos cidadãos- por intermédio da imigração e da segmentação cultural. Ainda mais contundente é a circunstância de um Estado cada vez mais enredado na interdependência entre economia e sociedade mundiais perder autonomia e capacidade de ação, bem como substância democrática (3).
Abstraio dos prejuízos de fato da soberania dos Estados, a qual subsiste formalmente (4), e limito-me a três aspectos da privação de poder do Estado nacional: a) à perda da capacidade de controle estatal; b) a crescentes déficits de legitimação no processo decisório; e c) à progressiva incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações de comando e de organização.
a) A perda de autonomia significa, entre outras coisas, que o Estado isolado não é mais suficientemente capaz, com suas próprias forças, de defender seus cidadãos contra efeitos externos de decisões de outros atores ou contra os efeitos em cadeia de tais processos, que têm origem fora de suas fronteiras. Trata-se, por um lado, de "transposições espontâneas de fronteira", como ônus ambientais, crime organizado, riscos de segurança da alta tecnologia, tráfico de armas, epidemias etc., e, por outro, de consequências calculadas (mas a serem suportadas) por políticas de outros Estados, de cujo advento os envolvidos não tomaram parte -pense-se, por exemplo, nos riscos dos reatores atômicos, construídos para além das fronteiras e que não correspondem aos padrões de segurança do próprio governo.
b) Em vista da carência democrática de legitimação, sempre surgem déficits quando o círculo daqueles que tomam parte nas decisões democráticas não coincide com o círculo daqueles que são afetados por essas decisões. Menos evidente, embora mais duradouro, é o prejuízo causado à legitimação democrática quando se logra cobrir a crescente falta de coordenação, resultante da progressiva interdependência, com alianças interestatais.
A integração institucional do Estado nacional numa rede de alianças e regimes transnacionais cria em alguns campos políticos, é verdade, equivalentes para as competências perdidas no plano nacional (5). Porém quanto mais graves e numerosas são as matérias reguladas no curso das negociações interestatais, tanto mais decisões políticas são subtraídas à formação democrática da opinião e da vontade, formação esta ancorada unicamente nas arenas nacionais.
Na União Européia, o processo decisório em boa parte burocrático dos especialistas de Bruxelas é um exemplo de tal déficit democrático, que surge com o deslocamento das agremiações nacionais de decisão para as comissões interestatais, compostas de representantes do governo (6).
c) No centro do debate, no entanto, surge a restrição da capacidade interventiva, que o Estado nacional utilizou até agora como uma política social legitimadora. Com a justaposição, por um lado, do espaço de ação territorialmente restrito dos atores nacionais do Estado e, por outro, dos mercados globalmente ilimitados e dos fluxos acelerados de capital, desaparece a "integridade funcional da economia nacional": "Integridade funcional não deve ser equiparada a autarquia. (...) (Ela) não requer um suporte produtivo "integral", mas a confiável presença nacional daqueles fatores complementares -sobretudo capital e organização- de que depende a oferta de trabalho originada por uma sociedade, a fim de capacitar-se para a produção" (7).
Um capital que, na busca de possibilidades de investimento e ganhos especulativos, está por assim dizer isento do dever de presença nacional e vagabundeia à solta pode utilizar suas opções de retirada como uma ameaça, tão logo um governo preocupado com a amplitude da demanda, com padrões sociais ou garantias de emprego onere em demasia a posição nacional.
Os governos nacionais perdem, assim, a capacidade de esgotar os recursos tributários da economia interna, de estimular o crescimento e, com isso, de assegurar bases fundamentais de sua legitimação. Políticas de tributação da demanda acarretam efeitos externos que refletem de modo contraproducente na circulação econômica nacional (como no início dos anos 80, sob o primeiro governo Mitterrand), pois as Bolsas internacionais, nesse meio tempo, suplantaram a avaliação das políticas econômicas nacionais.
Em vários países europeus, a repressão da política por parte do mercado exprime-se no círculo vicioso de desemprego crescente, sistemas previdenciários de benefícios excessivos e contribuições minguantes. O Estado depara-se com o seguinte dilema: o aumento da tributação sobre a propriedade móvel e medidas de estímulo ao crescimento são tanto mais urgentes para as contas públicas quanto menos viáveis se mostram no interior das fronteiras nacionais.

2. As respostas políticas
A esse desafio existem duas respostas genéricas e duas respostas diferenciadas. A polarização entre os dois campos que intervêm genericamente a favor (a) ou contra (b) a globalização e a desterritorialização que motiva a busca por uma "terceira via", numa variante mais defensiva (c) ou mais ofensiva (d).
a) A tomada de partido pela globalização ampara-se numa ortodoxia neoliberal que, nas últimas décadas, conduziu a mudança para políticas econômicas orientadas pela oferta. Ela recomenda a subordinação incondicional do Estado ao imperativo de uma integração social planetária por meio dos mercados e aconselha um "entrepreneurial state", que se afasta do projeto de acomodação da força de trabalho e, sobretudo, da proteção estatal de recursos da esfera mundana.
O Estado, agrilhoado ao sistema econômico transnacional, abandona seus cidadãos à afiançada liberdade negativa de uma competição mundial e limita-se, quanto ao mais, a pôr regularmente à disposição infra-estruturas que tornem atraente sua própria posição sob a perspectiva da rentabilidade e fomentem atividades empresariais. Não posso entrar aqui em detalhes sobre as hipóteses do modelo neoliberal e a venerável disputa dogmática sobre a relação entre justiça social e eficiência do mercado (8); duas ponderações, contudo, impõem-se pelas próprias premissas dessa teoria.
Suponhamos que uma economia mundial absolutamente liberalizada, com mobilidade irrestrita de todos os fatores produtivos (inclusive a força de trabalho), passe algum dia a vigorar no prometido equilíbrio global das posições e na situação-limite de uma divisão simétrica de trabalho.
Mesmo sob essas premissas, seria necessário levar em conta, num período de transição, tanto em escala nacional quanto mundial, não apenas um aumento drástico da desigualdade social e da fragmentação da sociedade, mas também a corrupção dos critérios morais e da infra-estrutura cultural. Em perspectiva temporal, impõe-se portanto a questão de saber quanto tempo levará para atravessar o "vale de lágrimas" e quantas vítimas serão exigidas: quantos destinos marginalizados ficarão até lá pelo caminho, quantas conquistas civilizadoras irreparáveis cairão presa, até lá, da "destruição criadora"?

O furor protecionista leva água ao moinho da defesa etnocêntrica da multiplicidade e da defesa antimodernista das relações complexas de vida


Uma questão igualmente inquietante impõe-se também em vista do futuro da democracia. Isso porque os procedimentos e ajustes democráticos, que conferem aos cidadãos unidos a possibilidade de atuação política sobre suas condições sociais de vida, têm de esvaziar-se à medida que o Estado nacional perde funções e espaços de ação, sem que surjam para tanto equivalentes no plano supranacional. Streck chama isso de "poder de compra decrescente da cédula eleitoral" (9).
b) Como reação ao solapamento do Estado nacional e da democracia, forma-se por outro lado a coalizão daqueles que se defendem contra a decadência social dos perdedores efetivos ou potenciais da mudança estrutural e contra uma privação de poder do Estado democrático e de seus cidadãos. Mas o desejo enérgico de fechar as comportas faz com que, no final das contas, esse "partido da territorialidade" (Charles Maier) declare guerra aos fundamentos igualitários e universalistas da própria democracia.
O furor protecionista, em todo caso, leva água ao moinho da defesa etnocêntrica da multiplicidade, da defesa xenófoba do Outro e da defesa antimodernista das relações complexas de vida. O furor dirige-se contra tudo que ultrapassa fronteiras -contra traficantes de armas e drogas ou mafiosos que põem em risco a segurança interna, contra a enxurrada de informações e os filmes americanos que ameaçam a cultura pátria, ou contra o capital externo, os trabalhadores imigrantes e os refugiados, que são um perigo ao padrão de vida próprio.
Mesmo quando tomamos em consideração o núcleo racional dessas reações de defesa, é fácil enxergar por que o Estado nacional é incapaz de recuperar sua antiga força mediante uma política de enclausuramento. A liberalização da economia mundial, que teve início após o término da Segunda Guerra e, com base num sistema de taxas de câmbio rígidas, assumiu momentaneamente a forma de um "embedded liberalism", acelerou-se desde o fim do sistema de Bretton Woods (acordo firmado em 1944 com o objetivo de reestruturar o sistema financeiro internacional).
Esse não foi, porém, um desenvolvimento obrigatório. As injunções sistêmicas, cujo ponto de partida passou a ser o imperativo de um regime de liberdade firmemente lastreado na OMC (Organização Mundial do Comércio), são resultado do voluntarismo político. Embora os Estados Unidos tenham forçado as rodadas do Gatt, não se trata de decisões impostas unilateralmente, mas de decisões negociadas e de força cumulativa, avalizadas pela ação omissiva de vários governos isolados. E, como os mercados globalizados, no caminho de uma tal integração negativa, deram origem a inúmeros atores independentes, não há perspectiva para o propósito restaurador de anular, de forma unilateral, o resultado sistemicamente obtido de uma decisão concentrada, sem ter de esperar por sanções.
O impasse dos prós e dos contras entre os "partidos" da globalização e da territorialidade (Charles Maier) motivou a busca de uma "terceira via". Essa investida ramifica-se numa variante mais defensiva e noutra mais ofensiva. A primeira (c) parte do pressuposto de que o capitalismo sem barreiras mundiais não pode ser domado, mas sim amortecido nacionalmente, ao passo que a segunda (d) insiste na força plasmadora de uma política que se sobrepõe aos mercados sem rédea no plano supranacional.
c) Segundo a variante defensiva, não há como anular a subordinação da política ao imperativo de uma sociedade mundial integrada pelo mercado. O Estado nacional não deve cumprir somente um papel reativo em vista das condições de utilização do capital de investimento, mas também um papel ativo em todas as tentativas de qualificar os cidadãos da sociedade e capacitá-los à competição. A nova política social não é menos universalista do que a antiga. Mas ela não deve, em primeiro lugar, servir de resguardo contra os riscos-padrões do trabalho, e sim dotar as pessoas com qualidades empreendedoras típicas de "realizadores", que saibam cuidar de si próprios.
A conhecida máxima "ajuda para auto-ajuda" adquire o sentido economista de um treino de aptidão que a todos possibilite arcar com responsabilidades e tomar iniciativas, para poder afirmar-se competentemente no mercado e não ter, como "fracassado", de lançar mão da assistência social do Estado: "Os democratas sociais têm de mudar a relação entre risco e segurança envolvidos no Estado social, a fim de desenvolver uma sociedade de "apostadores responsáveis" ("responsible risk takers') nas esferas do governo, das empresas e do mercado de trabalho. A igualdade deve contribuir para a diversidade, e não lhe obstar o caminho" (10). Esse, sem dúvida, é apenas um aspecto, embora seja o ponto crucial do novo programa.
O que irrita os "velhos" socialistas nessa perspectiva de "Novo Centro" ou do "New Labour" não é somente a petulância normativa, mas também o questionável pressuposto empírico de que o trabalho remunerado, ainda que não na forma de relação normal de trabalho, continue a ser visto como "grandeza-chave da integração social" (11).
A tendência secular de um progresso técnico de crescente produtividade e poupador de trabalho e o simultâneo aumento de demanda -sobretudo de mulheres- no mercado de trabalho fazem com que a hipótese contrária do "fim da sociedade de pleno emprego" (Vobrbubra) não pareça de todo despropositada. Mas, quando se desiste do objetivo político do pleno emprego, é preciso ou rebaixar o padrão público da justiça distributiva ou divisar alternativas que onerem a posição nacional: projetos como a repartição do volume diminuto de trabalho assalariado ou a participação de camadas mais amplas na propriedade do capital dificilmente são implementáveis, a custos neutros, sob as dadas condições da economia mundial.
Do prisma normativo, os protagonistas dessa "terceira via" infletem para um liberalismo que considera a igualdade social exclusivamente sob o aspecto do "input" e a reduz a uma igualdade de oportunidades. À parte esse empréstimo moral, contudo, esfuma-se na percepção pública a diferença entre Margaret Thatcher e Tony Blair, sobretudo porque a novíssima esquerda ajusta-se ao ideário ético do neoliberalismo (12). Refiro-me à predisposição de entregar-se ao "ethos" de uma "forma de vida orientada pelo mercado" (13), "ethos" este que espera reconhecer em todo cidadão um "empresário de seu próprio capital humano" (14).
d) Quem não quiser fugir a tais preceitos tomará em consideração uma outra variante, ofensiva, da terceira via. Essa perspectiva deixa-se guiar pelo primado da política em relação à lógica do mercado: "Até que ponto se deve "dar rédea" à lógica sistêmica do mercado, onde e em quais conjunturas o mercado deve "prevalecer" -tudo isso, numa sociedade moderna, é uma questão em última análise de política deliberativa" (15). Isso cheira a voluntarismo, sobretudo por constar de um postulado normativo que, segundo nossas reflexões até agora, não pode ser solucionado dentro dos moldes nacionais.
Na busca de uma saída para o dilema entre o desarmamento da democracia do Estado social e o armamento do Estado nacional, é impossível, porém, não desviar a vista para unidades políticas maiores e regimes transnacionais que, sem terem necessariamente de romper a cadeia de legitimação democrática, possam compensar a perda de funções do Estado nacional. A União Européia, é claro, oferece-se como primeiro exemplo de uma democracia para além do Estado nacional. Contudo a criação de unidades políticas maiores em nada modifica o modo de concorrência, ou seja, a primazia da integração pelo mercado como tal. A política só será capaz de "ter precedência" sobre os mercados globalizados quando lograr produzir na política interna, a longo prazo, uma sólida infra-estrutura que não seja desvinculada dos processos democráticos de legitimação (16).
Falar da "precedência" de uma política que "se sobrepõe" aos mercados não deve sugerir, sem dúvida, a imagem de uma disputa pelo poder entre atores políticos e econômicos. As consequências problemáticas de uma política que assimila o conjunto da sociedade a estruturas do mercado explicam-se pelo fato de o poder político não se prestar à substituição pelo dinheiro, seja qual for a quantia.
O emprego de poder legítimo mede-se por critérios de êxito discrepantes dos econômicos; ao contrário dos ordenamentos políticos, os mercados não podem, por exemplo, ser democratizados. Mais adequada é a imagem de uma disputa entre meios diversos. A política que produz mercados é uma política auto-referente, na medida em que cada passo rumo à desregulamentação dos mercados significa ao mesmo tempo uma despotencialização ou uma autolimitação do poder político como o meio para implementar decisões coletivas vinculantes. Uma política dotada de precedência inverte esse processo; ela é política reflexiva com sinais trocados.

A Europa e o mundo
Quando se considera o atual estágio de desenvolvimento da União Européia a partir dessa perspectiva, chega-se a um resultado paradoxal: a criação de novas instituições políticas -a Comissão de Bruxelas, a Corte de Justiça européia e o Banco Central europeu- não significa por si só, absolutamente, um fortalecimento da política. A união monetária é o último passo de um caminho que, a despeito dos objetivos iniciais de Schumann, de Gasperi e Adenauer (respectivamente, primeiros-ministros francês e italiano e chanceler alemão, no pós-guerra), pode ser descrito em retrospectiva, de forma isenta, como "fruto intergovernamental do mercado" (17).
A União Européia apresenta-se hoje como uma área de proporções continentais, ligada em sentido horizontal pela densa rede do mercado, embora na política, em sentido vertical, seja regulada de forma comparativamente mais fraca, por autoridades cuja legitimação é indireta. Como os Estados-membros, ao transferirem sua soberania monetária ao Banco Central, perderam o expediente de controle das taxas de câmbio, surgirão problemas de uma nova grandeza com o esperado acirramento da competição no âmbito regional da moeda unificada.
As economias nacionais encontram-se em diferentes níveis de desenvolvimento e estão impregnadas de diferentes estilos econômicos. Até que dessa dispersão heterogênea surja uma economia integrada, provocará atritos a interação dos campos econômicos isolados, inscritos como antes em sistemas políticos divergentes. Isso vale sobretudo para as economias mais fracas, que têm de compensar suas desvantagens competitivas reduzindo salários, ao passo que as economias mais fortes temem o "dumping" salarial. Um panorama desfavorável esboça-se para os sistemas previdenciários, já hoje conflituosos, que permanecem sob a alçada nacional e cujas estruturas são completamente diversas.
Enquanto uns temem ser privados de suas vantagens de custo, outros receiam um nivelamento por baixo. A Europa é posta diante da alternativa de dar cabo desse problema recorrendo ao mercado como disputa entre posições e regimes sóciopolíticos ou trabalhá-los politicamente, na tentativa de obter uma "harmonização" e um ajuste gradual em questões relevantes da política social, tributária e do mercado de trabalho. No fundo, trata-se de saber se o status quo institucional de um compromisso interestatal de interesses nacionais é justificado, mesmo ao preço de um "run to the bottom", ou se a União Européia deve evoluir rumo a uma genuína federação, para além da condição atual de uma liga de Estados. Só então a Europa ganharia a força política para adotar medidas de correção do mercado e prescrever regras de efeito redistributivo.
Nas coordenadas do atual debate sobre a globalização, a escolha entre essas alternativas não custa nem aos neoliberais nem aos nacionalistas. Se os desesperados eurocéticos insistem na proteção e na exclusão em vista da união monetária agora em vigor, os europeus de mercado dão-se por satisfeitos com a fusão das moedas, a título de aperfeiçoamento do mercado interno. Em contraste com as duas posições, no entanto, os eurofederalistas aspiram a converter os tratados internacionais numa Constituição política, a fim de proporcionar às decisões da Comissão, do Conselho de Ministros e da Corte de Justiça européia uma base própria de legitimação. Disso divergem, por sua vez, os representantes de uma posição cosmopolita. Eles consideram um Estado federado chamado "Europa" como ponto de partida para o desenvolvimento de uma rede transnacional de regimes que, mesmo sem governo mundial, possam de algum modo efetivar a política interna global.
Entretanto o antagonismo básico entre eurofederalistas e europeus de mercado complica-se pelo fato de estes últimos, de maneira inconfessa, firmarem uma coalizão com aqueles antigos eurocéticos, que, com base na atual união monetária, buscam uma terceira via. Tony Blair e Gerhard Schroeder (primeiro-ministro inglês e chanceler alemão), ao que parece, não estão mais tão afastados de Hans Tietmeyer (presidente do Bundesbank).
Os europeus de mercado querem preservar o status quo porque ele sela a subordinação dos atores dispersos do Estado nacional à integração do mercado. É por isso que o porta-voz do Deutsche Bank pôde considerar a discussão sobre a federação de Estados ou o Estado federado como meramente "acadêmica": "No quadro da integração de espaços econômicos, desaparece toda diferença entre ação civil e econômica. Esse, aliás, é o objetivo central que se busca com os processos de integração" (18).
Dessa perspectiva, a disputa européia deve erguer o "tabu" que pesa sobre o patrimônio nacional, as empresas públicas de crédito e o sistema de previdência do Estado. A posição dos europeus de mercado repousa, sem dúvida, numa premissa partilhada também pelos partidários social-democratas do Estado nacional, que agora querem enveredar pela terceira via: "Remediar a limitação do poder estatal na era da globalização é impossível; (...) a globalização exige sobretudo o revigoramento das forças libertárias da sociedade civil", ou seja, "a iniciativa privada e a responsabilidade dos cidadãos" (19). A premissa comum explica uma inversão das alianças. Hoje, antigos eurocéticos respaldam os europeus de mercado na defesa do status quo europeu, se bem que por outros motivos e com outros objetivos. Eles não querem demolir a política social do Estado, mas desviá-la para investimentos em capital humano; de resto, os "amortecedores" sociais não devem concentrar-se exclusivamente em mãos privadas.
Assim é que a discussão entre neoliberais e eurofederalistas mescla-se com um debate entre as variantes defensiva e ofensiva da "terceira via", que ganha vulto no interior do campo social-democrata. Esse conflito não toca apenas a questão de saber se a União Européia, por meio de uma harmonização das diversas políticas nacionais tributárias, sociais e econômicas, pode recuperar o espaço de ação perdido pelos Estados nacionais. Ao menos o espaço econômico europeu, graças à densa malha regional de relações comerciais e investimentos diretos, desfruta ainda hoje de uma independência relativamente grande em relação à concorrência global.
O debate entre eurocéticos e eurofederalistas concentra-se sobretudo na questão de saber se a União Européia, em vista da multiplicidade dos Estados-membros, de seus povos, suas culturas e suas línguas, pode alcançar algum dia a qualidade de um autêntico Estado, ou se permanecerá presa, no futuro, aos horizontes do sistema de negociação neocorporativista (20).
Os eurofederalistas perseguem o objetivo de fortalecer a capacidade de governo da União, a fim de que possam ser implementadas políticas e regulamentos extensíveis a toda a Europa, os quais obrigarão os Estados-membros a uma ação coordenada, ainda quando eles tiverem por saldo a repartição de receitas. Dessa perspectiva, a ampliação da capacidade política de ação tem de avançar de mãos dadas com uma ampliação das bases de legitimidade.
Ora, é inegável que uma formação democrática da vontade européia, cuja característica será dar suporte e legitimar políticas ativamente coordenadas e de efeitos redistributivos, não pode existir sem um amplo fundamento solidário. A solidariedade cívica, até hoje restrita ao Estado nacional, teria de estender-se aos cidadãos da União da maneira, por exemplo, como suecos e portugueses dispõem-se a amparar uns aos outros. Só então lhes poderiam ser atribuídos salários mínimos de maior paridade possível, que propiciassem condições para projetos de vida individuais, embora impregnados, como antes, de caráter nacional.
Os céticos põem isso em dúvida com o argumento de que não há algo como um "povo" europeu, capaz de constituir um Estado europeu (21). Por outro lado, os povos surgem apenas com suas Constituições estatais. A democracia é ela própria uma forma juridicamente mediada de integração política. É claro que esta última depende, por sua vez, de uma cultura política pactuada por todos os cidadãos. Mas, quando se pensa que, nos Estados europeus do século 19, a consciência nacional e a solidariedade cívica só foram produzidas com ajuda da historiografia nacional, da comunicação de massas e do serviço militar, não há razão para derrotismo. Se essa forma artificial de uma "solidariedade entre estranhos" deve-se a um surto de abstração -repleto de consequências históricas- que deslocou a consciência local e dinástica para a consciência nacional e democrática, por que esse processo de aprendizado não teria seguimento para além das fronteiras nacionais?
Os obstáculos são grandes, não há dúvida. Uma Constituição não será suficiente. Ela não pode mais do que pôr em curso os processos democráticos nos quais terá, então, de deitar raízes. Como o elemento de consenso entre os Estados-membros não desaparece nem mesmo numa união politicamente constituída, um Estado federado europeu terá de adotar um estilo diverso dos Estados nacionais, e não simplesmente copiar as suas vias de legitimação (22).
Um sistema partidário europeu só se formará na medida em que os partidos existentes discutirem primeiro, em suas arenas nacionais, sobre o futuro da Europa e revelarem assim interesses que ultrapassem suas fronteiras. Essa discussão deve ser sincronizada em espaços públicos nacionais interligados em rede por toda a Europa, ou seja, devem versar sobre o mesmo tema num mesmo espaço de tempo, de modo que possa formar-se uma sociedade civil européia com associações de interesse, organizações não-estatais, iniciativas civis etc. A mídia de massas transnacional, por sua vez, só pode ensejar um contexto de comunicação poliglota quando os sistemas nacionais de ensino cuidarem de uma língua estrangeira como base comum. Assim os herdeiros de uma história européia comum, partindo de seus centros nacionais difusos, poderão encontrar-se cada vez mais numa cultura política comunitária.
Para finalizar, uma palavra sobre a perspectiva cosmopolita desse desenvolvimento. Um Estado federado europeu, graças à sua base econômica ampliada, potencializaria seus efeitos e gozaria, assim, de vantagens na competição global. Se o projeto federalista perseguisse apenas o objetivo de dar à luz um "global player" da magnitude dos Estados Unidos, seu desígnio continuaria particularista e não faria mais do que acrescentar à "Fortaleza Europa" uma dimensão econômica.
Diante disso, o neoliberalismo poderia até mesmo reivindicar a "moral do mercado", o juízo imparcial de um mercado mundial que já concedeu a oportunidade aos países emergentes de tirar proveito de suas comparativas vantagens de custo e recuperar, por suas próprias forças, o atraso que os programas bem-intencionados da política de desenvolvimento não haviam sido capazes de superar. Não preciso entrar em detalhes sobre os custos sociais dessa dinâmica de desenvolvimento (23). É difícil refutar, porém, que alianças supranacionais, criadoras de unidades políticas influentes, só são um projeto normativamente inofensivo quando o passo a ser dado não é maior do que a perna.
Com isso impõe-se a questão de saber se o pequeno grupo de atores influentes no cenário político mundial pode construir, no quadro de uma organização mundial reformada, uma rede por ora tênue de regimes transnacionais -e se quer utilizá-la de modo a ser possível uma mudança de curso rumo a uma política interna planetária sem governo mundial (24). Uma tal política teria de ser implementada sob o signo da harmonização, e não da homogeneização. O objetivo remoto seria superar, passo a passo, a cisão e a estratificação sociais da sociedade mundial sem danificar as peculiaridades culturais.


Notas
1. R. Münch, "Globale Dynamik, Lokale Lebenswelten", Frankfurt/M., 1998.
2. R. Cox, "Economic Globalization and the Limits to Liberal Democracy", in: A. McGrew (ed.), "The Transformation of Democracy?". Polity Press, 1997, págs. 49-72.
3. L. Brick, "Die Grenzen der Demokratie: Selbstbestimmung im Kontext des Globalen Strukturwandels", in: B. Kohler-Koch, "Regieren in Entgrenzten Räumen". PVS, Sonderheft, 29, 1998, págs. 271-92.
4. D. Held, "Democracy and the Global Order". Polity Press, 1995, págs. 99 ss.
5. M. Zürn, "Gesellschaftliche Denationalisierung und Regieren in OECD-Welt", in: Kohler-Koch (1998), págs. 91-120.
6. W. Scharpf afirma que os resultados de negociações intergovernamentais, graças à possibilidade de veto de cada uma das partes, possui "um fundamento próprio de legitimação na norma de que todos os envolvidos têm de aquiescer e que nenhum aquiescerá quando, por esse motivo, sua posição seja pior, no cômputo geral, do que no caso do fracasso das negociações". W. Scharpf, "Demokratie in der Transnationalen Politik", in: U. Beck (ed.), "Politik der Globalisierung". Frankfurt/M., 1998, pág. 237. O argumento não leva em conta o caráter derivado nem o aspecto restrito de uma tal legitimação, ou seja, não leva em conta a circunstância de que alianças supranacionais não se expõem à pressão legitimadora das arenas nacionais na mesma medida que as decisões intra-estatais, nem a circunstância de que a formação de vontade institucionalizada pelo Estado nacional deixa-se conduzir também por normas e valores intersubjetivamente reconhecidos, e não com base no puro compromisso, ou seja, não se esgota no acordo racional e eletivo de interesses. Do mesmo modo, a política deliberativa dos cidadãos e de seus representantes não se deixa reduzir a um assunto reservado a peritos. Cf. a justificação da "comitologia européia" por Chr. Joerges, J. Neyer, "Von Intergouvernementalem Verhandeln Zur Deliberativen Politik", in: Kohler-Koch (1998), págs. 207-34.
7. W. Steeck (ed.), "Internationale Wirtschaft, Nationale Demokratie". Frankfurt/M., 1998, "Introdução", págs. 19 ss.
8. J. Habermas, "Die Postnationale Konstellation". Frankfurt/M., 1998, págs. 140 ss.
9. Streek (1998), págs. 38.
10. A. Giddens, "The Third Way". Polity Press, 1998, pág. 100 (no Brasil, "A Terceira Via", Ed. Record); cf. ainda J. Cohen e J. Rogers, "Can Egalitarianism Survive Internationalization?", in: Streek (1998), págs. 175-94.
11. Zukunftskommission der Friedrich Ebert Stiftung (ed.), "Wirtschaftliche Leistungsfähigkeit - Sozialer Zusammenhalt und Oekologische Nachhaltigkeit". Bonn, 1998, págs. 225 ss.
12. Sobre essa terminologia, cf. Habermas, "Vom Pragmatischen, Ethischen und Moralischen Gebrauch der Vernunft", in: J. Habermas, "Erklärungen zur Diskursethik". Frankfurt/M., págs. 100 ss.
13. Th. Maak, Y. Lunau (ed.), "Weltwirtschaftsethik". Berna, 1998, pág. 24.
14. U. Thielmann, "Globale Konkurrenz, Sozialstandards und der Zwang Zum Unternehmertum", in: Maak, Lunau (1998), pág. 231.
15. P. Ulrich, "Integrative Wirtschaftsethik". Berna, 1997, pág. 334.
16. E. Richter, "Demokratie und Globalisierung", in: A. Klein, R. Schmalz-Bruns, "Politische Beteiligung und Bürgerengagement in Deutschland". Baden-Baden, 1997, págs. 173-202.
17. W. Streek, "Vom Binnenmarkt zum Bundesstaat?", in: S. Leibfried, P. Pierson (ed.), Standort Europa. 1998, págs. 369-421.
18. R. E. Breuer, "Offene Bürgergesellschaft in der Globalisierten Weltwirtschaft", "Frankfurter Allgemeine Zeitung", 04/01/1999.
19. Ibidem.
20. C. Offe, "Demokratie und Wohlfahrtsstaat: Eine Europaeische Regimeform Unter dem Stress der Europaeischen Integration", in: Streek (1998), págs. 99-136.
21. D. Grimm, "Braucht Europa Eine Verfassung?", Munique, 1995; cf. ainda J. Habermas, "Die Einbeziehung des Anderen". Frankfurt/M., 1996, págs. 185-191.
22. K. Eder, K. Hellman, H. Trenz, "Regieren in Europa Jenseits Oeffentlicher Legitimation?", in: Kohler-Koch (1998), págs. 321-44.
23. Cf. a introdução e as contribuições para a Parte 4 in: Maak, Lunau (1998).
24. Habermas (1998), págs. 156 ss.
Jürgen Habermas (1929) é um dos principais filósofos da atualidade. Doutorou-se em Bonn com uma tese sobre Schelling. Entre 1955 e 1959 foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais, em Frankfurt, onde colaborou com Theodor Adorno e Max Horkheimer. É autor, entre outros, de "Consciência Moral e o Agir Comunicativo" e "Direito e Democracia" (Edições Tempo Brasileiro).
Tradução de José Marcos Macedo.


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