São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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Ponto de fuga

Definições e expressões

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Romantismo, Impressionismo, Gótico. Cubismo, Renascimento, Surrealismo. Pop-Art, Cobra, Barroco. Estas palavras convergem num ponto: agrupar, classificar aquilo que se convencionou chamar de "movimentos" da arte e da cultura. É um denominador comum, mas leva ao engano de se imaginar que todas elas operam da mesma maneira. A generalidade do princípio termina por encobrir diferenças essenciais.
Romantismo não se refere a uma forma determinada nem a um gênero artístico específico, mas a uma sensibilidade, a uma disposição do espírito. Sabemos quando nasce; é mais difícil dizer quando morre, se é que morreu. Impressionismo vincula-se a um certo modo de pintar que brota nos anos de 1870. O termo é pictural; quando escorre para a música, para a escultura, torna-se impreciso. No Brasil, emprega-se, de vez em quando, a locução crítica (ou análise) impressionista, sugerindo um ensaio superficial, sem grande rigor, o que é bastante injusto para com a denominação.
Nenhum artista gótico sabia que o era, mas os do renascimento tinham clara consciência de pertencerem a um momento em que a cultura "renascia". Algumas dessas noções adquiriram formas intrincadas com o passar do tempo. Barroco, por exemplo, expressão fecunda e bela, já foi condenada por certos intelectuais contemporâneos que demonstram dificuldade diante da natureza movente e complexa própria à história da cultura.
Há noções que trazem em si, de modo intrínseco, valorização ou desvalorização: clássico ou moderno são títulos de nobreza. Acadêmico é insulto.

Pinguela
"Ponte e Berlim - Cem Anos de Expressionismo" (Brücke und Berlin - 100 Jahre Expressionismus), mostra que se encerrou na semana passada, reuniu por volta de 500 obras no Museu de Arte Moderna da capital alemã (Neue National Galerie). É um título que joga com ambigüidades e convenções da história da arte. "Die Brücke" foi criado em Dresden no ano de 1905; apenas em 1911 transferiu-se para Berlim. A mostra concentra-se no período berlinense, mas está longe de limitar-se a esses poucos anos. Vai buscar raízes antigas e traça um notável panorama, que chega ao ano de 1913, quando o grupo se dissolve.
Ao anunciar "Cem Anos de Expressionismo", a denominação faz referência a 1905, ano de Dresden, e não 1911, ano de Berlim. Supõe-se, sem dúvida, que o público ame as efemérides, os centenários: era preciso portanto uma data cabalística, mesmo que ela falsifique um pouco o que se oferece. Quanto a expressionismo, o adjetivo foi aplicado ao movimento apenas depois que ele se extinguiu, em 1914. É verdade que um Munch e um Ensor, no final do século 19, foram expressionistas sem o saber. Mas os artistas da "Brücke" (Heckel, Kirchner, Pechstein, Schidt-Rotluff, os pais fundadores) nunca mostraram a violência angustiada de Munch ou de Ensor. Faziam uma arte brilhante, nostálgica de paraísos perdidos, fascinada pela elegância moderna das grandes cidades, não hesitando mesmo em desenvolver projetos decorativos, jóias, tecidos, vitrais.

Obus
O fascínio pelas artes primitivas, da África ou do Pacífico, a sedução exercida por Gauguin, as cores vivas, tão próxima dos Fauve, são retomadas pelos artistas da "Brücke", com melancolia e inquietude, vazada em contornos nítidos, angulosos, prismáticos. Nada, porém, daquilo que sugere o expressionismo, cuja explosão se deu na Alemanha depois da Primeira Guerra. Nada das violências de Dix ou Grosz, nada dos pesadelos que o cinema de "Caligari", de "Nosferatu", de "Mabuse" saberão divulgar para um público mais vasto.

Imã
Sem a palavra "expressionismo" é bem possível que a mostra "Ponte e Berlim" atraísse menos público. O mais importante é a concepção que a presidiu, permitindo tecer ligações estimulantes entre as obras. Ocupa todas as salas no edifício do museu, projetado por Mies Van der Rohe, espécie de templo em vidro sobre um grande pódio. Associa com propriedade as artes primitivas, os precursores, e entrelaça admiravelmente os artistas do movimento.


Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br


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