|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de fuga
Definições e expressões
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Romantismo, Impressionismo, Gótico. Cubismo, Renascimento, Surrealismo. Pop-Art, Cobra, Barroco.
Estas palavras convergem num
ponto: agrupar, classificar aquilo que se
convencionou chamar de "movimentos"
da arte e da cultura. É um denominador comum, mas leva ao engano de se imaginar
que todas elas operam da mesma maneira.
A generalidade do princípio termina por
encobrir diferenças essenciais.
Romantismo não se refere a uma forma
determinada nem a um gênero artístico específico, mas a uma sensibilidade, a uma
disposição do espírito. Sabemos quando
nasce; é mais difícil dizer quando morre, se
é que morreu. Impressionismo vincula-se a
um certo modo de pintar que brota nos
anos de 1870. O termo é pictural; quando
escorre para a música, para a escultura, torna-se impreciso. No Brasil, emprega-se, de
vez em quando, a locução crítica (ou análise) impressionista, sugerindo um ensaio
superficial, sem grande rigor, o que é bastante injusto para com a denominação.
Nenhum artista gótico sabia que o era,
mas os do renascimento tinham clara consciência de pertencerem a um momento em
que a cultura "renascia". Algumas dessas
noções adquiriram formas intrincadas
com o passar do tempo. Barroco, por
exemplo, expressão fecunda e bela, já foi
condenada por certos intelectuais contemporâneos que demonstram dificuldade
diante da natureza movente e complexa
própria à história da cultura.
Há noções que trazem em si, de modo intrínseco, valorização ou desvalorização:
clássico ou moderno são títulos de nobreza.
Acadêmico é insulto.
Pinguela
"Ponte e Berlim - Cem Anos de Expressionismo" (Brücke und Berlin - 100 Jahre
Expressionismus), mostra que se encerrou
na semana passada, reuniu por volta de 500
obras no Museu de Arte Moderna da capital alemã (Neue National Galerie). É um título que joga com ambigüidades e convenções da história da arte. "Die Brücke" foi
criado em Dresden no ano de 1905; apenas
em 1911 transferiu-se para Berlim. A mostra concentra-se no período berlinense,
mas está longe de limitar-se a esses poucos
anos. Vai buscar raízes antigas e traça um
notável panorama, que chega ao ano de
1913, quando o grupo se dissolve.
Ao anunciar "Cem Anos de Expressionismo", a denominação faz referência a 1905,
ano de Dresden, e não 1911, ano de Berlim.
Supõe-se, sem dúvida, que o público ame
as efemérides, os centenários: era preciso
portanto uma data cabalística, mesmo que
ela falsifique um pouco o que se oferece.
Quanto a expressionismo, o adjetivo foi
aplicado ao movimento apenas depois que
ele se extinguiu, em 1914. É verdade que um
Munch e um Ensor, no final do século 19,
foram expressionistas sem o saber. Mas os
artistas da "Brücke" (Heckel, Kirchner,
Pechstein, Schidt-Rotluff, os pais fundadores) nunca mostraram a violência angustiada de Munch ou de Ensor. Faziam uma arte
brilhante, nostálgica de paraísos perdidos,
fascinada pela elegância moderna das grandes cidades, não hesitando mesmo em desenvolver projetos decorativos, jóias, tecidos, vitrais.
Obus
O fascínio pelas artes primitivas, da África ou do Pacífico, a sedução exercida por
Gauguin, as cores vivas, tão próxima dos
Fauve, são retomadas pelos artistas da
"Brücke", com melancolia e inquietude,
vazada em contornos nítidos, angulosos,
prismáticos. Nada, porém, daquilo que sugere o expressionismo, cuja explosão se
deu na Alemanha depois da Primeira Guerra. Nada das violências de Dix ou Grosz, nada dos pesadelos que o cinema de "Caligari", de "Nosferatu", de "Mabuse" saberão
divulgar para um público mais vasto.
Imã
Sem a palavra "expressionismo" é bem
possível que a mostra "Ponte e Berlim"
atraísse menos público. O mais importante
é a concepção que a presidiu, permitindo
tecer ligações estimulantes entre as obras.
Ocupa todas as salas no edifício do museu,
projetado por Mies Van der Rohe, espécie
de templo em vidro sobre um grande pódio. Associa com propriedade as artes primitivas, os precursores, e entrelaça admiravelmente os artistas do movimento.
Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: Os dez + Próximo Texto: Biblioteca básica - Bolívar Lamounier: Formação Econômica do Brasil Índice
|