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Arte - Além do espetáculo
IVO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não acredito que em um
ano os problemas do meio
artístico brasileiro, suas
instituições, sua economia
possam ser ajustados para um melhor funcionamento do circuito. Se
certas discussões forem instauradas
e sistematizadas, se forem abertos
processos visando a revisões e correções na estrutura e no sistema vigentes, se forem implementadas políticas menos genéricas e assistencialistas, acredito que, certamente, estaremos orientando o setor para algo
mais permanente e efetivo, para
além de 2006. Algumas sugestões,
escolhidas de um amplo leque de necessidades:
É urgente a correção da legislação
atual de incentivo à cultura, de modo a reconhecer demandas específicas de uma realidade de onde o Estado se retira da questão cultural, deixando-a nas mãos da sociedade civil.
Em lugar de favorecer a criação de
fundações pela iniciativa privada, o
importante seria o ajuste da legislação, prevendo antes a transferência
de recursos incentivados às instituições públicas já existentes. É fundamental entender que dedução fiscal
é imposto devido, portanto dinheiro
público. Não pode ser usado apenas
no marketing das corporações, empresas e filantropias similares.
Mudar a filosofia da lei, que hoje
basicamente promove o evento e
abandona a infra-estrutura técnica e
material do setor, e criar leis específicas que estimulem doações de obras
e dotações de fundos em caráter permanente, possibilitando um trabalho para além das políticas do espetáculo. Fundações supõem fundos.
Há necessidade de recursos para
pesquisa, projetos a longo prazo,
programas de conservação, consolidação de coleções, colaborações
com artistas etc. Não se pode trabalhar apenas segundo o ano fiscal dos
departamentos de marketing e publicidade.
Instituições e afins: desfazer uma
certa mesmice, uma falta de especificidade e consistência nos perfis das
diversas organizações que trabalham com a arte. Parecem não ter
vocação ou história. Devem deixar
de ser "balcões de anúncios" e promover programas mais articulados e
pertinentes, pensados e planejados
com o firme propósito de organizar
e consolidar o patrimônio material e
simbólico.
Rigor e imaginação
Os museus devem trabalhar e divulgar mais seus acervos. O olhar
deve ser contemporâneo, mas, seguramente, não estamos todos vendo e
percebendo as mesmas coisas. Coleções: informatizar coleções, públicas
ou privadas, não é apenas colocar fichas técnicas e imagem das obras no
computador. Também é importante
o histórico de exposições, publicações e, sobretudo, a procedência.
Todas as obras nos museus locais
são autênticas? De onde elas vêm?
Exposições: mais pesquisa, rigor e
imaginação. A retrospectiva de um
artista não precisa, necessariamente,
ter toda sua obra (às vezes pode ser
fatal!). A questão é qualidade, e não
quantidade. Mostras temáticas têm
que levar em conta a história das exposições já feitas e trazer algo novo,
além do que já foi dito. As curadorias precisam de mais ousadia, ambição, correr riscos, propor confrontos, criar fricções.
Publicações: ainda há muito catálogo e livro feitos fora das normas
técnicas (às vezes, até das ortográficas e gramaticais!) e sem a valiosa
colaboração de editores, preparadores de textos, tradutores especializados etc. Menos "coffee-table books"
e mais livros; menos espetáculo e
mais conhecimento.
Ivo Mesquita é curador do Projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado (SP), e professor visitante do Centro para Estudos Curatoriais do Bard College, em Nova York.
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