São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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Arte - Além do espetáculo

IVO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não acredito que em um ano os problemas do meio artístico brasileiro, suas instituições, sua economia possam ser ajustados para um melhor funcionamento do circuito. Se certas discussões forem instauradas e sistematizadas, se forem abertos processos visando a revisões e correções na estrutura e no sistema vigentes, se forem implementadas políticas menos genéricas e assistencialistas, acredito que, certamente, estaremos orientando o setor para algo mais permanente e efetivo, para além de 2006. Algumas sugestões, escolhidas de um amplo leque de necessidades:
É urgente a correção da legislação atual de incentivo à cultura, de modo a reconhecer demandas específicas de uma realidade de onde o Estado se retira da questão cultural, deixando-a nas mãos da sociedade civil. Em lugar de favorecer a criação de fundações pela iniciativa privada, o importante seria o ajuste da legislação, prevendo antes a transferência de recursos incentivados às instituições públicas já existentes. É fundamental entender que dedução fiscal é imposto devido, portanto dinheiro público. Não pode ser usado apenas no marketing das corporações, empresas e filantropias similares.
Mudar a filosofia da lei, que hoje basicamente promove o evento e abandona a infra-estrutura técnica e material do setor, e criar leis específicas que estimulem doações de obras e dotações de fundos em caráter permanente, possibilitando um trabalho para além das políticas do espetáculo. Fundações supõem fundos.
Há necessidade de recursos para pesquisa, projetos a longo prazo, programas de conservação, consolidação de coleções, colaborações com artistas etc. Não se pode trabalhar apenas segundo o ano fiscal dos departamentos de marketing e publicidade.
Instituições e afins: desfazer uma certa mesmice, uma falta de especificidade e consistência nos perfis das diversas organizações que trabalham com a arte. Parecem não ter vocação ou história. Devem deixar de ser "balcões de anúncios" e promover programas mais articulados e pertinentes, pensados e planejados com o firme propósito de organizar e consolidar o patrimônio material e simbólico.

Rigor e imaginação
Os museus devem trabalhar e divulgar mais seus acervos. O olhar deve ser contemporâneo, mas, seguramente, não estamos todos vendo e percebendo as mesmas coisas. Coleções: informatizar coleções, públicas ou privadas, não é apenas colocar fichas técnicas e imagem das obras no computador. Também é importante o histórico de exposições, publicações e, sobretudo, a procedência. Todas as obras nos museus locais são autênticas? De onde elas vêm?
Exposições: mais pesquisa, rigor e imaginação. A retrospectiva de um artista não precisa, necessariamente, ter toda sua obra (às vezes pode ser fatal!). A questão é qualidade, e não quantidade. Mostras temáticas têm que levar em conta a história das exposições já feitas e trazer algo novo, além do que já foi dito. As curadorias precisam de mais ousadia, ambição, correr riscos, propor confrontos, criar fricções.
Publicações: ainda há muito catálogo e livro feitos fora das normas técnicas (às vezes, até das ortográficas e gramaticais!) e sem a valiosa colaboração de editores, preparadores de textos, tradutores especializados etc. Menos "coffee-table books" e mais livros; menos espetáculo e mais conhecimento.


Ivo Mesquita é curador do Projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado (SP), e professor visitante do Centro para Estudos Curatoriais do Bard College, em Nova York.


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