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Literatura - Sem Fla-Flu nem panelas
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos "Estudos de Literatura
Brasileira" (Villa Rica), indispensáveis para compreender o percurso de
nossa crítica literária e cultural, José
Veríssimo costumava incluir um artigo de fôlego no qual dava conta da
produção dos últimos anos. No outro extremo, na reedição de "Mito e
Arquivo - Teoria da Narrativa Latino-Americana", Roberto González
Echevarría confessou sem modéstia
que pretendia orientar a produção
da prosa de ficção latino-americana.
No fundo, os dois projetos se equivalem. De um lado, o desejo de abarcar o passado recente. De outro, a
ambição de colonizar o futuro próximo. No panorama da literatura
brasileira contemporânea, destaca-se a (saudável) impossibilidade de
reviver tais propósitos. Leitor nenhum possui uma visão sintética do
muito que se produz. E até o teórico
mais confiante sabe que escreve para
os cinco leitores do defunto autor.
Tal certeza é uma advertência, especialmente no campo (minado) da
poesia. Sua produção e recepção
permanecem entrincheiradas em rivalidades e intolerâncias, muitas vezes iniciadas há décadas!
Por isso, todo balanço crítico, em
lugar de diálogo, ou seja, divergência
levada a sério, estimula paródias, isto é, duelos velados. Trata-se de impasse que deve ser superado. Afinal,
por meio de um exercício constante
de tradução e de experimentação, a
poesia brasileira alcançou inegável
excelência.
Logo, um sofisticado conhecimento de autores fundamentais e um
considerável domínio técnico se encontram paradoxalmente constrangidos pela sobrevivência de velhas
capelinhas, no eterno retorno de nomes e debates -o círculo vicioso
tornado método.
Na prosa de ficção, a pluralidade
das alternativas estéticas desfavorece a existência de um modelo crítico
dominante -felizmente, aliás. Temos assim desde o refinamento de
Bernardo de Carvalho à denúncia de
Ferréz. E devemos parar de confundir crítica com um aborrecido Fla-
Flu das letras: a diversidade das opções é em si mesmo um valor.
Uma mudança desejável: em lugar
da proliferação de prêmios, empresas privadas poderiam investir em
questões estruturais, transformando
a cultura do espetáculo em trabalho
na esfera anônima do dia-a-dia.
Traduções diretas, por exemplo,
do árabe (Mamede Mustafa Jarouche) e do russo (Paulo Bezerra, Rubens Figueiredo) assim como edições criteriosas de clássicos ampliam
as possibilidades criativas.
Outra mudança bem-vinda seria
então o pleno reconhecimento da relevância da tradução para a excelência do sistema literário também no
campo da prosa.
João Cezar de Castro Rocha é professor de
literatura comparada na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre
outros, "Literatura e Cordialidade" (Eduerj).
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