São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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Literatura - Sem Fla-Flu nem panelas

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos "Estudos de Literatura Brasileira" (Villa Rica), indispensáveis para compreender o percurso de nossa crítica literária e cultural, José Veríssimo costumava incluir um artigo de fôlego no qual dava conta da produção dos últimos anos. No outro extremo, na reedição de "Mito e Arquivo - Teoria da Narrativa Latino-Americana", Roberto González Echevarría confessou sem modéstia que pretendia orientar a produção da prosa de ficção latino-americana.
No fundo, os dois projetos se equivalem. De um lado, o desejo de abarcar o passado recente. De outro, a ambição de colonizar o futuro próximo. No panorama da literatura brasileira contemporânea, destaca-se a (saudável) impossibilidade de reviver tais propósitos. Leitor nenhum possui uma visão sintética do muito que se produz. E até o teórico mais confiante sabe que escreve para os cinco leitores do defunto autor.
Tal certeza é uma advertência, especialmente no campo (minado) da poesia. Sua produção e recepção permanecem entrincheiradas em rivalidades e intolerâncias, muitas vezes iniciadas há décadas!
Por isso, todo balanço crítico, em lugar de diálogo, ou seja, divergência levada a sério, estimula paródias, isto é, duelos velados. Trata-se de impasse que deve ser superado. Afinal, por meio de um exercício constante de tradução e de experimentação, a poesia brasileira alcançou inegável excelência.
Logo, um sofisticado conhecimento de autores fundamentais e um considerável domínio técnico se encontram paradoxalmente constrangidos pela sobrevivência de velhas capelinhas, no eterno retorno de nomes e debates -o círculo vicioso tornado método.
Na prosa de ficção, a pluralidade das alternativas estéticas desfavorece a existência de um modelo crítico dominante -felizmente, aliás. Temos assim desde o refinamento de Bernardo de Carvalho à denúncia de Ferréz. E devemos parar de confundir crítica com um aborrecido Fla- Flu das letras: a diversidade das opções é em si mesmo um valor.
Uma mudança desejável: em lugar da proliferação de prêmios, empresas privadas poderiam investir em questões estruturais, transformando a cultura do espetáculo em trabalho na esfera anônima do dia-a-dia.
Traduções diretas, por exemplo, do árabe (Mamede Mustafa Jarouche) e do russo (Paulo Bezerra, Rubens Figueiredo) assim como edições criteriosas de clássicos ampliam as possibilidades criativas.
Outra mudança bem-vinda seria então o pleno reconhecimento da relevância da tradução para a excelência do sistema literário também no campo da prosa.


João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre outros, "Literatura e Cordialidade" (Eduerj).


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