|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de Fuga
Ópera enlatada
Meyerbeer foi esquecido,
mas sem ele a "obra de arte total"
de Wagner não existiria nem Mussorgski de "Boris Gudunov" nem Verdi de "Aida" nem mesmo "O Guarani", de Carlos Gomes
|
JORGE COLIM
COLUNISTA DA FOLHA
Poucos se lembram de
Meyerbeer [1791-1864],
compositor alemão celebérrimo em seu tempo. Viveu
na França, onde impôs o gênero "grand opéra": óperas de
amplo espetáculo, com massas
corais, balés, cenários prodigiosos, efeitos fenomenais de
inundações, incêndios, explosões, derrocadas.
Meyerbeer foi esquecido,
mas sem ele a "obra de arte total" de Wagner não existiria
nem Mussorgski de "Boris Gudunov" e "Khovanshchina";
nem Verdi de "Aida" e "D. Carlo" nem mesmo "O Guarani",
de Carlos Gomes. De suas composições sobreviveu uma ária,
cantada por Vasco da Gama em
"A Africana", adaptação escalafobética de "Os Lusíadas".
Caruso deixou dela uma gravação impressionante, em que
os pulmões se enchem de deslumbramento ao proclamar,
com uma alegria ansiosa: "O
nuovo mondo! Tu m'appartieni! A me! A me! A me!" (Oh, novo mundo! Tu me pertences! A
mim! A mim! A mim!).
Fora disso, há a marcha da
coroação, de "O Profeta", que
era tocada em concertos mais
leves e também por bandas de
música: uns poucos acordes foram incorporados no desenho
do Pica-Pau, "O Famoso Diplomata" (1945), mas hoje quase
ninguém se lembra dela.
Alguns formaram a hipótese
de que as cadências da ária "O
Beau Pays", em "Os Huguenotes", sempre de Meyerbeer,
inspiraram a risada do Pica-Pau, mas essa teoria não foi
comprovada.
Em todo caso, o Pica-Pau é
um grande cantor de ópera:
nunca nenhum barítono conseguiu o que ele fez em sua
apocalíptica interpretação do
"Largo al Factotum", em "O
Barbeiro de Sevilha", de Rossini (desenho de 1944).
Cena
"Os Huguenotes", graças a
Joan Sutherland; "A Africana";
"Robert le Diable", um pouco
menos, são, de raro em raro, as
óperas de Meyerbeer montadas hoje em dia.
Assim, a publicação em DVD
de "Il Crociato in Egitto" (O
Cruzado no Egito) surpreende.
Obra da juventude (1824), escrita antes que o compositor
fosse para a França e atingisse
sua imensa fama, foi logo esquecida.
O teatro La Fenice de Veneza, em que a ópera estreara havia mais de 180 anos, escalou-a
em sua temporada de 2007. A
produção foi filmada e é um esplendor.
Pier Luigi Pizzi concebeu um
espetáculo despojado, acentuando a beleza suntuosa das
roupas. As convenções teatrais
que pareciam irremediavelmente envelhecidas ressurgem
em sentidos complexos e situações comoventes. A escrita, dificílima para os cantores, interpretada de maneira prodigiosa,
incendeia de desesperos os ornamentos e vocalises.
Som
Armando é o cruzado da história. Foi o último papel importante destinado a um castrato,
homens de voz aguda porque
eram operados na infância para
tornarem-se grandes cantores.
Giambattista Velluti, o protagonista em 1824, foi célebre
por suas habilidades vocais e
por ser um incansável sedutor
de mulheres, o que pode parecer um pouco paradoxal.
Hoje, só Michael Maniaci pode assumir o papel. Não é um
contratenor; a conformação
peculiar de sua garganta permite-lhe uma voz comparável à de
um Velluti. Patrizia Ciofi, que
tem solos aterradores, canta
com ele duetos estratosféricos.
Arte
O tenor brasileiro Fernando
Portari encarna Adriano, chefe
dos cruzados. Portari, graças a
seu belo timbre, sua força dramática e grande musicalidade
é, com justiça, solicitado cada
vez mais pelos teatros internacionais. Não fossem os outros
momentos prodigiosos, apenas
por sua cena da prece, comovente lição de belo canto sentida com intensidade, valeria adquirir esse DVD editado pela
italiana Dynamic (2007).
jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: Os Dez+ Próximo Texto: Discoteca Básica: Partido em 5 - Volume 1 Índice
|