|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ Sociedade
A nova geração
Pesquisas apontam que jovens americanos tendem a ser mais tolerantes e sugerem que onda conservadora pode estar perto do fim
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos melhores e
mais influentes
historiadores do
século passado, Arthur Schlesinger
Jr. [1917-2007], defendeu há
duas décadas a tese de que a sociedade norte-americana se
move num sistema pendular
em que se sucedem ciclos de
predominância da ideologia
dos conservadores seguidos de
outros em que a hegemonia é
mais "liberal" (no sentido que
se dá a essa palavra na língua
portuguesa), de modo que uma
espécie de auto-regulagem impede o país de descambar de
vez para a "esquerda" ou para a
"direita".
Quando essa hipótese veio a
público, em 1986, por meio da
edição de "Os Ciclos da História Americana" [publicado, no
Brasil, pela ed. Civilização Brasileira], os adversários de
Schlesinger Jr., intelectual orgânico da ala mais social do
Partido Democrata (ele militou
ativamente na política ao lado
de figuras como Eleanor Roosevelt [1884-1962], Adlai Stevenson [1900-65, diplomata],
Joseph Alsop [1910-89, jornalista], Clark Clifford [1906-98,
secretário da Defesa] e os irmãos John e Robert Kennedy,
dos quais foi assessor muito
próximo), trataram de contestá-lo, supostamente com base
na realidade.
Em meados dos anos 1980, a
onda conservadora liderada
por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan,
nos EUA, parecia absoluta e definitivamente dominante. Tanto que, pela primeira vez desde
Franklin Delano Roosevelt
[1933-45], um mesmo partido,
o Republicano, conquistou por
três vezes seguidas a Casa
Branca (duas por meio de Reagan e uma com seu vice, George
H. Bush, que parecia, logo após
a primeira invasão do Iraque,
em 1991, fadado a também se
reeleger e garantir 16 anos consecutivos de domínio da extrema direita sobre o país).
No entanto naqueles anos
começava a germinar uma mudança de sentimentos na opinião pública americana que levaria ao poder, em 1993 e por oito anos, Bill Clinton, que poderia ter sido sucedido por outro liberal, seu vice Al Gore,
não tivessem os líderes do partido de ambos, o Democrata,
cometido erros políticos estratégicos primários e não houvessem ocorrido os célebres e
nebulosos incidentes na votação no Estado da Flórida, que
resultaram na controvertida
decisão da Suprema Corte que
deu a vitória no pleito a George
W. Bush.
O pêndulo não parou
É verdade que a dupla Clinton-Gore deu ao Partido Democrata uma entonação ideológica diversa da linha estabelecida por Roosevelt a partir do
New Deal, na década de 1930,
com componentes mais conservadores, entre os quais a
menor presença do Estado nas
atividades econômicas.
Mas é inegável que, apesar de
eventuais contradições com o
ideário clássico dos democratas, Clinton e Gore não podiam
ser confundidos com Reagan e
Bush.
Os primeiros anos do século
21, especialmente após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e a ostensiva
instrumentalização político-eleitoral da extrema direita religiosa por parte de George W.
Bush e seu mentor ideológico,
Karl Rove, justificaram muitas
análises de que o conservadorismo estava destinado a controlar a cena política americana
por muito tempo.
Entretanto três pesquisas
importantes e respeitadas divulgadas recentemente nos
EUA indicam que não é isso
que vai ocorrer e podem comprovar pela segunda vez após
sua divulgação a teoria pendular da política americana defendida por Schlesinger Jr., que
morreu em fevereiro passado,
aos 89 anos.
Dois desses estudos são do
Pew Research Center for the
People and the Press. Ambos
são longitudinais e replicam
trabalhos similares feitos no
passado por essa mesma instituição ou outras, o que permite
a comparação histórica.
A próxima geração hoje
Um se intitula "Um Retrato
da "Geração Next'" e se dedica a
descobrir como as pessoas nascidas nos EUA entre 1981 e
1988 encaram sua vida, o futuro
e a política.
Ele confronta suas conclusões sobre esse grupo etário
com as que se fizeram com relação às gerações X (nascidos entre 1966 e 1980), "baby-boom"
(1946 a 1965) e os seniores
(nascidos antes de 1946).
O outro tem como objeto de
estudo toda a população americana e se chama "Tendências
dos Valores Políticos e das Atitudes em Relação a Temas Centrais - 1987-2007".
A terceira pesquisa, menos
ambiciosa, foi feita pelo "The
New York Times" e as redes de
TV CBS e MTV, com pessoas de
idades entre 17 e 29 anos, para
conhecer suas opiniões a respeito dos grandes temas políticos e sociais da atualidade.
As três são muito convergentes. Mostram com clareza que,
na população como um todo,
mas especialmente entre os
mais jovens, há indiscutível
simpatia e apoio para idéias
vinculadas a visões de mundo
menos conservadoras, como: o
Estado tem a responsabilidade
de dar assistência aos cidadãos
que não consigam por conta
própria atender às suas necessidades essenciais; o Estado deve prover a todos casa e comida;
o Estado precisa garantir assistência médica universal; o poderio militar não é a melhor
maneira de assegurar a paz.
A geração "next" [próxima ,
em inglês] é muito mais tolerante que suas antecessoras em
relação a temas como imigração, homossexualismo e miscigenação étnica.
Um em cada cinco de seus integrantes afirma não ter filiação religiosa ou ser ateu ou agnóstico (o dobro dos que diziam a mesma coisa em pesquisa similar realizada com a geração anterior, a X, quando seus
membros estavam com 18 a 25
anos de idade).
Quanto à identidade político-partidária, 48% se dizem democratas e apenas 35%, republicanos, a menor taxa para esse partido entre todas as gerações estudadas.
Os jovens também demonstram ser menos cínicos em relação à política do que os mais
velhos hoje em dia ou quando
tinham de 17 a 29 anos.
A geração "next" diz acreditar que seu voto faz diferença e
pretende utilizá-lo na eleição
presidencial de 2008 para promover mudanças no poder central. Apenas 27% deles se classificam como conservadores.
"Ficar rico"
As pesquisas não demonstram, de maneira nenhuma,
que uma revolução ideológica
esteja ocorrendo na sociedade
americana. A maioria absoluta
dos jovens diz que seu maior
objetivo na vida é "ficar rico".
São egocêntricos e apaixonados pela tecnologia, que se tornou, via internet, seu instrumento predileto de socialização. Apesar de sua adesão em
geral mais favorável às ações
sociais do Estado, apóiam a privatização do sistema de previdência, tese que o presidente
George W. Bush tentou implementar sem sucesso em seu segundo mandato.
Esses traços conservadores,
no entanto, não desqualificam
a teoria de Schlesinger Jr., que
afinal não era, ele próprio, nenhum socialista.
Mas o quadro geral desses e
outros estudos recentes sobre a
sociedade americana é o de que
a hegemonia do pensamento
conservador extremado, que
dominou a cena política nos
EUA neste século, está dando
lugar a uma atitude mais tolerante, moderada e socialmente
preocupada, que provavelmente terá como manifestação
mais imediata e significativa a
eleição presidencial do ano que
vem.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em jornalismo pela USP e mestre
em comunicação pela Universidade do Estado de
Michigan (EUA). É autor, entre outros livros, de
"Mil Dias - Seis Mil Dias Depois" (Publifolha).
Texto Anterior: + História: As muitas faces Próximo Texto: + Lançamentos Índice
|