São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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+ Sociedade

A nova geração

Pesquisas apontam que jovens americanos tendem a ser mais tolerantes e sugerem que onda conservadora pode estar perto do fim

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos melhores e mais influentes historiadores do século passado, Arthur Schlesinger Jr. [1917-2007], defendeu há duas décadas a tese de que a sociedade norte-americana se move num sistema pendular em que se sucedem ciclos de predominância da ideologia dos conservadores seguidos de outros em que a hegemonia é mais "liberal" (no sentido que se dá a essa palavra na língua portuguesa), de modo que uma espécie de auto-regulagem impede o país de descambar de vez para a "esquerda" ou para a "direita".
Quando essa hipótese veio a público, em 1986, por meio da edição de "Os Ciclos da História Americana" [publicado, no Brasil, pela ed. Civilização Brasileira], os adversários de Schlesinger Jr., intelectual orgânico da ala mais social do Partido Democrata (ele militou ativamente na política ao lado de figuras como Eleanor Roosevelt [1884-1962], Adlai Stevenson [1900-65, diplomata], Joseph Alsop [1910-89, jornalista], Clark Clifford [1906-98, secretário da Defesa] e os irmãos John e Robert Kennedy, dos quais foi assessor muito próximo), trataram de contestá-lo, supostamente com base na realidade.
Em meados dos anos 1980, a onda conservadora liderada por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos EUA, parecia absoluta e definitivamente dominante. Tanto que, pela primeira vez desde Franklin Delano Roosevelt [1933-45], um mesmo partido, o Republicano, conquistou por três vezes seguidas a Casa Branca (duas por meio de Reagan e uma com seu vice, George H. Bush, que parecia, logo após a primeira invasão do Iraque, em 1991, fadado a também se reeleger e garantir 16 anos consecutivos de domínio da extrema direita sobre o país).
No entanto naqueles anos começava a germinar uma mudança de sentimentos na opinião pública americana que levaria ao poder, em 1993 e por oito anos, Bill Clinton, que poderia ter sido sucedido por outro liberal, seu vice Al Gore, não tivessem os líderes do partido de ambos, o Democrata, cometido erros políticos estratégicos primários e não houvessem ocorrido os célebres e nebulosos incidentes na votação no Estado da Flórida, que resultaram na controvertida decisão da Suprema Corte que deu a vitória no pleito a George W. Bush.

O pêndulo não parou
É verdade que a dupla Clinton-Gore deu ao Partido Democrata uma entonação ideológica diversa da linha estabelecida por Roosevelt a partir do New Deal, na década de 1930, com componentes mais conservadores, entre os quais a menor presença do Estado nas atividades econômicas.
Mas é inegável que, apesar de eventuais contradições com o ideário clássico dos democratas, Clinton e Gore não podiam ser confundidos com Reagan e Bush.
Os primeiros anos do século 21, especialmente após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e a ostensiva instrumentalização político-eleitoral da extrema direita religiosa por parte de George W. Bush e seu mentor ideológico, Karl Rove, justificaram muitas análises de que o conservadorismo estava destinado a controlar a cena política americana por muito tempo.
Entretanto três pesquisas importantes e respeitadas divulgadas recentemente nos EUA indicam que não é isso que vai ocorrer e podem comprovar pela segunda vez após sua divulgação a teoria pendular da política americana defendida por Schlesinger Jr., que morreu em fevereiro passado, aos 89 anos.
Dois desses estudos são do Pew Research Center for the People and the Press. Ambos são longitudinais e replicam trabalhos similares feitos no passado por essa mesma instituição ou outras, o que permite a comparação histórica.

A próxima geração hoje
Um se intitula "Um Retrato da "Geração Next'" e se dedica a descobrir como as pessoas nascidas nos EUA entre 1981 e 1988 encaram sua vida, o futuro e a política.
Ele confronta suas conclusões sobre esse grupo etário com as que se fizeram com relação às gerações X (nascidos entre 1966 e 1980), "baby-boom" (1946 a 1965) e os seniores (nascidos antes de 1946).
O outro tem como objeto de estudo toda a população americana e se chama "Tendências dos Valores Políticos e das Atitudes em Relação a Temas Centrais - 1987-2007".
A terceira pesquisa, menos ambiciosa, foi feita pelo "The New York Times" e as redes de TV CBS e MTV, com pessoas de idades entre 17 e 29 anos, para conhecer suas opiniões a respeito dos grandes temas políticos e sociais da atualidade.
As três são muito convergentes. Mostram com clareza que, na população como um todo, mas especialmente entre os mais jovens, há indiscutível simpatia e apoio para idéias vinculadas a visões de mundo menos conservadoras, como: o Estado tem a responsabilidade de dar assistência aos cidadãos que não consigam por conta própria atender às suas necessidades essenciais; o Estado deve prover a todos casa e comida; o Estado precisa garantir assistência médica universal; o poderio militar não é a melhor maneira de assegurar a paz.
A geração "next" [próxima , em inglês] é muito mais tolerante que suas antecessoras em relação a temas como imigração, homossexualismo e miscigenação étnica. Um em cada cinco de seus integrantes afirma não ter filiação religiosa ou ser ateu ou agnóstico (o dobro dos que diziam a mesma coisa em pesquisa similar realizada com a geração anterior, a X, quando seus membros estavam com 18 a 25 anos de idade).
Quanto à identidade político-partidária, 48% se dizem democratas e apenas 35%, republicanos, a menor taxa para esse partido entre todas as gerações estudadas. Os jovens também demonstram ser menos cínicos em relação à política do que os mais velhos hoje em dia ou quando tinham de 17 a 29 anos.
A geração "next" diz acreditar que seu voto faz diferença e pretende utilizá-lo na eleição presidencial de 2008 para promover mudanças no poder central. Apenas 27% deles se classificam como conservadores.

"Ficar rico"
As pesquisas não demonstram, de maneira nenhuma, que uma revolução ideológica esteja ocorrendo na sociedade americana. A maioria absoluta dos jovens diz que seu maior objetivo na vida é "ficar rico".
São egocêntricos e apaixonados pela tecnologia, que se tornou, via internet, seu instrumento predileto de socialização. Apesar de sua adesão em geral mais favorável às ações sociais do Estado, apóiam a privatização do sistema de previdência, tese que o presidente George W. Bush tentou implementar sem sucesso em seu segundo mandato.
Esses traços conservadores, no entanto, não desqualificam a teoria de Schlesinger Jr., que afinal não era, ele próprio, nenhum socialista.
Mas o quadro geral desses e outros estudos recentes sobre a sociedade americana é o de que a hegemonia do pensamento conservador extremado, que dominou a cena política nos EUA neste século, está dando lugar a uma atitude mais tolerante, moderada e socialmente preocupada, que provavelmente terá como manifestação mais imediata e significativa a eleição presidencial do ano que vem.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em jornalismo pela USP e mestre em comunicação pela Universidade do Estado de Michigan (EUA). É autor, entre outros livros, de "Mil Dias - Seis Mil Dias Depois" (Publifolha).


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