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PONTO DE FUGA
Viva a obscenidade
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
399 palavrões, 128 gestos indecentes, 221 cenas de violência. Ficar contando, com essa
minúcia, os "fuck", os "bitch" e
os dedos médios em riste demonstra o grau doentio da
censura puritana e o seu ridículo. Trey Parker, 29, e Matt
Stone, 27, inventaram o mais
delirante e corrosivo dos desenhos animados. "South Park"
invadiu os cinemas neste verão
e deve ter provocado orgasmos
coléricos nos censores da Motion Picture Association of
America. A MPAA não é um
órgão oficial, é um controle autônomo, mas de grande peso
econômico, porque determina
as faixas etárias do público:
mais essa faixa é elevada, menos haverá de espectadores
potenciais. Parker e Stone fizeram subir a audiência de televisões no mundo inteiro com a
série que precedeu o filme e
exigiram, no contrato, todo o
direito sobre a edição final do
longa-metragem. Resultado: a
cada passagem censurada, jogando com a burocracia moralista, eles inventavam uma solução pior, mais irreverente e
mais cáustica. Revelaram detalhes. Por exemplo: se a palavra
"Deus" vier junto com a palavra "fuck", o filme é proibido
para 17 anos, mas se for acompanhada por "bitch", a proibição desce para 15... "South
Park" mostra a paranóia furiosa de adultos acuando crianças. É a caricatura da cretinice
puritana, da sexualidade reprimida, dos lobbies em favor das
armas e contra os homossexuais. É também gargalhada
saudável e pedagógica que ataca os preconceitos crassos dentro e fora da tela.
Folga - O Film Forum, cinema de arte em NY, apresenta
40 filmes num festival intitulado The Joy of Pre-Code. Este
"code" é o célebre código Hays,
ativado por Hollywood em
1934. Will H. Hays, o chefe dos
censores, tinha o aspecto de
um camundongo alienígena.
Foi ele quem estabeleceu regras muito estritas de bons
costumes, intocadas até 1966.
Elas controlaram e, de um certo modo, estimularam a criação, já que os diretores eram
obrigados a driblar a estupidez
com soluções inteligentes. Os
primeiros anos dos filmes falados, anteriores a 1934, escaparam ao controle tirânico que
cronometrava os segundos dos
beijos e proibia exibição de
umbigos. As mocinhas, então,
transavam fora ou antes do casamento, e os amores podiam
hesitar entre três ou mais parceiros. Havia sedutores impudentes e drogas. Criminosos às
vezes eram simpáticos e humanos. Esses filmes foram estigmatizados, desaparecendo das
telas e mesmo das histórias escritas do cinema. Victor Fleming, Monta Bell, James Whale e vários diretores, cujos nomes são hoje obscurecidos, assinaram pequenas obras-primas cínicas e sentimentais.
Dimensões - O sexo, como se
sabe, situa-se nos miolos. Mudam os tempos, mudam inteiramente os estímulos eróticos.
As estrelas do "pre-code", em
1930, eram todas pequeninas,
com grandes cabeças, rostos
redondos, olhos imensos e bocas miúdas. A seda escorria sobre curvas suaves. Eram adoráveis como Betty Boop. Nos
anos de 1950, as formas crescem, a carroceria se dilata, as
bocas rasgam-se imensas em
rostos angulosos. Sutiãs armavam os seios e as roupas eram
como carapaças. Esses Cadillacs chamavam-se Jane Russel
ou Sophia Loren. O desejo tornara-se monumental.
Centelha - Mais alta do que a
média e meio feiosa, Bebe Daniels tinha um físico de exceção entre as atrizes do "pre-code". Cheia de vitalidade, interpretou mulheres independentes e modernas, que buscavam
um sentido na vida longe do
casamento, embora, é verdade,
às vezes, terminassem por ceder a um "macho man". Nossos modernistas, de Mário de
Andrade a Antonio de Alcântara Machado, foram fascinados por Bebe Daniels.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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