São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Ponto de fuga

Notas esquecidas



As Villi, que dão título à ópera de Puccini, são espíritos femininos malfazejos; destroem homens cuja traição conduziu as amadas à morte


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Gian Carlo Menotti morreu no ano passado, Giacomo Puccini nasceu há 150 anos. O Teatro Municipal de São Paulo teve a boa idéia de comemorar as duas efemérides. Juntou, em um único programa, as breves primeiras óperas escritas por esses compositores: "Amelia al Ballo", de Menotti, e "Le Villi", de Puccini. A primeira é um pouco mais conhecida, a segunda, raríssima. "Amelia al Ballo", estreada em 1936, é uma farsa deliciosamente frívola e imoral. A direção cênica de Lívia Sabag inventou coisas ótimas: os vestidos que deslizavam para lá e para cá, a multidão hilariante que enchia aos poucos o palco com gente célebre daqueles primeiros anos do século 20 em que a ópera se passa: Carlitos, Nijinski, Picasso, Pavlova, Einstein, Isadora Duncan, Santos Dumont... Tudo isso evoluía nos cenários delicados, transparentes e leves de Luís Frugoli.
Juliano Suzuki, jovem maestro, foi uma revelação: a Orquestra Experimental de Repertório soou plena, precisa, lírica. Delícia ver e ouvir Leonardo Neiva, Martin Mühle, o marido e o amante, formidáveis no palco e muito bons de voz. Um único senão, a protagonista. Carla Riccitelli, que interpretou Amélia, claramente não tem a voz para o papel: no seu esforço de acentuar o volume, perdeu as qualidades do timbre, que se tornou seco e desagradável. Mas, como ela canta com musicalidade e representa com malícia, soube sustentar o interesse.

Prólogo
As belas e grandes vozes são hoje raras. Canta-se bem, com fineza, inteligência e cultura. Mas as qualidades mais físicas, volume, timbre e esta característica mais difícil de definir, chamada "presença", que tantos cantores do passado possuíam, sabe-se lá por qual mistério, andam sumidas.
Foi portanto um júbilo ouvir o tenor Eric Herrero, de 25 anos, no papel principal de "Le Villi". Com um vibrato peculiar e estreito, sua voz pode evocar [o italiano, 1892-1979] Lauri-Volpi, o que não é pequena referência. Os agudos são amplos, dominadores; intensa, a expressão emotiva. Há ainda maturidade a adquirir e bastante a aprender; mas, se ele souber conduzir bem sua carreira, não destruindo, como tantos fizeram, o que tem de precioso e delicado em sua garganta, criará beleza por muito tempo.

Abantesma
As Villi, que dão título à ópera de Puccini, são espíritos femininos malfazejos. Destroem homens cuja traição conduziu as amadas à morte. Brotam de uma lenda obscura da Europa Central; são as mesmas que dançam no clássico balé "Giselle", de Adolphe Adam. Puccini, o compositor mais corpóreo, mais sensual, mais carnal e erótico de todos, começou a compor, desse modo, sobre um tema desencarnado e feérico, repleto de ectoplasmas femininos.
Havia muito o que tirar das situações fantásticas, da valsa dos aldeões, da sarabanda das Villi. No entanto a direção cênica de João Malatian, confusa, desengonçada, estática, ignorou todas as sugestões do drama e da música. Os cenários sem graça e desajeitados eram do mesmo Luís Frugoli, que tão bem acertara em "Amelia al Ballo".
Ficou a música do jovem Puccini, então fascinado por "Parsifal" e já criando esses temas que lhe são tão pessoais, capazes de se expandirem, plásticos e firmes. O orquestrador fenomenal que ele se tornaria também já revelava suas qualidades prodigiosas.

Mina
Fecunda a política de Jamil Maluf, buscando cantores que despontam, permitindo-lhes a indispensável formação no palco, em verdadeiras montagens de ópera.

jorgecoli@uol.com.br


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