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Armação secreta
Reunião de troca de e-mails entre o escritor Michel Houellebecq e o filósofo Bernard-Henri Lévy, "Inimigos Públicos" foi alvo de marketing avassalador, poucas vezes visto na indústria editorial
ALAIN BEUVE-MÉRY
Até aqui, tudo bem.
Sim, a exclusividade que a editora
Flammarion deu à
revista "Nouvel Observateur" -que publicou, em
sua edição de 2/10, trechos de
"Ennemis Publics", um diálogo
travado por correio eletrônico
entre os escritores Michel
Houellebecq e Bernard-Henri
Lévy, de janeiro a julho de
2008- foi grilada pelo jornal
"Libération".
O jornal obteve na quarta-feira, 1º/10, um exemplar da
obra mais misteriosa do ano.
Mas, afinal, isso oferece uma
dupla exposição na mídia. E
depois de ter ocultado durante
meses o nome dos autores, hoje é essencial que todo mundo
fale a respeito.
Na quarta, 8 de outubro, cerca de 120 mil exemplares foram distribuídos em território
francês, nas grandes lojas e livrarias -de 100 mil, a tiragem
inicial subiu para mais de 150
mil exemplares.
Mais do que nunca, a comunicação surge como força principal da guerra no mundo editorial. Criar o acontecimento,
espicaçar a curiosidade dos leitores: Teresa Cremisi, a editora
da Flammarion, endossou os
hábitos de Bernard Grasset,
que nos anos 1920 soube utilizar a publicidade para inventar
o marketing literário.
Em um mercado deprimido
-que os editores se lembrem,
raramente o volume de vendas
atingiu um nível tão baixo em
um mês de setembro [retorno
das férias de verão na França]
-, todos os golpes (ou quase)
passam a ser permitidos para
despertar os leitores e provocar o ato da compra.
Aposta financeira
A aposta em torno do lançamento de "Ennemis Publics"
[Inimigos Públicos, 336 págs.,
20, R$ 59) não é apenas literária, embora Teresa Cremisi
garanta "a qualidade do texto",
que ela publica em co-edição
com a Grasset.
O golpe literário se reveste de
uma aposta econômica e financeira. "Sou uma comerciante
na alma", ela confessa, antes de
acrescentar: "Hoje mais vale se
exasperar do que não existir".
Geralmente são os documentos quentes da atualidade que
se preparam em segredo.
Caso esconda o nome do autor ou o tema tratado, um editor deve sopesar com cuidado e
usar a confiança que ele inspira
para impor o anonimato.
É preciso vencer a resistência de seus representantes, que
ficam sem um argumento antecipado para "trabalhar" o livro.
E, principalmente, vencer a resistência dos livreiros, que detestam essa prática que assimilam à venda forçada, pois eles
são obrigados a fazer encomendas às cegas.
"Os livros anônimos, assim
como os sob pseudônimos, tiveram sua era dourada nos
anos 1990", nota Marc Grinsztajn, editor da Panama.
Desde então, esse procedimento comercial foi muito usado, pois funcionou, mas os resultados nem sempre estão à
altura das esperanças. Na Fnac,
conta-se ao menos um livro secreto lançado por mês. A maioria passa despercebida.
Entre os motivos citados para justificar essa prática, além
da paranóia própria do meio
editorial, figuram a urgência ditada pelo calendário eleitoral
para os livros políticos e a vontade de evitar uma interdição
ou uma apreensão pela Justiça,
no caso de documentos ultradelicados.
Orquestração
O anonimato também permite que um autor trabalhe
tranqüilamente, livre de pressões. Mas no caso atual, para
justificar seu mutismo, Teresa
Cremisi se protegeu atrás de
razões jurídicas.
De fato, "Inimigos Públicos"
não poderia ter sido publicado
sem um acordo comercial com
a Grasset, da qual Bernard-Henri Lévy é autor e editor. Mas as
duas casas só se entenderam
em setembro, quando a Flammarion conseguiu a distribuição e a divulgação da obra.
A orquestração do segredo,
por sua vez, aparece como a
chave da estratégia editorial
implementada pela chefe da
Flammarion. Sem a intermediação da mídia, o livro correria
o risco de fracassar.
Portanto, é preciso manter o
folhetim. Ao dissimular o nome
dos autores até o fim de setembro, a editora também limitou a
colisão entre as duas funções de
Michel Houellebecq, escritor e
cineasta. Lançado em 10/9, o
filme "La Possibilité d'une Île"
[A Possibilidade de uma Ilha],
que ele dirigiu, foi um fracasso
doloroso, com menos de 15 mil
ingressos vendidos.
Do lado de seus confrades
editores, a recepção é mais simpática. Na editora Albin Michel, denuncia-se "a dimensão
pega-trouxa" da operação, que
não encontraria eco "sem a
cumplicidade dos jornalistas".
A diretora da Flammarion
experimenta o documento literário "quente". Resta saber se
os leitores irão atrás.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
francês podem ser encomendados
pelo site www.alapage.fr
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