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Livro lançado na Alemanha
traz entrevistas com
filhos dos mais conhecidos
membros da cúpula nazista
Marcados pelo sangue
Silvia Bittencourt
especial para a Folha , de Berlim
Antes de ser condenado à forca, o alemão Hans
Frank, ex-governador-geral da Polônia e um
dos principais criminosos nazistas julgados
em 1946 pelo Tribunal de Nurembergue, escreveu uma carta ao filho. "Você terá um caminho difícil pela frente. Pois você carrega o meu nome", dizia.
Essa frase (em alemão, "Denn Du traegst meinen Namen") tornou-se o título de um dos mais novos best sellers da Alemanha, um livro que reúne uma série de entrevistas com filhos de criminosos nazistas.
Os autores são os jornalistas Norbert e Stephan Lebert, pai e filho, que num intervalo de 40 anos seguiram
os rastros e entrevistaram filhos da cúpula nazista: além
de Hans Frank, Rudolf Hess (assessor direto de Hitler),
Heinrich Himmler (chefe da SS, a organização responsável, entre outras coisas, pelos campos de concentração), Martin Bormann (secretário de Hitler), Baldur
von Schirach (criador da Juventude de Hitler) e Hermann Goering (assessor de Hitler, figura-chave na Segunda Guerra Mundial).
O resultado é um livro curioso, que traz detalhes sobre
os últimos dias dos chefes nazistas no poder e o destino
de suas famílias. A obra contrapõe entrevistas que Norbert Lebert, já morto, publicou nos anos 60 com textos
sobre as mesmas personagens, escritos no ano passado
pelo filho Stephan, 39, hoje repórter especial do jornal
berlinense "Tagesspiegel".
Norbert Lebert conversa com jovens que tentam, apesar do sobrenome, buscar um rumo para suas vidas.
Stephan Lebert verifica que caminhos seguiram e fala
com senhores de 60 a 70 anos, que agora olham para o
passado. O subtítulo da obra resume a tendência comum de todas as entrevistas: a difícil herança dos filhos
de nazistas famosos.
Martin Bormann Jr., cujo padrinho foi Adolf Hitler,
decidiu-se pelo sacerdotismo. Foi missionário na África
e professor de religião. Hoje, aposentado, diz ter sido
"salvo pelas mãos de Deus". Roda a Alemanha, dando
palestras sobre o nazismo.
Apaixonada pelo pai, Gudrun Himmler falava, quando jovem, em escrever uma biografia, reabilitando-o. O
livro nunca saiu. Hoje, chefia a associação "Stille Hilfe"
("ajuda silenciosa"), que assiste velhos nazistas.
Entre os jovens entrevistados, Edda Goering era a única que se dizia favorecida pelo sobrenome. Conta a Norbert Lebert como foi bem tratada na escola, que a considerava aluna exemplar.
Solteira, Edda Goering vive hoje retirada em Munique. "Pendurados na parede estão muitas fotos e quadros retratando o pai e a mãe. Quem conhece seu apartamento diz parecer um Museu de Goering", escreve
Stephan Lebert.
Wolf-Ruediger Hess tinha nove anos quando seu pai
foi condenado à prisão perpétua. Conheceu-o por meio
de cartas e das visitas na prisão, na qual qualquer contato corporal era proibido.
Libertar o pai foi a tarefa de vida de Wolf-Ruediger,
que hoje, aos 62, está convencido de que Rudolf Hess
não se matou, e sim foi assassinado. "Eles não queriam
saber da verdade que meu pai contaria", diz. A "verdade", para Wolf-Ruediger, seria a de que o Holocausto
-o assassinato de cerca de 6 milhões de judeus pelos
nazistas- nunca teria acontecido.
Niklas Frank estudou direito, como o pai. "Quero conhecer os processos de Nurembergue", dizia, nos anos
50. Acabou tornando-se jornalista. A forma que usou
para romper com o pai -um dos mais brutais criminosos nazistas, responsável pela morte de milhões de judeus na Polônia- chocou a opinião pública alemã nos
anos 80. Na época, ele publicou uma série de reportagens destruindo, da forma mais baixa possível, a imagem de seu progenitor. Conta, por exemplo, que no dia
16 de outubro de 1946, quando Hans Frank foi enforcado, se masturbou várias vezes sobre uma foto dele.
O livro de Norbert e Stephan Lebert colabora, finalmente, para um debate que há anos agita a Alemanha:
sobre como lidar com o passado nazista. Stephan Lebert falou à Folha, em Berlim, sobre a importância do
que chama de "histórias pessoais", vividas pelas famílias alemãs durante o governo de Hitler, para essa discussão.
O sr. escreve que poucos estudos tratam do lado pessoal
dos criminosos nazistas. Para o sr., qual a importância da
chamada "história dos assassinos"?
Existem muitos estudos sobre os grandes criminosos, mas, para mim, um aspecto importante foi pouco estudado: o que significa para a juventude vir de
um país formado por pessoas que, em grande parte,
se tornaram criminosas? Como essas crianças foram
educadas? O que elas receberam em termos de culpa,
de repressão? Em pouquíssimas famílias esse tema
foi tratado. O que vocês fizeram naquela época e o
que significa isso para mim? O escritor judeu Maxim
Biller é sempre acusado de, seja qual for o tema, tratar do Holocausto. E ele contra-ataca: quando jovens
alemães escrevem, por que nunca falam de sua história?
Por que poucos estudos se ocupam desse aspecto pessoal?
Não sei. Só acho que o confronto real com esse tema
está começando agora. As histórias pessoais estão
sendo permitidas, enquanto, antes, a discussão era
deixada para os historiadores, os políticos. Imagine
que uma série de TV como "Holocausto" e um filme
como "A Lista de Schindler" só apareceram nos anos
80 e 90, ou seja, quase 50 anos depois da Segunda
Guerra. Acho que estamos entrando em uma grande
onda desse tipo de histórias.
No seu livro, a questão da chamada "superação do passado" desempenha papel fundamental. Mas tratar do lado
psicológico de crianças que durante o regime nazista não
tiveram um papel ativo não desvia a atenção de um confronto real com o passado?
Acho que não. Realmente, elas não são criminosas,
elas só levam o sobrenome dos pais. Mas tratar do
destino dessas crianças é tratar automaticamente do
tema nacional-socialismo. Este não foi -e aqui falo
entre aspas- "só o Holocausto". Ele foi perigoso
também em outros níveis. O importante é: por que
tantas pessoas foram atrás?
A posição dos entrevistados varia entre uma rejeição ao
terror nazista e uma defesa dos pais. Esse espectro de
reação não representa um pouco o conflito que toda a geração de jovens teve com os pais, nas primeiras décadas
do pós-guerra?
Em certo grau, sim. Mas os filhos dos nazistas famosos foram obrigados a tratar do assunto, pois eles
simplesmente trazem sobrenomes como Goering ou
Himmler. Mas não houve essa discussão nas muitas
outras famílias. Nos anos 60 foi levantado o debate,
mas lá se tratou de um grito político coletivo. Dentro
das famílias, isso não aconteceu.
Seu pai descreve os filhos dos nazistas às vezes até com
certa empatia. Já o sr. não esconde sua indignação. O que
mostram essas perspectivas diferentes sobre a Alemanha dos anos 50 e 90?
Não dá para generalizar, mas, primeiramente, trata-se de uma questão jornalística. Nos anos 50, a regra
era deixar o "eu" de lado na hora de relatar. Predominava o modelo norte-americano de jornalismo.
Hoje é diferente. Além disso, nos anos 50 houve o
que em inglês se chama "conspiracy of silence"
("conspiração do silêncio"), coisa que hoje está sendo quebrada. Sinto nas leituras que existe a necessidade das pessoas em conhecerem as histórias pessoais, de saberem por que o pai ou o avô foi um sequaz, um medroso ou mesmo um herói.
O contato com os filhos de chefes nazistas foi nitidamente árduo para o sr. Qual entrevista foi a mais difícil?
A entrevista com o filho de Rudolf Hess. Na minha
frente estava um homem velho e mau, anti-semita e
que contestava, pelo menos na sua extensão, o Holocausto. Era uma pessoa difícil de suportar. Na verdade, nenhuma das entrevistas foi fácil. Outro que me
impressionou foi Niklas Frank.
O sr. sentiu pena?
Senti. Na verdade, em todos os casos senti pena, inclusive no de Hess. A história de vida de um homem
desses foi acompanhada por muitas tragédias. Imagine que ele nunca viu seu pai, só dentro da prisão.
Ele o visitou por 40 anos, às vezes sob condições
aventurescas. Entende-se por que tem uma compreensão distorcida da realidade.
Quando as reportagens de seu pai foram publicadas,
muitos leitores se mostraram indignados, pois se tratava
de histórias das crianças dos nazistas, e não das vítimas.
Depois de 40 anos, quais são as reações ao seu livro?
Até agora, só vi reações positivas. Isso pode mudar,
mas eu sinto um grande interesse pelo tema.
Onde encomendar
O livro "Denn Du traegst meinen Namen" (Ed. Karl Blessing, 224
págs., 42 marcos), de Norbert e Stephan Lebert, pode ser encomendado, em SP, na livraria Bücherstube (r. Bernardino de Campos, 215, SP, tel. 0/xx/11/240-3735) ou, pela Internet, na Bol.de
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