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Édipo contra o Führer
Ganhadora do Goncourt, principal prêmio literário francês, obra
se apóia na tragédia grega
MICHEL SCHNEIDER
Sobre a morna planície
da temporada literária da França caiu um
meteoro. Imenso,
sombrio, incandescente, arrebatador. "As Benevolentes" é o relato monstruoso de um personagem monstruoso numa época monstruosa. Um afresco barroco sobre a
Alemanha entre 1941 e 1945.
O trabalho espanta. Como
seu autor. Jonathan Littell esteve por muito tempo envolvido com causas humanitárias, e
ele narra sua história como
uma doença ou um pesadelo
lento e viscoso, em meio a um
rio de horrores. Como a linguagem: o livro foi escrito em francês por um norte-americano,
filho de um célebre autor de romances de espionagem.
O narrador, Max Aue, é um
torturador, tenente-coronel da
SS, a tropa de elite nazista. Um
homem pérfido, que deplora o
amadorismo dos primeiros
massacres praticados pelos alemães na Ucrânia. Um intelectual frustrado que julga sadio o
caráter antiburguês e antielitista do nacional-socialismo.
Um escritor fracassado que
se aproxima dos intelectuais
colaboracionistas franceses.
Uma alma artística que lê a
"Correspondência" de Stendhal ou a "República", de Platão, à beira das valas comuns.
Um homem comum
Ele escapou da Alemanha arruinada e se estabeleceu em Paris, onde se casou, mas não sem
ceder a ocasionais casos com
homens. Dirige uma fábrica de
rendas, mas pensa com nostalgia em outra, uma fábrica de
morte. Um homem comum,
com suas contradições, ímpetos, arrependimentos; ele ama
os números, contesta as contas
no que diz respeito às suas vítimas e refaz os cálculos, como se
estivesse computando o resultado de um jogo de cartas.
Muitos anos se passaram. Ele
continua irreconciliável, sente
a mácula e convoca a escrita,
em vão, como herdeira única de
seu crime. Relembra os bons
tempos, se atribui um papel de
destaque, reorganiza os acontecimentos, convenientemente
esquece fatos.
Mas, à medida que narra, surgem lembranças. Aue não aprecia isso. Elas incomodam.
"Pensar não é bom", diz. Ele
ilustra a definição de Hannah
Arendt sobre o mal: "A ausência de reflexão". O mal em que
ele reconhece ter mergulhado
não tem paixão, não tem prazer. É um mal frio.
Descreve tudo como se não
tivesse passado de testemunha
distante. Revê, sem sentir nada,
a cena da morte de uma mulher
ucraniana e relembra o cadáver
dela lançado à neve.
Homossexualidade
As cenas que se sucedem permitem apreender muito sobre
a ambivalente relação entre o
nazismo e a homossexualidade.
"Foi assim, com o cu cheio de
esperma, que decidi me alistar
no Sicherheitsdienst" [serviço
de segurança da SS].
Quando ele diz, sobre uma
mulher torturada, que "o corpo
daquela menina representava
para mim um espelho", o personagem -não "o herói"- deixa escapar que aquela ferida pela qual ele não cansa de se vingar deriva de sua própria passividade, de seu desejo de se submeter a outros homens.
"A literatura é a infância recuperada", disse Georges Bataille em "A Literatura e o Mal"
[L&PM]. Mas acrescentou que
isso não o inocentava e que deveria se declarar culpado.
Uma tragédia moderna diante da qual os deuses permanecerão mudos e os juízes petrificados de horror? "As Benevolentes" (ou "Eumênides") é o
nome que Ésquilo atribui às
Erínias na última de suas tragédias. Littell imita a "Orestéia"
[leia texto nesta pág.]. Aue, como Orestes, sofre alucinações,
revê ou sonha a morte de sua
mãe. É como um Édipo abatendo o Führer.
As referências mitológicas,
aplicadas ao Terceiro Reich,
têm algo de artificial; é difícil
acreditar na paixão incestuosa
de Max por sua irmã, e o assassinato de sua mãe tampouco é
convincente. Oficial superior
na SS, ele assassina sua própria
humanidade ao colaborar com
a "solução final".
Obra-prima? Não. Um "tour
de force", sem dúvida, mas um
daqueles que espantam sem comover. Colocar em posição
central um personagem imensamente odioso expõe o leitor à
fadiga e o incita a abandonar esse monólogo obsessivo. O ódio
é uma paixão repetitiva e descontínua demais para funcionar como única sustentação de
um romance.
Seria possível dizer sobre
Aue ou pensar sobre Littell que
ambos escrevem para não repousar "a sós com o tempo, e a
tristeza, e a dor, e a memória, a
crueldade da existência e a
morte ainda por vir".
Para quem eles escrevem?
Para nossas sombras, para que
elas se calem. Por que eles escrevem? Para que as Erínias se
transformem em "Eumênides"
e para que a tinta nos lave das
palavras impronunciadas.
Seria preferível que o personagem principal não fosse o falastrão satisfeito que não precisa de companhia, mas, sim,
suas vítimas mudas, implorando às deusas encarregadas de
punir os crimes que não sejam
benevolentes.
MICHEL SCHNEIDER é psicanalista e escritor
francês, autor de "Mortes Imaginárias" (ed. A
Girafa) e "Marilyn, Últimas Sessões".
A íntegra deste texto saiu no "Le Point".
Tradução de Paulo Migliacci.
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