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Contrastes e confrontos
"Imagem e Persuasão" traz ensaios de Argan sobre a arte barroca
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
O
barroco é difícil. Que clareza se pode esperar de um
conceito sob o qual são incluídos artistas tão diversos como Rembrandt e Velázquez,
Rubens e Poussin, Bernini e Borromini? Segundo o historiador e crítico de arte Giulio Carlo Argan, só podemos solucionar tal dificuldade se
considerarmos o barroco não como
um estilo, mas como uma situação
-um problema comum ao qual cada artista deu uma resposta singular.
Investigar essas respostas constitui o
objetivo de "Imagem e Persuasão -Ensaios sobre o Barroco".
Esse problema comum foi o surgimento do Estado absolutista, "a
grande criação política do século
17". Em contraste com o Renascimento, produto típico das pequenas
cidades-Estado italianas, o barroco
prosperou sob as grandes estruturas
burocráticas criadas para assegurar
a extração de uma renda fundiária
dos camponeses após o fim da servidão de gleba. Tal racionalização do
Estado estava portanto subordinada
a uma finalidade não-racional: a manutenção da ordem feudal. A questão posta tanto aos artistas católicos
como aos protestantes consistia em
legitimar um regime irracional utilizando as técnicas racionais legadas
pelo classicismo -um conflito que
se manifestou na arte como uma
tensão entre matéria e forma, que se
tornou mais pesada e volumosa.
Ora, se a retórica barroca configurava suas imagens como discursos
destinados a persuadir as massas, é
legítimo perguntar qual era o objetivo dessa persuasão: "O que importa
não é persuadir a isto ou aquilo, mas
simplesmente persuadir". É absurdo
assim "reduzir toda a temática barroca às teses religiosas da Contra-Reforma", já que o tema amiúde servia apenas para que o artista exercitasse sua técnica de convencimento.
Como assinala Argan, "o século 17
é exatamente o século em que o desenvolvimento da arte se dá no contraste de tendências". Essas tendências se distribuíam numa escala que
contrapunha os artistas voltados para o individual (Caravaggio) àqueles
voltados para o universal (Carracci).
A mesma oposição se expressava na
arquitetura no antagonismo entre
Borromini (que comprime o espaço) e Bernini (que o expande). Esses
dois pólos não esgotam, porém, a riqueza estética do período, analisada
em ensaios sutis e eruditos.
Argan em geral estrutura seus estudos confrontando as realizações
de um artista com as de seus contemporâneos, expondo de forma
minuciosa os dilemas enfrentados
por cada um e as respectivas soluções. Ele observa, por exemplo, que
Frans Hals "é o inventor de uma caricatura feita de cores, e não de traços", uma espécie de "retrato em superfície" que tem o seu "oposto no
retrato profundo de Rembrandt". O
primeiro é um pintor de grupos alegres, ao passo que Rembrandt é um
pintor de solitários preocupado em
fixar uma experiência vivida. Enquanto para Caravaggio a morte é
simplesmente a saída do mundo dos
vivos, "para Rembrandt, a morte é a
consumição cotidiana da vida, o
nosso sofrimento e destruição no
atrito com os outros, a chegada, enfim, à condição de solidão".
A forma-ensaio permite que ele estude em detalhe os processos criativos, pois Argan está preocupado em
entender a história da arte da perspectiva do produtor -ou seja, como uma sucessão de problemas
concretos e soluções individuais,
que se cristalizam nas obras de arte.
Nisso ele se opõe aos teóricos que
assumem a perspectiva de um contemplador atual, que, considerando
todas as obras do passado como dados (e não como produtos de sujeitos determinados), pode enquadrá-las em classes segundo critérios de
semelhança, separando claramente
um estilo do outro. Um exemplo é o
do antropólogo Claude Lévi-Strauss,
para quem o barroco seria apenas "a
sobrevivência, formal e amaneirada,
de uma ordem social decadente ou
terminada": ele seria, "no plano estético, o seu eco moribundo".
O problema desse último método
é que ele desconsidera o fato de que
os objetos estéticos constituem os
resultados de decisões de indivíduos
reais, deixando assim na sombra os
motivos que impeliram cada artista
a criar uma obra e não outra.
Imagem e Persuasão
632 págs., R$ 74,00
de Giulio Carlo Argan. Trad. Maurício Santana Dias. Companhia das Letras (r. Bandeira
Paulista, 702, conjunto 32, CEP 04532-002,
SP, tel. 0/xx/11/ 3707-3500).
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