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+ história
O sexo e a revolução
Maio de 1968, que completa 40 anos, não conseguiu derrubar o capitalismo nem instituir o amor livre, mas foi decisivo para definir rumos da sociedade de consumo e da sexualidade atual
VICENTE VERDÚ
E
m 2008 acontecerá o
40º aniversário de
um momento crucial
do século 20. Muitos
estopins pegaram fogo ao mesmo tempo, e uma geração se rebelou contra a sociedade burguesa.
"Desejar a realidade é bom;
realizar os desejos é melhor."
A revolução de 1968 recendia a
orgia. Assim, não se pode considerar estranho que seus detratores a vissem como um
ataque de raiva de jovens mimados. E obscenos.
O clima dionisíaco de 1968
foi o núcleo da revolta. Todas
as críticas feitas aos fogos de
artifício políticos daquele ano
deixam de levar em conta sua
fogueira fundamental, acesa
pelo sexo e graças ao movimento de liberação da mulher.
O capitalismo, porém, se
manteve em pé. Trocou sua
pele antiga por um cetim das
cores do arco-íris, e ganhou a
capacidade de desenvolver-se
como grande festa pública de
consumo agregada à do orgasmo e do antiautoritarismo. O
capitalismo de produção e repressor rumou em direção ao
cromatismo musical do capitalismo de consumo.
O crescente valor do jovem
significou uma inversão na
hierarquia de valores. O protótipo burguês baseava sua moral em virtudes capitais: o poupar, a utilidade e a finalidade.
Maio de 68 refutava cada um
desses princípios. Diante do
poupar e da contenção sexual,
propugnava o gasto orgástico;
diante da renúncia, o prazer já.
A revolução "agora!" foi o
grito fundamental que hoje se
refere a qualquer coisa, desde
o eletrodoméstico até a casa,
da viagem ao fast food.
A economia revelou-se equivalente à repressão, e a utilidade ou finalidade se manifestaram como a marca desencantada do projeto e da ação.
Diante do poupar repressivo, o gasto; da utilidade calculada, o imediatismo e, da finalidade, a aventura. Esses elementos fazem o triângulo da
cultura de consumo.
Se os protagonistas de 68
conclamavam à criatividade,
ao prazer, à liberação generalizada, também apelavam contra a sociedade de consumo,
que, paradoxalmente, tornou-se a mais criativa e a que mais
correspondeu a seus anseios
de pecado sem penitência.
O paradoxo era este: seus líderes repudiavam o consumismo sendo grandes consumistas por excelência: do tempo, do sexo, dos direitos, dos
meios de comunicação.
De fato, tanto Maio de 68
quanto o sistema geral de consumo são inconcebíveis sem a
gigantesca explosão da "mass
media". Veio daí o fato de a revolta ser, por um lado, muito
ampla, como uma endemia, e,
por outro, muito efêmera.
Nascida e desenvolvida como
um acontecimento sensacionalista num jornal da imprensa marrom, por mais vermelha
pudesse parecer.
Hoje não vale a pena qualificar aquela subversão como
êxito ou fracasso -suas reivindicações se inscreveram na alma social como um bordado
do mesmo fio. E o fizeram com
tanta naturalidade quanto um
ritmo que se encaixa perfeitamente com a melodia tocada
em todo o mundo desde então:
a melodia do novo capitalismo
de consumo.
A moda ingressou no sistema como aspecto do ritmo dominante. Antes, ela era quase
exclusivamente de mulheres.
Depois, se fez espetáculo total.
Contudo, o feminino foi importante, permeando o juvenil
e o subversivo como um aspecto essencial do momento.
Sem a mulher não teria sido
possível a festa, e foi graças a
seu vigoroso movimento de liberação que se emanciparam
dois ou três sexos ao mesmo
tempo. O dela, que funcionava
como grande polícia dos bons
costumes, o masculino, que
ganhou a inesperada liberdade
de intercambiar seus desejos
com os de seus pares.
Muitas ou todas as comunas
fracassaram, e quase todas as
tentativas de "ménages à
trois" provocaram neuroses;
mas tanto Truffaut quanto nós
não desperdiçamos a oportunidade de experimentar.
As contradições do Maio de
68 são tantas que tornam sua
lembrança mais brilhante. De
cada contradição brotou uma
faísca, e, de todas, uma luz que,
se fracassou em seus objetivos
políticos, triunfou na liberação de suas intuições e emoções substanciais.
Foi, sem dúvida, uma grande vitória da feminilidade.
A íntegra deste texto foi publicada no "El País".
Tradução de Clara Allain.
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