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Cinema de grife
O diretor da "Cahiers du Cinéma", que falará em SP
e no Rio, diz
que revista mantém
a mesma independência dos tempos
de Godard e Truffaut
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Diretor de redação
da mítica "Cahiers
du Cinéma", que
ainda é a mais famosa revista de cinema do mundo, Jean-Michel
Frodon não mostra o gosto pela polêmica e pela intervenção
radical de seus antecessores de
redação.
Nomes como André Bazin,
Jean-Luc Godard ou François
Truffaut fizeram história unindo ousadia e radicalismo. Os
dois últimos partiram para a
prática, criando a "nouvelle vague", que influenciou diversas
cinematografias a partir dos
anos 1960.
Ex-crítico do jornal "Le
Monde", que adquiriu a publicação em 1998, Frodon assumiu a direção da "Cahiers" em
2003, numa época de crise entre a revista e o diário parisiense, dizendo querer "restabelecer a confiança" entre as duas
publicações, "garantir a independência editorial" e promover novo impulso econômico.
A grife famosa então procurou se modernizar e hoje compreende editora e site.
Frodon estará no Rio e em
São Paulo nos dias 28 e 30.
Vem apresentar o ciclo de filmes "O Cinema Que Reinventa
a Política", organizado pela
"Cahiers" e pela Embaixada da
França. O evento, que faz parte
do ciclo de conferências " Esquecimento da Política", promovido por Adauto Novaes,
apresentará em cinco cidades
nove filmes europeus que se relacionam com o tema.
A seleção inclui "A Comédia
do Poder" (2005), de Claude
Chabrol, e "Amantes Constantes" (2004), de Philippe Garrel,
entre outros.
FOLHA - Qual é a relação entre cinema e política?
JEAN-MICHEL FRODON - Como toda narrativa, o cinema pode
transmitir idéias e símbolos
políticos. Como toda arte, investiga a ordem do mundo,
abre espaços obscuros que
questionam a ordem estabelecida. Ao mesmo tempo, constrói maneiras de ficarmos juntos. Como arte, é agente de interrogação e de construção.
Esses são os dois vetores da
política. Diferentemente de outras artes, é um registro do real
e também criação coletiva, o
que lhe dá uma força política
que as outras formas de discurso ou de arte não possuem.
FOLHA - O sr. defende que o cinema europeu não tem os meios estéticos nem ideológicos para enfrentar o cinema político americano. Godard e Rossellini, por exemplo, não
fizeram um cinema político e inovador com poucos recursos? Não é necessária uma "forma" revolucionária, como pregava Eisenstein?
FRODON - O cinema europeu e o
cinema americano fazem política de formas diferentes. Godard e Rossellini, para usar
seus exemplos, fizeram filmes
que questionavam as ligações
sociais. Isso compreendia as
formas de narrativa e de representação -fizeram um cinema
crítico. Trata-se menos de uma
questão de meios do que de
abordagem da política.
Eisenstein acreditou que podia fazer um cinema revolucionário ao lado de um poder que
acreditava ser revolucionário,
mas não era, e Eisenstein pagou muito caro por seu erro,
mas seus filmes permanecem
revolucionários.
FOLHA - A "Cahiers" perdeu muitos leitores e prestígio com o "coletivo maoísta" nos anos 70. A atitude
política extremada não é negativa?
FRODON - Para mim, a "Cahiers" do início dos anos 70
produziu uma reflexão forte e
importante sobre a dimensão
política do cinema, que ainda é
útil. Mas cometeu o erro de
perder a articulação entre essa
reflexão teórica e a realidade do
cinema propriamente dita.
Com isso, deixou de ser uma
revista de cinema, o que a enfraqueceu bastante. A "volta ao
cinema" no fim dos anos 70 não
destruiu as idéias elaboradas
nessa época, mas as reinscreveu dentro de uma relação forte com o cinema.
FOLHA - O cinema político está renascendo com nomes como Michael
Moore e com filmes como "Syriana"
e "Munique"? O 11 de Setembro influenciou? Qual é a diferença entre
esse cinema e aquele dos anos 70
("Apocalipse Now", "Síndrome da
China", Costa-Gavras etc.)?
FRODON - Os atentados de 11 de
Setembro influenciaram o poder dos conservadores sobre a
TV (Fox News) e reavivaram os
temas políticos nos filmes feitos nos EUA. Há uma vertente
de propaganda esquerdista, da
qual Michael Moore é o representante mais conhecido, que
faz filmes sem interesse cinematográfico. São ilustrações de
um discurso (com o qual se pode, aliás, estar de acordo).
Spielberg sempre fez filmes
com "mensagem", com os recursos da grande ficção espetacular hollywoodiana. "Munique" é interessante na medida
em que certamente é seu filme
menos claro, em que a mensagem é a da dúvida. O cinema político é cada vez mais representado por cineastas que defendem um compromisso liberal
democrático, como é o caso de
"Syriana", do antigo "Síndrome
da China", assim como dos filmes de Costa-Gavras.
"Apocalipse Now" é uma
obra-prima que não se compara a nenhum dos outros. Não é
um filme contra a Guerra do
Vietnã, mas uma reflexão ética
e política sobre o espetáculo e
sobre o desejo da morte.
FOLHA - Qual é a melhor crítica cinematográfica? A anglo-saxã ou a
francesa?
FRODON - Há excelentes críticos no mundo anglo-saxão e vários críticos ruins na França.
Mas a crítica é melhor na França do que nos EUA ou no Reino
Unido, porque na França o cinema é majoritariamente considerado como arte. Não há crítica sem arte.
É possível encontrar nos
grandes jornais franceses espaços importantes para acompanhar um trabalho crítico, enquanto no mundo anglo-saxão
a promoção do "star system"
-uma abordagem estritamente ligada ao consumo- domina
amplamente a expressão sobre
o cinema.
FOLHA - O sr. era crítico do "Monde" antes de se tornar diretor de Redação da "Cahiers". Quais são seus
planos? O "charme" da independência da revista foi perdido com a sua
aquisição pelo grupo "Monde"?
FRODON - Hoje a "Cahiers" não
é só uma revista mas também
uma editora de livros, que produz DVDs e tem um site. Trata-se de organizar o trabalho desses diferentes elementos para
fazer no mundo atual o que é o
trabalho da "Cahiers" há 55
anos. Compreender os filmes a
partir do amor pelo cinema,
compreender o mundo em que
vivemos por meio do cinema.
Temos programas nas escolas (para as crianças e adolescentes) e as Semanas da "Cahiers", organizadas em vários
países. Também haverá uma
versão em espanhol da revista.
Já há um site na internet em
seis línguas. Também há o projeto de uma edição on-line da
"Cahiers" em inglês. Eu trabalhava de forma independente
no "Monde" e trabalho assim
na "Cahiers". A compra da "Cahiers" pelo "Monde" garantiu a
independência dos dois.
FOLHA - O cinema argentino atual
é mais político do que o brasileiro?
FRODON - Não posso falar de algo que não conheço. Não vi
muitos filmes brasileiros
-nem no circuito nem em festivais- que manifestassem
uma dinâmica forte em relação
ao mundo atual. Mas sei que
existe no Brasil uma importante escola de documentários. Infelizmente não conheço o suficiente para comentar.
Já faz dez anos que o jovem
cinema argentino de ficção introduz narrativas e modos de
representação ao mesmo tempo inovadores e críticos. Espero que existam no Brasil cineastas comparáveis a Pablo
Trapero, Lucrecia Martel, Lisandro Alonso, Diego Lehrman, Celina Murga ou ao saudoso Bielinsky. Ficaria muito
contente de descobrir.
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