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A vingança dos nerds
Criador da realidade virtual, Jaron Lanier ataca o "maoísmo digital" dos pesquisadores do Vale do Silício, nos EUA
DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO
O
cenário descrito
lembra algumas
das piores previsões da ficção
científica. Na contramão do senso comum ligado
à idolatria a novas tecnologias,
soa um alarme dentro do próprio meio onde esse futuro é
gerado. Para Jaron Lanier,
criador da realidade virtual
-em 1987- e um dos principais pesquisadores de tecnologia do Vale do Silício, em dez
anos a nova filosofia da informática da região terá "dominado o mundo", e o ser humano
terá sua importância reduzida.
Simplificando esse sistema
"computacional": não há mistérios no mundo, que é apenas
um grande computador, e a
função dos seres humanos não
é outra senão a de otimizar essa
máquina.
Intelectual apocalíptico, o
doutor pelo Instituto de Tecnologia de Nova Jersey, músico
e colunista da "Scientific American" explicou, em entrevista
à Folha, que a mudança que
denuncia ainda não é prioridade nas discussão do mundo
atual. O problema, diz Lanier,
46, é que tal forma de pensar
está crescendo e sendo aceita
sem questionamentos.
Um exemplo dado por Lanier -segundo o qual já se fala
em desestímulo ao estudo da
música, que no futuro seria feita apenas por máquinas- são
as ferramentas de informação
da internet, como a Wikipedia.
"Se expuséssemos a Wikipedia como idéia -e não como
tecnologia-, quem poderia
achar que um livro onde todos
podem escrever e que não tem
um autor responsável pelo todo poderia ser uma boa idéia?"
Para ele, que cunhou o termo
"maoísmo digital" a partir do
exemplo citado, o que complica
o problema é a falta de senso
crítico das pessoas, o que as leva a considerar a enciclopédia
uma espécie de Bíblia. Leia
abaixo os principais trechos da
entrevista.
FOLHA - Por que o sr. se diz preocupado com a propagação essa concepção tecnológica do mundo?
JARON LANIER - O que precisamos entender é que a cultura
do Vale do Silício está começando a "controlar o mundo"
(risos). É uma coisa gradual,
mas que está acontecendo. As
pessoas de lá vêm de um grupo
de pessoas muito orientadas
para o pensamento tecnológico. Do ponto de vista deles, os
seres humanos não importam.
Na verdade, nem sequer existem: são feitos de subconsciência e cérebro, e a sociedade é
uma coleção de subconsciências. Tudo é apenas uma computação gigantesca, e a designação de uma pessoa é um rótulo
arbitrário que se coloca numa
parte desse hardware gigante.
Há alguns dias, conversando
com alguns dos executivos
mais influentes do Vale do Silício, ouvi isso: "Em dez anos, o
uso de algoritmos da internet,
com toda a informação de serviços como o Orkut, o Google,
poderemos criar automaticamente músicas muito melhores de que qualquer coisa que
uma pessoa pudesse inventar.
É errado ensinar música a
crianças porque os computadores vão ser melhores nisso, então, será um ensino obsoleto".
FOLHA - O "maoísmo digital" é um
exemplo disso? De que se trata?
LANIER - Sempre soubemos que
há benefícios em ter um grande
número de pessoas participando das decisões. É por isso que
há Bolsas de Valores, eleições,
democracia, e não há nenhuma
controvérsia quanto a isso.
Muito recentemente, entretanto, houve uma mudança.
Agora há uma idéia de que sabedoria individual não importa. O coletivismo digital, que é o
caso da Wikipedia, se expressa
na idéia de que a coletividade
sempre será mais inteligente
de que os indivíduos. O que se
está dizendo é que a mente humana não mais importa.
FOLHA - Falta a criatividade dos seres humanos...
LANIER - Se falarmos com alguém com essa visão centrada
na informática, ele responderá
que é tudo muito simples, é
preciso apenas ajustar alguns
algoritmos para incluir produções menos comuns, para que o
computador invente como os
grandes gênios da história da
música ou do pensamento.
A questão fundamental acaba nos levando às bases da filosofia. Se se acredita que temos
uma compreensão geral do que
acontece na realidade e não há
mais mistérios -a realidade seria um computador gigante, e o
sentido da vida seria apenas o
de otimizá-lo-, então todas as
considerações sobre a importância do ser humano se tornam desimportantes.
FOLHA - Não é um tanto catastrófico achar que esse pensamento irá
dominar o mundo?
LANIER - Claro que é um tema
que ainda tem pouca influência
no mundo atual. É mais importante falar em fundamentalismo religioso, em temas do atual
capitalismo de corporações...
Mas falo disso para antecipar a
discussão que se dará em dez
ou 15 anos, quando a informática será um tema tão importante quanto esses outros.
FOLHA - O que torna a ideologia
tão sedutora?
LANIER - Quando as idéias são
embaladas como tecnologia, as
pessoas estão mais suscetíveis
a aceitarem-nas sem questionamento do que quando são
propostas abertamente como
ideologia.
Se deixássemos de lado a tecnologia e mostrássemos apenas
a idéia -por exemplo, escrever
um livro, uma enciclopédia, de
que todo mundo pudesse participar, chegando-se, assim, a
uma "obra perfeita"-, soaria
completamente ridículo em
qualquer lugar do mundo. Mas,
como se trata de algo na internet, embalado como tecnologia, as pessoas acham genial.
Fui parte desse mundo digital por muito tempo e ainda
acho que a influência da tecnologia na vida das pessoas foi positiva em sua maior parte. Essa
nova ética anti-humana, que
está crescendo, é o que pode virar tudo de cabeça para baixo.
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